São Paulo, Domingo, 30 de Maio de 1999
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SAÚDE
Isoflavonas reduzem tumores em camundongos
"Hormônio" da soja pode combater câncer

MARCELO LEITE
enviado especial a Londrina (PR)

Se você não consegue encarar soja como alimento, comece a pensar nela como remédio. Proliferam as pesquisas sobre as isoflavonas, um tipo de hormônio presente no grão, que seriam capazes de atacar do câncer à osteoporose. Em cobaias, já provaram que reduzem tumores de mama.
O tema teve destaque no primeiro Congresso Brasileiro de Soja, há dez dias, em Londrina (PR). A ele foi dedicada a principal palestra, dada por Stephen Barnes, 53, da Universidade do Alabama (EUA). Ele disse que este ano deverão ser publicados mais de mil artigos científicos sobre isoflavonas.
Os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH) estão investindo pesado para descobrir efeitos benéficos da soja. Pelos cálculos de Barnes, os NIH destinam cerca de US$ 7 milhões a US$ 10 milhões por ano ao assunto.
Um dos estudos citados por Barnes que mais chamou atenção da platéia foi publicado no ano passado. Pesquisadores do Japão testaram o efeito de um preparado tradicional de soja, o missô (espécie de sopa), em ratinhas com propensão para o câncer de mama.
No grupo de controle, que recebeu preparados inócuos (placebos), os tumores cresceram. Outro grupo foi tratado com uma das drogas mais usadas hoje, o tamoxifeno. Houve crescimento dos tumores, mas menor (veja gráfico).
Para o terceiro grupo foi ministrada uma mistura de tamoxifeno com missô. Nesse caso, surpreendentemente, ocorreram as únicas diminuições de tumores.
Isso acontece, acreditam pesquisadores, porque as isoflavonas têm muita semelhança com os estrógenos, classe de hormônios femininos que regulam crescimento e funções de órgãos como útero e mamas (e podem estar envolvidos no surgimento do câncer).
As isoflavonas são por essa razão classificadas como fitoestrógenos, ou estrógenos vegetais. Sua grande vantagem parece ser a de atuarem como um estrógeno muito fraco, ou até como antiestrógeno.
Tais propriedades fazem das isoflavonas uma alternativa promissora para os compostos sintéticos usados na prevenção de tumores de mama. O tamoxifeno pode preveni-los, mas aumenta o risco de câncer no útero.
"As isoflavonas em uma dieta de soja podem ter um papel na prevenção do câncer, osteoporose e doenças cardíacas. Definitivamente, não estão associadas com câncer de útero, quase desconhecido no sudeste da Ásia, nem com outros efeitos colaterais relatados do tamoxifeno", disse Barnes.

Torta de chocolate e soja
Inglês de nascimento, o químico da Universidade do Alabama é casado com uma pesquisadora de origem coreana, Helen Kim, 51. Entusiastas da soja, até receitas de tortas de chocolate com o improvável ingrediente distribuíram em Londrina, durante o congresso.
Uma de suas sugestões é substituir até 30% de farinha de trigo por farinha de soja, na preparação de massas. O único cuidado, dizem, é adicionar mais água à receita.
Não é tarefa simples mudar hábitos alimentares e incluir neles o que hoje é mais conhecido como componente de ração para gado. Jovens, em especial, seriam os mais refratários, precisamente o principal alvo da cruzada do casal.
Segundo Barnes, experimentos com camundongos mostraram que as isoflavonas, como a genisteína, são ainda mais eficazes quando consumidas na juventude. Nessa época há intensa multiplicação de células na mama, portanto maior oportunidade para mutações -e futuros tumores.
"Adolescentes e mulheres jovens: essa é a época de prevenir", diz Barnes. Como os resultados "ainda são controversos", recomenda ingerir soja como alimento (25-50 gramas por dia), e não concentrados de isoflavonóides.
Outro problema causado pela diminuição dos estrógenos, na pós-menopausa, é a osteoporose. A falta desses hormônios leva à perda de massa dos ossos, tornando-os propensos a fraturas.
Também nesse caso observou-se uma ação benéfica das isoflavonas da soja. O teste foi feito com ratinhas cujos ovários (fontes de estrógenos) haviam sido retirados.
Comparou-se o efeito da isoflavona genisteína com Premarin, usado na terapia de reposição hormonal. A genisteína foi a mais eficiente na retenção de massa óssea (veja quadro).
Mais recente é o estudo do efeito dos estrógenos, ou da falta deles, na cognição. Essa é a especialidade da química Helen Kim, que não participou formalmente do congresso.
"Quando se retiram os ovários de camundongos, eles se tornam modelos não só para osteoporose, mas também para deficiência cognitiva", disse Kim à Folha. "Agora estamos usando soja para ver se pode preveni-la, também."
Segundo a química, da mesma Universidade do Alabama, o estudo pode auxiliar na prevenção do mal de Alzheimer, que ataca mais mulheres idosas do que homens.


O jornalista Marcelo Leite viajou a Londrina a convite da Embrapa.



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