São Paulo, Terça-feira, 30 de Novembro de 1999


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"Sou inocente, sou inocente, sou inocente..."

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

É bom ver os inimigos tombarem um a um, feito moscas surpreendidas por uma nuvem de inseticida. É bom ver na TV os inimigos da sociedade chorando e tartamudeando ao serem interrogados, acusados, presos. É como se a Justiça funcionasse, fosse vingar o crime.
As CPIs são como uma catarse para os cidadãos comuns e nada espertos -os que não roubam, não matam, seguem à risca as leis, pagam impostos e multas, cumprem (como idiotas?) seus deveres e obrigações.
O escândalo é tão grande -da evasão fiscal organizada, do crime organizado, do narcotráfico, da máfia dos Detrans, da corrupção, das máfias da propina, da máfia do Judiciário, da máfia dos bancos etc. -que a pessoa se sente idiota de agir sempre dentro das regras, sempre de cabeça baixa para as normas.
Por outro lado, a coisa tem esse efeito moral e purificador: as CPIs, ainda que não dêem em nada, são o momento de desforra do cidadão calado, cumpridor e sem poder. Impressionam as cenas de homens barbados chorando, em desespero. Foi o caso do despachante Norival Barbosa, o Índio, que chorava feito um bebê na semana passada, ao dar um depoimento ao Ministério Público de São Paulo. Ele foi preso sob suspeita de centralizar o esquema de fraudes no Detran.
Foi também o caso do deputado cassado José Gerardo de Abreu (expulso do PPB-MA, partido do suspeito Paulo Maluf, a que também pertencia Celso Pitta, prefeito da administração-catástrofe que se abate sobre a capital de São Paulo, e de dezenas de cassados por suspeitas de crimes diversos nos últimos anos). O deputado José Gerardo, que teria tentado o suicídio, apareceu domingo na TV algemado, dizendo aos quatro cantos: "sou inocente, sou inocente, sou inocente...".
Inocente também se julga o PFL, que tem posto na TV a figura de uma mocinha casta para dizer que está numa cruzada pela ética e pela moral, e que é o partido que "faz a história". Que história, que ética? Dos quadros do PFL (só para não deixar morrer a lembrança) constam nesta década nomes de dezenas de políticos suspeitos de corrupção e outros crimes gravíssimos. Entre eles, Ricardo Fiúza, ex-deputado do PFL que sumiu da política depois de ter seu nome envolvido no escândalo do Orçamento (1993), Valdomiro Meger (PFL-PR), cassado por "pianismo", Talvane Albuquerque (PFL-AL), acusado de ser mandante de assassinato, e Hildebrando Pascoal (PFL-AC), acusado de chefiar o crime organizado em seu Estado.
O PFL -cuja face mais visível é a truculência do senador Antonio Carlos Magalhães- ultraja a inteligência dos cidadãos comuns ao omitir de sua propaganda na TV a lista negra dos bandidos que já abrigou, a lista de suspeitos que ainda abriga. Subverte o discurso da informação, ilude, engana. Inocente?
O sentimento de culpa não é desonra nem degeneração, dizia o filósofo, mas sim expressão da inviolável dignidade da pessoa humana e de uma consciência superior e delicada. Só os homens de caráter admitem sua culpa e seriam capazes de afirmar, como fez Graciliano Ramos, numa das frases mais admiráveis de nossa literatura: "a culpa foi minha, ou antes, a culpa foi dessa vida agreste, que me deu uma alma agreste". Culpados, todos culpados.


E-mail mfelinto@uol.com.br



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