São Paulo, Domingo, 31 de Outubro de 1999
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RETORNO
Primeira-dama diz ser contra Pagura, Meinberg e Alda Marco Antonio e que participará do secretariado do marido
Nicéa quer voltar e derrubar 3 secretários

MALU GASPAR
de Nova York

Ela conseguiu se conter por três meses, período em que se afastou do marido e evitou dar declarações à imprensa. Mas na última sexta-feira, enquanto se prepara para voltar ao país e para a administração Celso Pitta, a primeira-dama de São Paulo decidiu falar.
Em entrevista à Folha, no campus da Universidade Columbia, onde faz curso de inglês, Nicéa disse que planeja voltar ao governo Celso Pitta como membro do secretariado. Afirmou também que planeja ser candidata a cargo eletivo, mas que, primeiro, vai fazer campanha para a reeleição do marido, de quem nega ter pensado em se separar. "Nos falamos todos os dias", ressalta.
Nicéa, que mora com a filha, Roberta, num apartamento "pequenininho" no Queens, subúrbio de Nova York, garante que a vinda para a cidade para fazer um curso de inglês já estava planejada antes dos boatos de separação.
A primeira-dama diz que quis fazer o curso para "aprender um inglês mais técnico", para poder pleitear financiamento da ONU (Organização das Nações Unidas) para seus projetos sociais.
Mas uma úlcera provocada pelo estresse com as denúncias de corrupção na administração municipal foi, segundo ela, o principal motivo para a viagem. "Os remédios não faziam mais efeito e eu não dormia mais."
Nos EUA, ela adotou lentes de contato azuis e cabelo mais comprido, o que a deixou livre das escovas e do laquê dos cabeleireiros. Disse também que ganhou fôlego e inspiração para fazer a campanha do marido e para planejar a própria carreira política. Para começar, sai atirando no secretariado de Pitta, nos vereadores paulistanos e no ex-prefeito Paulo Maluf, seu inimigo preferido desde que ele e Pitta romperam relações. "Se ele fizesse as pazes com o Maluf, aí sim haveria uma separação", afirma Nicéa, que deve se encontrar com o prefeito no próximo final de semana, na maratona de Nova York.

Folha - Por que a senhora veio para Nova York?
Nicéa Pitta -
Foi por causa desse problema de saúde. Eu acho que só quem não tem mais respeito por si próprio é que tem cara-de-pau para suportar todas essas calúnias e difamações sem adoecer. Porque eu gosto de mim, da pessoa que eu sou, e o poder não me faz a cabeça. O que eu gosto é de atender as pessoas. Eu quero ficar em paz comigo, não com as pessoas que falam de mim.

Folha - Mas a senhora e o seu marido são pessoas públicas e o seu marido tem um cargo eletivo. É natural que procurem saber se vocês estão agindo com correção.
Nicéa -
Mas eu acho que as pessoas devem procurar falar a verdade sobre as outras. Agora, calúnia, não, entende? Por exemplo, dizer que eu estava dançando numa discoteca (referência à nota publicada pela colunista Joyce Pascowitch, da Folha, na última quinta-feira). Eu sou uma mulher casada. E poderia estar com casais amigos e com a minha filha, mas não é verdade. Até porque acordo muito cedo e tenho de aproveitar o curso, que não é barato.

Folha -E quem está pagando o curso? O seu marido está com os bens indisponíveis.
Nicéa -
Eu tive muita sorte de ter alguém que pagasse para mim. Eu estou fazendo esse curso com a ajuda da minha família. Porque eles não querem me ver acabando com a minha saúde, eles sabem o quanto sofro. A maior calúnia é dizer que eu vendi frango para a prefeitura. Eu fui corretora a vida inteira e nunca nenhum cliente soube quem meu marido era. Eu paguei um preço muito alto por ser uma pessoa pública. Mas eu faria tudo de novo. Eu tenho que cumprir a minha missão, que é fazer um bom trabalho social.

Folha - E a sua filha, volta para o Brasil?
Nicéa -
Ela não volta mais. Foi muita perseguição na faculdade. Você imagina, darem aula sobre precatório! Para que humilhar a menina? Sabe, as pessoas não têm idéia do que é isso para uma família. Quem me ajudou muito a suportar tudo isso foi aquele cachorro, o Pipoca. Porque ele me dava tanta alegria e tanto amor, sem cobrar nada... Meu marido, coitado, eu tinha de ser forte para ele.

Folha - Mas afinal, então, nunca houve a idéia de separação entre a senhora e o prefeito Celso Pitta?
Nicéa -
Não, nunca houve.

