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OPINIÃO
Mulheres e direitos humanos
FLÁVIA PIOVESAN
e SILVIA PIMENTEL
O aniversário dos 50 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos, no último dia 10 de dezembro, suscita um balanço dos
desafios e das perspectivas para a
proteção dos direitos humanos.
Se a barbárie e as atrocidades da
Segunda Guerra significaram a
ruptura com os direitos humanos,
a declaração haveria de significar o
marco para a sua reconstrução.
Ela introduz a concepção contemporânea de direitos humanos, caracterizada pela universalidade e
indivisibilidade. Universalidade
porque clama pela extensão universal desses direitos, sob a crença
de que a condição de pessoa é o
requisito único para sua dignidade
e titularidade. Indivisibilidade
porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a
observância dos direitos sociais,
econômicos e culturais, e vice-versa. Quando um deles é violado, os
demais também o são. Os direitos
humanos compõem, assim, uma
unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada.
Ao longo desses 50 anos, observa-se que a universalidade dos direitos humanos tem como maior
desafio o padrão discriminatório
que impede o pleno exercício de
direitos em razão da pertinência a
determinados gênero, raça, etnia e
outros critérios. Como exemplo,
cabe lembrar os conflitos étnicos
que marcaram os genocídios da
Bósnia e de Ruanda, na década de
90, ou a discriminação sofrida por
mulheres no Afeganistão, imposta
pelo grupo extremista Taleban.
Esses casos refletem a lógica da intolerância, que viola o direito à diferença, o que, por sua vez, obsta a
extensão universal da cidadania.
Quanto à indivisibilidade dos direitos humanos, o maior desafio
contemporâneo atém-se à efetivação dos direitos sociais em face da
globalização, pautada por políticas neoliberais, que impõem a redução dos gastos públicos em prol
da austeridade econômica. A grave afronta aos direitos sociais básicos afeta a observância dos direitos civis, sendo que o processo de
exclusão tem como alvo preferencial os grupos socialmente mais
vulneráveis -o que exige seja esse
processo compreendido sob o enfoque de raça, gênero, etnia e idade, dentre outros critérios.
Para responder a esses desafios,
o Comitê Latino-Americano e do
Caribe para a Defesa dos Direitos
da Mulher apresentou em sessão
da ONU, no último dia 10, o documento "Declaração dos Direitos
Humanos desde uma Perspectiva
de Gênero", como contribuição
do movimento de mulheres ao 50º
aniversário da declaração.
A proposta é estruturada em cinco importantes eixos: 1) direitos
de identidade e cidadania; 2) direito à paz e a uma vida livre de violência; 3) direitos sexuais e reprodutivos; 4) direito ao desenvolvimento; e 5) direitos ambientais. O
objetivo central é estimular o debate da universalidade e da indivisibilidade dos direitos humanos, a
partir do enfoque de gênero e das
transformações históricas ocorridas nos últimos 50 anos.
Propõe-se que seja ampliada a
indivisibilidade dos direitos humanos, com o reforço da imperatividade dos direitos sociais, econômicos e culturais, sob o lema de
um desenvolvimento sustentável,
que observe os direitos ambientais. Propõe-se também que seja
repensada a universalidade dos direitos humanos, com ênfase nos
direitos de identidade e cidadania
e a uma vida livre de violência
(tanto na esfera pública como na
privada), bem como nos direitos
sexuais e reprodutivos. Todas essas pautas são essenciais à plenitude dos direitos humanos, sob a
perspectiva de uma relação de
equidade entre os gêneros.
O documento traduz sobretudo
a crença de que os direitos humanos constituem a plataforma
emancipatória contemporânea,
simbolizando a busca de inclusão
ante o processo de exclusão social,
em prol da revitalização e do resgate da dignidade humana.
Flávia Piovesan, 30, procuradora do Estado e
doutora em direito constitucional, é coordenadora do grupo de trabalho de direitos humanos
da Procuradoria Geral do Estado (SP), professora
de direito constitucional da PUC-SP e membro
do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a
Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem-Brasil).
Silvia Pimentel, 58, advogada, é professora de
filosofia do direito na PUC-SP e coordenadora
nacional do Cladem-Brasil.
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