São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 2002

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Moradores são "refugiados" da guerra do tráfico

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Durante a noite, os tiros que cortam o morro da Coroa (Catumbi, zona norte do Rio) obrigam o estudante R., 14, a se esconder com o pai, a mãe e o irmão na cozinha do barraco da família.
De manhã, o vigilante Haroldo Torres da Silva, 26, volta para casa em outro morro do Rio, o dos Macacos (Vila Isabel, zona norte). Ele, a mulher e os dois filhos estão dormindo na casa dos patrões, com medo da guerra entre traficantes que disputam o controle da venda de drogas na favela.
No mesmo morro, por causa da mesma guerra, a camelô O., 25, não manda o filho para a escola. Também não arma na rua a barraquinha em que vende guloseimas para alunos de um outro colégio, a Escola Municipal Antônio Fernando da Silveira.
Na tarde de terça-feira, nem crianças nem professores foram à escola. Na rua, a professora de um centro comunitário avisa: as faltas estão sendo abonadas, não há condições de haver aula.
Ontem à tarde, a escola fechada era o Educandário Nossa Senhora de Nazaré, no Catumbi. Na capela da instituição, uma garota de nove anos foi baleada anteontem no tiroteio entre policiais e traficantes rivais dos morros da Coroa e da Mineira.
O medo define a rotina dos moradores das áreas afetadas pelas disputas dos traficantes. Muda a escola, o trabalho, o comércio, os serviços públicos, a vida cotidiana, enfim.
Os traficantes do morro São João, integrantes do CV (Comando Vermelho), querem "tomar" o morro dos Macacos, dominado pelo TC (Terceiro Comando).
Está acontecendo o mesmo no morro da Coroa, onde os "donos da casa", do TC, reagem a tiros à tentativa de invasão dos rivais do CV, vindos do morro da Mineira.
A presença da polícia dá uma trégua ao medo. Mas é uma trégua breve. "Quando a polícia sai, eles voltam, atiram, ameaçam. Não durmo mais aqui", diz Michele dos Santos Rezende, 32, desempregada, que nos fins de tarde desce o morro dos Macacos e vai dormir com os dois filhos na escola de samba Vila Isabel.
No alto do morro, o pizzaiolo cearense R., 29, arruma a mudança numa Kombi. Cansou dos tiros praticamente dentro de casa, das paredes cravadas de balas. "Pago aluguel aqui, posso pagar em outro lugar", justifica.
Depois de dormir fora algumas noites, quem é dono de barraco acaba ficando no morro, sem dinheiro para pagar aluguel e sem outro lugar para ir.
Quem precisa do salário também não abandona o trabalho nas áreas de risco, como o frentista Gilberto Queiroz, 65, do posto de gasolina entre os morros da Coroa e da Mineira. Três pessoas estavam no posto anteontem quando foram baleadas. "Preciso trabalhar. Tenho medo, mas fazer o quê?", questiona o frentista.
A polícia também tem medo. No DPO (Destacamento de Policiamento Ostensivo) no alto do morro da Coroa, os sete PMs de plantão já foram cercados por traficantes. Em tardes de tiroteio, o DPO serve de abrigo para moradores. O sargento PM de plantão, 36 anos de idade, 16 de polícia, resume: "Isso aqui é terror 24 horas por dia. A gente aguenta porque não há o que fazer".



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