Folha - A senhora não brigou com ele por causa da escolha da presidente do Casa (Centro de Apoio Social e Atendimento)?
Nicéa -
O que houve é que o Meinberg (o secretário de Governo, Augusto Meinberg) tinha indicado uma presidente e chegaram denúncias a mim de que ela havia cometido irregularidades. Eu pedi para o Celso substituir, e ele substituiu por essa. Que não tinha problema nenhum.

Folha - E essas irregularidades que a senhora descobriu, quais eram? O que foi feito?
Nicéa -
Eu encerrei, não permito essas coisas. Eu passei um bom período apagando incêndio dentro do Casa.


"E pode publicar aí: se acontecer alguma coisa comigo, pode ter certeza de que não foi acidente. Eu sofri ameaças de morte. Porque eu falo"


Folha - E o que estava errado?
Nicéa -
Havia muita coisa errada, muita mesmo. Mas é difícil eu enumerar aqui, até por causa da minha segurança. Eu confesso que tenho medo. E pode publicar aí: se acontecer alguma coisa comigo, pode ter certeza de que não foi acidente. Eu sofri ameaças de morte. Porque eu falo.

Folha - Mas o que a senhora estava planejando falar?
Nicéa -
É que eles (os aliados do prefeito) achavam que eu era uma pessoa não política e falavam para o meu marido "ela é muito transparente".

Folha - E a senhora quer fazer carreira na política?
Nicéa -
Eu sou política desde que nasci. Agora, é preciso ser político e continuar sendo o que você é. Aí está a minha diferença com esses políticos. Tenho certeza de que eu incomodei, de que ocupei muito espaço. Chegaram a dizer até que eu seria candidata a vereadora. Eu não tenho talento para estar numa Câmara, dizendo "pela ordem, senhor presidente". Não tenho.

Folha - Mas a senhora quer ser candidata a algum cargo?
Nicéa -
No futuro eu pretendo ser. Eu não pretendia, mas agora, aqui, vendo essa experiência da Hillary (primeira-dama norte-americana), nesse período em que estou preocupada com os problemas sociais, fico pensando: só sendo uma política, não uma primeira-dama. Porque como primeira-dama é muito restrito, eu preciso ter um cargo político de fato.

Folha -E qual seria o cargo ideal para a senhora?
Nicéa -
Eu iria para o Senado e futuramente para a prefeitura. Adoraria administrar uma cidade como São Paulo. Tenho certeza de que vou deixar a cidade linda. Durante essa administração eu aprendi muito.

Folha - O que a senhora vai fazer ainda nessa administração?
Nicéa -
Por exemplo, acompanhar mais de perto as reformas municipais. Porque você tem de respeitar o dinheiro público. Porque faz-se uma licitação, a empresa chega lá e coloca qualquer material e fica por isso mesmo. E normalmente ninguém reclama porque futuramente ele vai ser patrocinador de um político.

Folha - Mas a campanha do seu marido foi financiada por grandes empresas.
Nicéa -
Mas na própria campanha eu já criticava isso. Porque na nossa campanha o material era muito escasso. E para conseguir camisetas, era uma guerra. E eu dizia, não preciso disso. Eu vou fazer carreata e falar direto com a população.

Folha - E como a senhora faria a sua campanha, então?
Nicéa -
Eu não vou depender de grandes empresas para uma campanha, e acho que é viável. A melhor forma de conquistar um eleitor não é o dinheiro. O povo mudou, mas a classe política continua muito antiquada.

Folha - E a campanha para a reeleição de Pitta, como vai ser?
Nicéa -
A melhor campanha é administrar perto do povo. Nenhum eleitor do meu marido deixou de ser atendido por mim. Então, o povo brasileiro já me conhece. A população brasileira carente me conhece bem, não tenho dúvida.

Folha - E a senhora já tem filiação partidária para as eleições?
Nicéa -
Tenho, mas é segredo. Ainda é segredo.

Folha - É o PTN?
Nicéa -
Não, não é o mesmo do prefeito. Esse partido dele é uma experiência.

Folha - A senhora acha que ele fez uma má opção?
Nicéa -
Olha, nesse período eu já não estava mais lá.

Folha - E ele a consultou?
Nicéa -
Sim, mas eu conhecia muito pouco esse partido.

Folha - Na sua opinião, o que ele deve fazer até a campanha?
Nicéa -
Acho que ele deve melhorar bastante o secretariado dele. O Meinberg, por exemplo. Eu falo isso para o Celso, e o Celso diz assim: "O pior é que você acerta sempre".

