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OPINIÃO ECONÔMICA
Oportunidade perdida
JOSÉ A. SCHEINKMAN
Para decepção de jornalistas que me procuram, não faço previsões econômicas. Na minha pesquisa acadêmica, busco
descobrir como a economia funciona e acho muito mais interessante compreender como a política monetária afeta o nível de atividade econômica do que prever
a taxa de crescimento de uma
economia.
Mas isso não me impede de examinar previsões de outros e formar uma opinião. Confesso que,
em 2005, tive pelo menos uma
grande surpresa. Como a maioria
dos economistas, imaginei que o
dólar terminaria o ano mais fraco
em relação ao euro e ao iene. Afinal, o déficit em conta corrente
dos Estados Unidos em 2004 já
superava 5% do PIB; por isso, a
desvalorização do dólar no segundo semestre daquele ano não
parecia excessiva.
A conta corrente americana
não melhorou, mas o dólar se valorizou em 2005 diante das moedas dos países avançados. Há
uma série de explicações que são
dadas para esse fenômeno, mas
há um consenso de que o ajustamento da conta corrente americana ainda precisa acontecer. Os
otimistas acreditam que a acomodação vai se dar através da
queda ordenada do dólar, do
maior crescimento dos outros países avançados, da conseqüente
ampliação da demanda por produtos americanos e do aumento
da poupança nos Estados Unidos.
Esse cenário pode ocorrer, mas
um relatório do BIS, a organização que promove a cooperação
entre bancos centrais, contabilizou os 28 episódios desde 1973 em
que a conta corrente deficitária
de um país rico passou por um
ajustamento substancial e duradouro. Todos esses eventos foram
caracterizados por uma depreciação da moeda e, exceto em um caso, houve queda substancial do
crescimento do país em questão,
mas a exceção foi justamente os
Estados Unidos, em 1987.
O bom desempenho da economia americana foi uma razão
importante para o crescimento da
economia global em 2005, que
permitiu a muitos países emergentes superar previsões que já
eram bastante otimistas. A China
deve ter crescido mais de 9%, ante
os 8% previstos ao final de 2004,
enquanto o crescimento indiano
deve também ficar um ponto percentual acima da média das projeções.
O aumento de preços das commodities e a manutenção de taxas de juros de longo prazo moderadas foram também fatores positivos para o nosso crescimento.
Problemas estruturais de longo e
médio prazos -baixo nível de
educação, fraca poupança interna, clima ainda pouco favorável
para negócios e falta de investimentos em infra-estrutura- justificavam previsões relativamente
modestas para o Brasil, mas a política monetária garantiu um resultado ainda inferior às projeções, apesar das condições externas extremamente propícias.
A implementação da agenda
microeconômica do governo continua a melhorar o ambiente de
negócios no país. Um maior controle dos gastos correntes, como
proposto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, abriria
espaço para o aumento de investimentos em infra-estrutura, sem
pressionar a dívida pública. As
taxas de juros absurdas só podem
diminuir. Mas se houver uma
queda acentuada no crescimento
global, impulsionada pela redução do ritmo da economia americana, vai ser muito mais difícil
para o "espetáculo do crescimento" acontecer.
Como não entendemos bem os
mecanismos que determinam o
ajuste da conta corrente ou o que
produz a associação desses ajustes
a quedas no crescimento, é difícil
prever o desempenho da economia americana em 2006. Mas é
provável que, no futuro, 2005 seja
visto como uma grande oportunidade perdida para o Brasil.
José Alexandre Scheinkman, 57, professor de economia na Universidade
Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
E-mail -
jose.scheinkman@gmail.com
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