São Paulo, domingo, 01 de janeiro de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Oportunidade perdida

JOSÉ A. SCHEINKMAN

Para decepção de jornalistas que me procuram, não faço previsões econômicas. Na minha pesquisa acadêmica, busco descobrir como a economia funciona e acho muito mais interessante compreender como a política monetária afeta o nível de atividade econômica do que prever a taxa de crescimento de uma economia.
Mas isso não me impede de examinar previsões de outros e formar uma opinião. Confesso que, em 2005, tive pelo menos uma grande surpresa. Como a maioria dos economistas, imaginei que o dólar terminaria o ano mais fraco em relação ao euro e ao iene. Afinal, o déficit em conta corrente dos Estados Unidos em 2004 já superava 5% do PIB; por isso, a desvalorização do dólar no segundo semestre daquele ano não parecia excessiva.
A conta corrente americana não melhorou, mas o dólar se valorizou em 2005 diante das moedas dos países avançados. Há uma série de explicações que são dadas para esse fenômeno, mas há um consenso de que o ajustamento da conta corrente americana ainda precisa acontecer. Os otimistas acreditam que a acomodação vai se dar através da queda ordenada do dólar, do maior crescimento dos outros países avançados, da conseqüente ampliação da demanda por produtos americanos e do aumento da poupança nos Estados Unidos. Esse cenário pode ocorrer, mas um relatório do BIS, a organização que promove a cooperação entre bancos centrais, contabilizou os 28 episódios desde 1973 em que a conta corrente deficitária de um país rico passou por um ajustamento substancial e duradouro. Todos esses eventos foram caracterizados por uma depreciação da moeda e, exceto em um caso, houve queda substancial do crescimento do país em questão, mas a exceção foi justamente os Estados Unidos, em 1987.
O bom desempenho da economia americana foi uma razão importante para o crescimento da economia global em 2005, que permitiu a muitos países emergentes superar previsões que já eram bastante otimistas. A China deve ter crescido mais de 9%, ante os 8% previstos ao final de 2004, enquanto o crescimento indiano deve também ficar um ponto percentual acima da média das projeções.
O aumento de preços das commodities e a manutenção de taxas de juros de longo prazo moderadas foram também fatores positivos para o nosso crescimento. Problemas estruturais de longo e médio prazos -baixo nível de educação, fraca poupança interna, clima ainda pouco favorável para negócios e falta de investimentos em infra-estrutura- justificavam previsões relativamente modestas para o Brasil, mas a política monetária garantiu um resultado ainda inferior às projeções, apesar das condições externas extremamente propícias.
A implementação da agenda microeconômica do governo continua a melhorar o ambiente de negócios no país. Um maior controle dos gastos correntes, como proposto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, abriria espaço para o aumento de investimentos em infra-estrutura, sem pressionar a dívida pública. As taxas de juros absurdas só podem diminuir. Mas se houver uma queda acentuada no crescimento global, impulsionada pela redução do ritmo da economia americana, vai ser muito mais difícil para o "espetáculo do crescimento" acontecer.
Como não entendemos bem os mecanismos que determinam o ajuste da conta corrente ou o que produz a associação desses ajustes a quedas no crescimento, é difícil prever o desempenho da economia americana em 2006. Mas é provável que, no futuro, 2005 seja visto como uma grande oportunidade perdida para o Brasil.


José Alexandre Scheinkman, 57, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
E-mail -
jose.scheinkman@gmail.com



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