São Paulo, Domingo, 31 de Outubro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O JEITINHO
Unidade está sem médico há pelo menos um ano, e internos armam fuga em hospital
Adolescente de Ribeirão finge estar doente para escapar

LUÍS EBLAK
Editor-assistente da Folha Ribeirão

LUCIANA CAVALINI
ANGELO SASTRE
da Folha Ribeirão

Um esquema sistemático aplicado pelos menores da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) de Ribeirão Preto já resultou na fuga de pelo menos 80 internos desde o início de 99.
Os jovens fingem estar doentes e pedem aos funcionários para serem levados a um PS (pronto-socorro). No meio do caminho, com ajuda ou não de um colega que sabe do plano, o interno foge.
Segundo apurou a Folha, a Febem de Ribeirão Preto está sem médico há pelo menos um ano. Assim, a unidade acaba tendo de liberar o adolescente para ir ao pronto-socorro. Geralmente, apenas um funcionário acompanha o menor até o PS.
O menino provoca um conflito com o monitor num momento propício -quando chega ao PS, por exemplo- e escapa.
A Folha ouviu seis servidores da unidade da Febem de Ribeirão Preto e todos confirmaram a existência da estratégia desde janeiro. Um deles diz que isso ocorre pelo menos duas vezes por semana.
Os funcionários afirmam que os internos "dominam a unidade", pois a direção não consegue controlar a situação. Segundo eles, os menores "enquadram" (ameaçam) os monitores, impedindo-os de reagir às ações.
"Eles dominam aqui. Ameaçam nossa família, dizem que sabem onde moramos. O que fazer?", diz Roque, um dos monitores.
Nos últimos 12 dias foram registradas duas grandes confusões na unidade, totalizando 102 menores que fugiram e a primeira morte de interno nos últimos dez anos.
Roque diz que a direção faz vista grossa à estratégia do PS porque tem interesse que menores perigosos escapem da unidade.
O registro de boletim de ocorrência relatando fugas de internos causa divergência na Febem.
A assessora da presidência da Febem Myrian Gomes da Silva afirma que não há casos de fuga sem registro. "Com toda certeza, os casos são registrados. Existe um boletim de ocorrência, uma informação oficial", diz.
Segundo a assessora, a falta de registro não pode acontecer porque a unidade tem que comunicar a Vara da Infância e da Juventude.
Por outro lado, o diretor da unidade de Ribeirão Preto, Pedro Moisés, confirma a existência de casos de fuga durante o atendimento médico. "Fuga desse tipo não ocorre com tanta frequência. No máximo é uma por mês", diz.
A respeito da falta de boletins de ocorrências, o diretor diz que não existe nenhuma orientação que proíba o registro do caso na polícia. "Os boletins de ocorrência só são feitos quando existe violência. Caso contrário, as fugas são descritas em relatórios internos."

Caso
A Folha descobriu que, no dia 27 deste mês, L.G.R.G., 17, escapou da unidade de Ribeirão utilizando o mesmo esquema PS, duas horas antes da última grande fuga, quando 49 fugiram.
Após ser informado sobre o fato, a direção da Febem confirmou a fuga. A polícia diz que não é obrigatório o registro, mas a promotoria e a Febem de São Paulo pedem que ele seja feito.


Texto Anterior: Mãe de interno se acha "omissa"
Próximo Texto: Iniciativa privada esquece projeto
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.