São Paulo, Domingo, 30 de Maio de 1999
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LIXO
Tribunal aponta irregularidades que vão da varrição ao aterro e que contam com a falta de controle como aliada
Prefeitura paga sem fiscalizar, diz TCM

da Reportagem Local

A empreiteira diz que varreu toda a cidade, diz que coletou toneladas e toneladas de lixo, diz que seu caminhão fez o trajeto mais curto e diz que alojou tudo como manda o figurino. A prefeitura acredita e paga. Milhões.
Trocando em miúdos é isso o que constatam 14 auditorias feitas nos serviços de limpeza urbana pelo TCM (Tribunal de Contas do Município) entre 96 e abril deste ano.
"Entendemos que a falta de análise das quantidades apresentadas na medição, aliada à precária fiscalização exercida, impossibilita que o Limpurb tenha certeza de que os serviços medidos correspondem aos efetivamente executados e estejam de acordo com os previstos no contrato", dizem reiteradamente auditores do TCM. Ou seja, a prefeitura paga sem fiscalizar.
O pior vem a seguir. Depois de dizer diversas vezes que a prefeitura não tem mecanismos para saber se os serviços estão mesmo sendo feitos, o TCM lista indícios de que há falhas que possibilitam o desvio de quantias de dinheiro ainda incalculáveis.
São mais de duas dezenas de irregularidades (veja quadro ao lado), que começam na varrição, seguem pela coleta de lixo e remoção de entulho, se repetem em usinas de compostagem e incineradores e terminam nos aterros.
A prefeitura rebate as acusações e diz que pode haver problemas pontuais, mas nada que comprometa toda a operação do sistema.
Mas sua argumentação não tem convencido o próprio TCM -órgão frequentemente acusado de ser aliado do Executivo. As irregularidades apontadas nesta reportagem são falhas para as quais a prefeitura não deu respostas satisfatórias, segundo pareceres do TCM.
Um dos mais claros indícios de que a falta de fiscalização está abrindo caminho para fraudes está em relatórios sobre varrição feitos pela Logos Engenharia entre março de 96 e fevereiro de 97.
Os fiscais da Logos fizeram o que cabia aos funcionários públicos: foram às ruas e, por amostragem, checaram o que não estava sendo feito. Constataram que, em média, no período citado, 13% dos serviços de varrição contratados foram pagos sem ser realizados.
Os relatórios têm dados semanais de todas as administrações regionais. Em cada uma delas, foi fiscalizada 10% da extensão total que deveria ser varrida.
Durante toda a manhã, o fiscal passava pelas ruas de determinada região para as quais estava prevista ação matutina e diária.
Na Regional de Santo Amaro, por exemplo, foram vistoriados 48,8 km em março de 96. Desse total, 24,9 km não foram varridos -um índice de 51%. Na Penha, em abril do mesmo ano, não houve varrição em 23% dos 16,4 km vistoriados. Na Vila Mariana, em fevereiro de 97, 24% dos 43,5 km vistoriados não foram limpos.
Da coleta ao aterro do lixo, as fraudes também parecem pegar carona na falta de fiscalização.
O problema começa nas regionais, onde o TCM não achou nenhuma planilha preenchida no campo de fiscalização da coleta.
A falta de inspeção pode permitir, por exemplo, que os coletores retirem mais de 100 litros de lixo de estabelecimentos comerciais -o que é proibido por lei.
O procedimento irregular aumentaria o lucro das empresas, mas seria impedido se a prefeitura tivesse controle sobre o trajeto dos caminhões e sobre quem são os grandes produtores de lixo. Ela não tem.
Os problemas continuam no transbordo, um pátio onde o lixo é transferido dos caminhões para carretas maiores, que levam os resíduos ao aterro. Houve carretas que, nesse estágio, apresentaram material transportado com densidade incompatível com a do lixo.
O conceito é complexo, mas pode ser entendido por um raciocínio simples: basta imaginar que certo veículo tem tamanho para levar no máximo 10 unidades de algodão, mas na pesagem apresentada à prefeitura aparecem 20 unidades transportadas. Ou o material era chumbo, não algodão, ou a pesagem foi superestimada.
A densidade média do lixo que não foi compactado, segundo o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), é de 0,20 ton/m3. No entanto, o TCM aferiu que algumas carretas tinham 1 ton/m3, isto é, o lixo levado pesava mais que o normal. (SÍLVIA CORRÊA)


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