São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 2005

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MENINOS DO RIO

"Queria eu ter sido assassinada", diz mãe de atendente encontrado morto em praia

Morte que provocou ato no Leblon é a 3ª em família de cobradora

FERNANDA MENA
DA SUCURSAL DO RIO

Na tarde de anteontem, Maria Bernadete Santos da Conceição, 59, enterrou um filho pela segunda vez: Rodrigo Santos da Conceição, 19, cujo corpo fora encontrado baleado, desencadeando uma onda de protestos e vandalismo no Leblon, no Rio.
A ex-cobradora de ônibus, aposentada por conta de uma disfunção cardíaca, já perdeu três dos seis filhos. O terceiro, Bernadete diz velar em pensamento, já que o corpo do garoto de 16 anos nunca foi achado.
Mas a família imagina que ele tenha tido o mesmo destino dos outros dois irmãos mortos: seqüestro seguido de espancamento, execução a tiros e abandono do corpo em local ermo.
Moradora da Cruzada de São Sebastião, um complexo habitacional de 945 apartamentos que abriga moradores da antiga favela da praia do Pinto, já demolida, Bernadete divide um apartamento de 30 m2 com seis parentes e se diz aterrorizada: "Tenho muito medo de que isso aconteça a meus outros filhos. Queria eu ter sido assassinada".
Rodrigo, atendente de uma lanchonete Bob's desde 2002, foi encontrado próximo à praia de Grumari, na zona oeste do Rio, com sinais de espancamento e ferimentos a tiros que atingiram a cabeça, o coração, os pulmões, o fígado e o rim.
Moradores da Cruzada São Sebastião, revoltados com a morte de Rodrigo, incendiaram anteontem um ônibus e depredaram outro, sem deixar feridos. "A população fez uma coisa inédita contra uma injustiça. Normalmente, em casos de violência, todos ficam acuados, mas, desta vez, a comunidade reagiu com indignação", disse um irmão de Rodrigo, de 35 anos, que não quis se identificar.
"Só posso dizer o seguinte: sábado, participei da Corrida pela Paz, pouco antes de meu irmão ser morto brutalmente", disse.
Rodrigo foi visto pela última vez no sábado. Ao chegar do trabalho, de madrugada, testemunhas dizem ter visto Rodrigo e dois amigos serem abordados por dois homens e uma mulher num Gol branco sem placas.
Segundo eles, o motorista e os passageiros do Gol teriam se identificado como P2 (integrantes da Polícia Militar reservada, que atua à paisana) e pedido ao colega de Rodrigo que trouxesse da comunidade R$ 5.000 para que o garoto fosse liberado, ou seriam acusados de tráfico.
"Quem vai dar R$ 5.000 para liberarem o garoto? Se ele fosse envolvido com o tráfico, tinha a quem pedir. Mas ele era trabalhador", disse Ely Carvalho, 56, tia de Rodrigo.
Vinte minutos depois, sem o retorno do colega de Rodrigo ou do dinheiro, o garoto teria sido algemado e colocado no interior do veículo, segundo moradores.
Ninguém, no entanto, quer se identificar ou prestar testemunho à polícia sobre o caso, por medo de represálias. "Ninguém quer ter o mesmo fim do Rodrigo", disse um amigo da vítima.
A delegada do 16º DP -onde foi registrado o encontro do cadáver-, Soraia Santana, disse que foi aberto inquérito para apurar o caso e que o laudo da perícia no local onde o corpo foi encontrado deve sair em 20 dias.


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