Folha - Mas o secretário é poderoso no governo Pitta.
Nicéa -
Não, não é não.

Folha - Foi ele quem fez as articulações na Câmara pelo final da CPI (da máfia da propina).
Nicéa -
Mas, olha, para negociar com os vereadores não precisa ser nenhum gênio. Até porque também não tem nenhum gênio na Câmara.


"Aquilo (a Câmara) é a "Escolinha do Professor Raimundo". Que direito eles têm de atrapalhar o desenvolvimento de um país?"

Folha - E quais são os membros do secretariado que a senhora acha que deveriam sair?
Nicéa -
Eu sou contra o Meinberg, sou contra o (Jorge) Pagura. Eu o acho um péssimo secretário da Saúde. Ele é uma estrela, gosta de aparecer, mais nada. Tanto que, se ele fosse melhor, a situação da saúde na cidade já estava resolvida. Então, o Meinberg, a Alda Marco Antonio, o Pagura. E se ele conseguir... Porque o Celso me ouve muito, mas eu digo "olha, não quero me responsabilizar por nada", eu não quero criar problema para ele. Ele tem de fazer no momento certo dele.

Folha - Mas sem o Meinberg o prefeito pode perder o apoio do PMDB, são 12 vereadores.
Nicéa -
Vereadores? Que poder eles têm? A melhor maneira de fazer um vereador votar é colocar a população para fazer movimento. Aquilo é a "Escolinha do Professor Raimundo". Que direito eles têm de atrapalhar o desenvolvimento de um país?

Folha - A ex-prefeita Erundina, por exemplo, teve dificuldades para governar sem maioria.
Nicéa -
Mas ela fez um bom governo. Quem atrapalhou a Erundina foi o PT. E, se não for meu marido, eu prefiro que seja ela.

Folha - E a Marta Suplicy, o que a senhora acha dela?
Nicéa -
Não me sinto segura com a Marta, ela é elitizada.

Folha -E o que a senhora vai fazer a partir de agora? A senhora volta para o Casa?
Nicéa -
Vou para uma secretaria.

Folha - Isso já foi combinado com o prefeito?
Nicéa -
Já. Eu fico preocupada porque essa perseguição ao Celso faz com que gente séria fique insegura de participar do governo dele. E isso faz com que pessoas como o Pagura e o Meinberg se aproximem, e ele fique na mão dessas pessoas. E eu peço para as pessoas que não se intimidem, que venham participar. Porque eu acho que valeu a pena, mesmo que eu tenha ficado doente.

Folha - Para que secretaria a senhora vai?
Nicéa -
Vamos ver. Para qualquer área, estou preparada.

Folha - E quem a apóia no seu projeto de candidatura?
Nicéa -
Olha, nós tivemos uma grande perda que foi o Calim Eid, que também foi uma pessoa bastante perseguida. Fizeram muita maldade com ele. Chegaram a dizer que nós brigamos, eu nunca briguei com Calim Eid. Foi ele que fez com que o Maluf colocasse a gente para ser candidato, porque o Maluf não queria. E não é verdade que ele queria convencer o Celso a voltar a ter uma relação com Paulo Maluf. Ele dizia assim: "Fez muito bem, o Paulo Maluf é isso mesmo. Isso é Maluf".

Folha - O rompimento dos dois não era jogo de cena?
Nicéa -
Não, eles estão brigados mesmo. E, se o Celso voltar a se relacionar com Paulo Maluf, aí sim haverá uma separação. Isso eu falei para ele.

Folha - O seu novo partido poderia ser o PSDB?
Nicéa -
Eu gosto muito do PSDB. Tenho uma admiração muito grande pelo Mário Covas, dona Lila, dona Ruth Cardoso, pelo presidente Fernando Henrique. Eu acho que ele é o homem certo para o país. Eu tenho certeza que o povo acertou com Fernando Henrique e com o Covas. Mas eu preferia deixar em aberto.

Folha - Mesmo com a crise de popularidade do seu marido e do presidente, a senhora acha que estão no caminho certo?
Nicéa -
Eu não acredito em pesquisas, elas são manipuladas.

Folha - Qual seria seu lugar no cenário político?
Nicéa -
Mais para o lado do PSDB. Eu sempre fui PSDB.

Folha - No lugar de Pitta, a senhora não teria ido para o PTN?
Nicéa -
Não, não teria.

Folha - Quem são seus conselheiros políticos hoje?
Nicéa -
Deus. Eu converso muito com Deus. E a experiência. A gente aprende muito com a experiência.


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