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Moradores são "refugiados" da guerra do tráfico
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
Durante a noite, os tiros que
cortam o morro da Coroa (Catumbi, zona norte do Rio) obrigam o estudante R., 14, a se esconder com o pai, a mãe e o irmão na
cozinha do barraco da família.
De manhã, o vigilante Haroldo
Torres da Silva, 26, volta para casa
em outro morro do Rio, o dos
Macacos (Vila Isabel, zona norte).
Ele, a mulher e os dois filhos estão
dormindo na casa dos patrões,
com medo da guerra entre traficantes que disputam o controle
da venda de drogas na favela.
No mesmo morro, por causa da
mesma guerra, a camelô O., 25,
não manda o filho para a escola.
Também não arma na rua a barraquinha em que vende guloseimas para alunos de um outro colégio, a Escola Municipal Antônio
Fernando da Silveira.
Na tarde de terça-feira, nem
crianças nem professores foram à
escola. Na rua, a professora de um
centro comunitário avisa: as faltas
estão sendo abonadas, não há
condições de haver aula.
Ontem à tarde, a escola fechada
era o Educandário Nossa Senhora
de Nazaré, no Catumbi. Na capela
da instituição, uma garota de nove anos foi baleada anteontem no
tiroteio entre policiais e traficantes rivais dos morros da Coroa e
da Mineira.
O medo define a rotina dos moradores das áreas afetadas pelas
disputas dos traficantes. Muda a
escola, o trabalho, o comércio, os
serviços públicos, a vida cotidiana, enfim.
Os traficantes do morro São
João, integrantes do CV (Comando Vermelho), querem "tomar" o
morro dos Macacos, dominado
pelo TC (Terceiro Comando).
Está acontecendo o mesmo no
morro da Coroa, onde os "donos
da casa", do TC, reagem a tiros à
tentativa de invasão dos rivais do
CV, vindos do morro da Mineira.
A presença da polícia dá uma
trégua ao medo. Mas é uma trégua breve. "Quando a polícia sai,
eles voltam, atiram, ameaçam.
Não durmo mais aqui", diz Michele dos Santos Rezende, 32, desempregada, que nos fins de tarde
desce o morro dos Macacos e vai
dormir com os dois filhos na escola de samba Vila Isabel.
No alto do morro, o pizzaiolo
cearense R., 29, arruma a mudança numa Kombi. Cansou dos tiros
praticamente dentro de casa, das
paredes cravadas de balas. "Pago
aluguel aqui, posso pagar em outro lugar", justifica.
Depois de dormir fora algumas
noites, quem é dono de barraco
acaba ficando no morro, sem dinheiro para pagar aluguel e sem
outro lugar para ir.
Quem precisa do salário também não abandona o trabalho nas
áreas de risco, como o frentista
Gilberto Queiroz, 65, do posto de
gasolina entre os morros da Coroa e da Mineira. Três pessoas estavam no posto anteontem quando foram baleadas. "Preciso trabalhar. Tenho medo, mas fazer o
quê?", questiona o frentista.
A polícia também tem medo.
No DPO (Destacamento de Policiamento Ostensivo) no alto do
morro da Coroa, os sete PMs de
plantão já foram cercados por traficantes. Em tardes de tiroteio, o
DPO serve de abrigo para moradores. O sargento PM de plantão,
36 anos de idade, 16 de polícia, resume: "Isso aqui é terror 24 horas
por dia. A gente aguenta porque
não há o que fazer".
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