São Paulo, Domingo, 30 de Maio de 1999
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LIXO
Especialistas confirmam irregularidades e dizem que prefeitura contraria lei ao pagar mais de 25% acima do contratado
Gasto com lixo hoje é ilegal, dizem advogados

da Reportagem Local

Ainda que nenhuma das fraudes sugeridas pelo TCM (Tribunal de Contas do Município) seja confirmada pela Justiça, a Prefeitura de São Paulo já gastou R$ 598,7 milhões irregularmente com os contratos de limpeza da cidade.
A opinião é de especialistas em direito administrativo que, a pedido da Folha, analisaram o edital de licitação, os contratos e os aditamentos envolvidos na negociação.
O gasto é considerado irregular porque ultrapassa os 25% de acréscimo máximo permitido pela lei 8.666/93, que rege as licitações.
O valor equivale a 51% do R$ 1,2 bilhão que foi destinado ao setor desde abril de 95, quando começaram a vigorar os atuais contratos.
Se seguisse a legislação, a prefeitura só poderia desembolsar R$ 573 milhões durante os 54 meses de vigência desses acordos, segundo os advogados consultados.
Os gastos foram aumentados por 89 aditamentos distribuídos pelos sete contratos. Eles incluem novas modalidades de serviços, aumentam a extensão e as quantidades do que já estava contratado e reajustam o preço unitário (km, tonelada etc.) que balizam os pagamentos.
"A irregularidade é flagrante", diz Celso Bastos, ex-procurador do Estado e doutor em direito constitucional. "É como dizer ao público que o serviço vai custar só um pouquinho, mas agigantá-lo depois que seus detentores já estão definidos. E se alguém deixou de participar da licitação porque a considerou pouco vantajosa?", questiona.
A opinião é a mesma do advogado, vice-prefeito e corregedor de São Paulo, Régis de Oliveira.
"Os 25% estão definidos em lei. Não há o que discutir", afirma.
Na última quinta-feira, Oliveira protocolou no Ministério Público uma representação pedindo que sejam apurados os reajustes e acréscimos dos contratos.
Ele sugere que o excedente seja cobrado dos responsáveis pelos aditamentos por intermédio de uma ação civil pública, o que pode elevar ainda mais o já planejado pedido de reembolso, hoje calculado em R$ 236 milhões.
Segundo o promotor de Justiça da Cidadania Fernando Capez, um dos que apuram as irregularidades na limpeza pública, o acréscimo de pagamentos e serviços será o próximo alvo das investigações.
A prefeitura rebate a acusação exibindo um acórdão do TCM que permite os aditamentos acima dos 25% com base em uma lei municipal. Os advogados, no entanto, dizem que o TCM cometeu um erro jurídico (leia texto nesta página).

Outros problemas
Além dos acréscimos excessivos, Bastos e Oliveira concordam com a promotoria que é ilegal o cálculo de novos serviços de varrição a partir de padrões que contrariam os parâmetros do edital.
"É amplamente difundido que o edital é a lei interna da licitação", diz o vice-prefeito. "A administração tem liberdade em sua elaboração, mas, depois, nada pode modificar suas regras."
"A somatória de indícios torna inevitável a suspeita de que esses contratos atendem ao único propósito de aumentar a remuneração das empresas", completa Bastos.
O fato de a prefeitura ter pago por serviços que, segundo uma empresa contratada por ela mesma, não foram executados, também configura uma irregularidade, segundo os especialistas.
"Se os serviços que a empresa prestava não podiam ser aproveitados, ela não deveria ter sido contratada", diz Celso Bastos. "A prefeitura não poderia ter ignorado uma comunicação como essa."
"Pode até não ter havido dolo (intenção de fraude) por parte dos agentes do poder público, mas a omissão também pode ser responsabilizada", acrescenta o vice-prefeito. (SÍLVIA CORRÊA)


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