|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Para pastor, o culpado é o demônio
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O pastor evangélico Valdir Lins
de Oliveira, 55, da Assembléia de
Deus, teve ontem a sensação de
estar sonhando acordado. Mais
estranho ainda, era que o tal "sonho ruim" passava na TV: ele
mostrava Fernando Dutra Pinto,
22, na casa de Silvio Santos. "Isso
tudo não pode ser verdade. Parece um sonho ruim. Era um menino muito bom."
O pastor tem duas explicações
para a repentina guinada de Fernando: uma espiritual e outra material. "O demônio trabalhou a cabeça dele de forma estupenda",
afirma, referindo-se ao embate
travado no mundo das almas.
Já no mundo terreno, ele diz que
só consegue imaginar uma possibilidade para a mudança: "Foram
as más companhias".
O pastor não é o único integrante da Assembléia de Deus de Barueri (Grande São Paulo) que se
diz "chocado" com o que classifica de a "perdição de Fernando":
"Foi um susto para todo mundo",
conta R., amigo do sequestrador
por três anos que prefere não ter
seu nome divulgado. "Ele tinha
uma ótima personalidade."
O porteiro desempregado Edilson Almeida Santos, 28, que conviveu com Fernando entre 1995 e
1997, quando este abandonou a
igreja, o descreve como um evangélico muito empenhado: "Ele era
muito ocupado com as atividades
da igreja. Tão ocupado que nem
namorada tinha. Distribuía 2.000,
3.000 folhetos por dia no trem que
vai de Itapevi para a Júlio Prestes".
Na igreja do Jardim Rosimeire,
em Itapevi, Fernando fazia parte
da liderança de jovens, que reúne
os adolescentes mais ativos, e do
coral gospel. "Ele gostava muito
de pregar o Evangelho para quem
não era evangélico", disse R.
O fervor evangélico de Fernando vinha da própria família: o pai,
o motorista particular Antonio
Sebastião Pinto, é presbítero, cargo logo abaixo ao de pastor na
hierarquia da Assembléia de
Deus. Como presbítero, ele é autorizado a fazer batismos, casamentos e ungir doentes com azeite, na chamada benção apostólica.
Fernando nunca teve problemas de conduta, segundo José
Balduíno Silva, 47, que foi regente
do sequestrador por cerca de dois
anos num coral gospel. A única
ressalva sobre Fernando, que gostava de ouvir raps dos Racionais
MCs em volume alto, é de caráter
musical: "Ele desafinava", conta.
Fernando guardava resquícios
da formação evangélica até as últimas semanas, segundo seus vizinhos da Vila Progresso, na zona
leste de São Paulo, para onde se
mudou em junho. Numa área em
que todo mundo é chamado de
"mano", "tá ligado", ele era uma
ave rara por não usar gírias.
Por tudo isso, "está todo mundo
abismado", como diz o regente
Silva, com a conversão do ex-evangélico em sequestrador e matador de dois policiais. R. é o único que prefere ver razões terrenas,
e não espirituais, para a guinada:
"Não tem nada de demônio, não.
É safadeza mesmo".
Texto Anterior: Fernando estar vivo é vitória, diz pai Próximo Texto: Ação desperta a simpatia de vizinhos Índice
|