São Paulo, quinta-feira, 30 de dezembro de 2004

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DIREÇÃO PERIGOSA

Ocorrências sobem 9% em rodovias de SP em 2004 e feridos crescem 7%; mortes na Tamoios vão de 16 para 38

Acidentes batem recorde nas estradas

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Saímos de Paraty (RJ) umas 20h em direção à serra de Taubaté (SP). Quando estávamos subindo a serra, ele estava correndo um pouquinho a mais do que deveria naquela estrada e fiquei com um pouco de medo. O Paulo, que estava dirigindo, perdeu o controle do carro e ele caiu a uns 15 metros, capotando numa curva nessa serra que chama "curva da morte"."
O relato da publicitária Mara Gabrilli, 37, é do acidente que a deixou tetraplégica, ocorrido em agosto de 1994, numa das rodovias que levam ao litoral norte.
Gabrilli ficou 22 dias na UTI. Demorou sete anos para voltar a viajar com alguém numa estrada. Conseguiu neste ano a suplência de uma vaga na Câmara Municipal de São Paulo e foi anunciada ontem como titular de uma pasta voltada a portadores de deficiência na gestão José Serra (PSDB).
2004 marca dez anos do acidente de Gabrilli, dez anos da implantação dos primeiros radares fotográficos de controle da velocidade no Brasil, seis anos da implantação do novo código de trânsito.
Mas também ficará registrado por uma nova escalada de violência na malha rodoviária estadual de São Paulo, superior a 20 mil km, num ano em que a OMS (Organização Mundial da Saúde) elegeu a segurança viária como tema de sua campanha mundial.
As estatísticas computadas pelo DER (Departamento de Estradas de Rodagem) de janeiro a novembro de 2004 apontam a alta de 9,3% nos acidentes, 7,4% nos feridos e 3% nas mortes, na comparação com 2003. Mantida a tendência neste mês, será recorde de acidentes e feridos em dez anos.
Traduzidos em números, esses indicadores significam 16 novos acidentes por dia, praticamente sete novos feridos por dia e mais de uma nova morte a cada semana em relação ao ano anterior.

Acesso às praias
O problema tem se revelado ainda maior nas estradas que serão os principais destinos dos turistas: as que dão acesso às praias paulistas. No sistema sob responsabilidade da Ecovias (Imigrantes/Anchieta/Padre Manoel da Nóbrega/Cônego Domênico Rangoni), que leva ao litoral sul e por onde passam mais de 1 milhão de veículos entre as festas de Natal e Réveillon, os acidentes até novembro já saltaram 19%, os feridos, 23%, e as mortes, 8%.
Entre as que levam ao litoral norte, as mortes mais que dobraram na Tamoios -de 16 para 38. Na Mogi-Bertioga, além da alta de 9 para 13 nas mortes, os feridos saltaram 42%. No trecho estadual da Rio-Santos, os feridos subiram 18% -e já são quase seis por dia. A exceção é a Oswaldo Cruz, onde Gabrilli se acidentou, com uma queda simbólica nas mortes (de 14 para 13) e de 29% nos feridos.
São diversas as explicações para a nova escalada de violência no trânsito, após uma contenção parcial dos principais indicadores a partir de 1998, quando as regras do novo código passaram a valer.
Uma delas é a crescente circulação de motos nas rodovias -a quantidade mais que triplicou nos últimos anos naquelas que foram concedidas pelo governo do Estado, onde não há cobrança de pedágio para esse tipo de veículo.
Os dados na malha da Ecovias apontam que, até novembro de 2004, já houve 829 acidentes e 21 mortes de motociclistas, alta de 47% e de 62% em relação a 2003.
"A maioria é de baixa cilindradas e não tem potência boa para uma rodovia", afirma Fábio Ortega, engenheiro da concessionária.
Outro fator pode estar ligado à própria melhoria tanto das condições da via como dos veículos, num dilema que desafia os técnicos. "Quanto mais segurança tem, mais os motoristas entendem que podem correr riscos", afirma Laurindo Junqueira, ex-secretário dos Transportes de Santos e de Campinas, citando Gerald Wilde, um pesquisador holandês.
Wilde desenvolveu a teoria "homeostase de risco", pela qual os indivíduos maximizam seus níveis de risco para se sobressair numa atividade. Ou seja, um condutor acostumado a andar a 90 km/h tende a pensar que pode andar a 120 km/h se estiver com um automóvel mais moderno em uma rodovia mais segura, sem buracos.

Relaxados
O resultado é a ocorrência de acidentes que se concentram inclusive em retas e com tempo bom, quando os motoristas estão "mais relaxados", diz José Montal, da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego).
O próprio crescimento da frota -de 4% ao ano- chega a ser citado pelo governo como uma das razões de alta dos indicadores, mas essa comparação é relativizada por técnicos. A razão é: se, por um lado, quanto mais carros, maior a possibilidade de haver algum motorista que se acidente, por outro, um tráfego maior tende a diminuir as velocidades e provocar menos acidentes.
Os atrasos do Estado na difusão de programas de controle da velocidade também são apontados como algo que contribuiu para os novos resultados negativos.
Enquanto as principais capitais e até municípios de médio porte implantavam novos radares fotográficos ainda no final da década passada, as rodovias paulistas sob comando do DER começaram a expandir os radares recentemente, sob a alegação de "problemas orçamentários". Só em outubro 30 novos aparelhos passaram a funcionar, somando-se a outros 18, em operação desde abril.


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