|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Sou inocente, sou inocente, sou inocente..."
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
É bom ver os inimigos tombarem um a um, feito moscas surpreendidas por uma nuvem de inseticida. É bom ver na TV os inimigos da sociedade chorando e
tartamudeando ao serem interrogados, acusados, presos. É como se
a Justiça funcionasse, fosse vingar
o crime.
As CPIs são como uma catarse
para os cidadãos comuns e nada
espertos -os que não roubam,
não matam, seguem à risca as leis,
pagam impostos e multas, cumprem (como idiotas?) seus deveres
e obrigações.
O escândalo é tão grande -da
evasão fiscal organizada, do crime organizado, do narcotráfico,
da máfia dos Detrans, da corrupção, das máfias da propina, da
máfia do Judiciário, da máfia dos
bancos etc. -que a pessoa se sente idiota de agir sempre dentro
das regras, sempre de cabeça baixa para as normas.
Por outro lado, a coisa tem esse
efeito moral e purificador: as
CPIs, ainda que não dêem em nada, são o momento de desforra do
cidadão calado, cumpridor e sem
poder. Impressionam as cenas de
homens barbados chorando, em
desespero. Foi o caso do despachante Norival Barbosa, o Índio,
que chorava feito um bebê na semana passada, ao dar um depoimento ao Ministério Público de
São Paulo. Ele foi preso sob suspeita de centralizar o esquema de
fraudes no Detran.
Foi também o caso do deputado
cassado José Gerardo de Abreu
(expulso do PPB-MA, partido do
suspeito Paulo Maluf, a que também pertencia Celso Pitta, prefeito
da administração-catástrofe que
se abate sobre a capital de São
Paulo, e de dezenas de cassados
por suspeitas de crimes diversos
nos últimos anos). O deputado José Gerardo, que teria tentado o
suicídio, apareceu domingo na
TV algemado, dizendo aos quatro
cantos: "sou inocente, sou inocente, sou inocente...".
Inocente também se julga o
PFL, que tem posto na TV a figura
de uma mocinha casta para dizer
que está numa cruzada pela ética
e pela moral, e que é o partido que
"faz a história". Que história, que
ética? Dos quadros do PFL (só para não deixar morrer a lembrança) constam nesta década nomes
de dezenas de políticos suspeitos
de corrupção e outros crimes gravíssimos. Entre eles, Ricardo Fiúza, ex-deputado do PFL que sumiu da política depois de ter seu
nome envolvido no escândalo do
Orçamento (1993), Valdomiro
Meger (PFL-PR), cassado por
"pianismo", Talvane Albuquerque (PFL-AL), acusado de ser
mandante de assassinato, e Hildebrando Pascoal (PFL-AC), acusado de chefiar o crime organizado em seu Estado.
O PFL -cuja face mais visível é
a truculência do senador Antonio
Carlos Magalhães- ultraja a inteligência dos cidadãos comuns
ao omitir de sua propaganda na
TV a lista negra dos bandidos que
já abrigou, a lista de suspeitos que
ainda abriga. Subverte o discurso
da informação, ilude, engana.
Inocente?
O sentimento de culpa não é desonra nem degeneração, dizia o
filósofo, mas sim expressão da inviolável dignidade da pessoa humana e de uma consciência superior e delicada. Só os homens de
caráter admitem sua culpa e seriam capazes de afirmar, como fez
Graciliano Ramos, numa das frases mais admiráveis de nossa literatura: "a culpa foi minha, ou antes, a culpa foi dessa vida agreste,
que me deu uma alma agreste".
Culpados, todos culpados.
E-mail mfelinto@uol.com.br
Texto Anterior: SP registra 3,2 resgates por mês contra 2,6 em 98 Próximo Texto: Máfia das multas: Fazenda investiga desbloqueio de IPVA Índice
|