São Paulo, quinta, 31 de dezembro de 1998

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Nos EUA, polícia pode obrigar preso a comer

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

Greves de fome têm sido usadas há séculos como forma de protesto e instrumento de desobediência civil. Mas, em alguns países, como os EUA, sem grande eficiência.
O suicídio é proibido pelas leis norte-americanas. Embora a sua ilegalidade seja inócua no caso de êxito do suicida, ela tem efeitos práticos em greves de fome.
Quando autoridades médicas constatam que o grevista corre risco de vida, a polícia pode prendê-lo e o forçar a se alimentar.
O governo dos EUA recomenda a todos os responsáveis por presídios no país que cheguem até o recurso da gastrostomia (procedimento cirúrgico de formação de fístula gástrica ÄcanalÄ para introduzir alimentos no estômago) para manter o grevista vivo.
É raro que se chegue a tal ponto, inclusive porque muitos médicos se recusam a agir assim.
Em outubro de 1975, a 29ª Assembléia Médica Mundial aprovou a Convenção de Tóquio, que no seu artigo 5º afirma: "Quando o prisioneiro recusa alimentação e é considerado, por médico, capaz de avaliação racional das consequências de sua recusa, ele não deve ser alimentado artificialmente".
No Brasil, o Código Penal não menciona o suicídio como crime. O artigo 122 proíbe o auxílio ou instigação ao suicídio, e o artigo 135 prevê penas para omissão de socorro. Mas deixar de alimentar uma pessoa em greve de fome dificilmente se encaixaria na definição de omissão de socorro.
Não é só por razões legais que greves de fome não funcionam muito nos EUA. A cultura nacional não valoriza martírio auto-infligido. Muitos consideram a greve de fome uma forma de coação, um tipo de "terrorismo moral".
Mesmo assim, o recurso à greve de fome tem sido utilizado com frequência no país. É raro, no entanto, que essas greves se estendam por mais de duas semanas.
A greve de fome se popularizou como método de pressão política no século 20, primeiro no Reino Unido, onde diversas líderes feministas a utilizaram para luta pelo direito de voto para as mulheres.
Depois, Mohandas Gandhi (1869-1948), na Índia, se valeu de longos períodos de greve de fome (o maior deles em 1932) para protestar contra o domínio britânico.
Durante a Guerra do Vietnã, a greve de fome foi usada por opositores da presença militar norte-americana no sudeste da Ásia.
Os casos recentes mais dramáticos de greve de fome ocorreram na Irlanda do Norte e na Turquia.
Em 1981, dez líderes do IRA (Exército Revolucionário Irlandês) morreram após terem se recusado a receber alimentos de 45 a 61 dias. Entre eles, estava Bobby Sands, eleito para o parlamento britânico 26 dias antes de morrer.
A principal reivindicação de Sands e seus colegas era que fossem considerados prisioneiros políticos pelo governo britânico.
A então primeira-ministra Margaret Thatcher não cedeu à pressão internacional para que atendesse às exigências do IRA.
Ela argumentava que não desejava "encorajar a chantagem e o apoio ao terrorismo". Os prisioneiros que substituíram os mortos na greve encerraram-na em setembro, seis meses após seu início.
Em 1996, 12 integrantes do Partido dos Trabalhadores do Curdistão morreram após período de 51 a 67 dias de greve de fome.
Eles protestavam contra o regime de isolamento que lhes havia sido imposto pelo governo da Turquia. Suas reivindicações (as principais eram o direito de conviver com seus colegas e tempo de recreação) foram recusadas.
Em março deste ano, após 55 dias de greve de fome de dezenas de outros prisioneiros curdos, o governo da Turquia atendeu às suas principais reivindicações.



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