São Paulo, quinta-feira, 01 de fevereiro de 2001 |
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OPINIÃO ECONÔMICA Tecnocratas pró-EUA PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. No último domingo, a Folha publicou extensa reportagem baseada em documentos internos do governo dos EUA, que vazaram para o correspondente deste jornal em Washington, Marcio Aith. O aspecto mais interessante desses documentos é o que diz respeito à formação no Brasil de um quadro de tecnocratas pró-EUA. Em novembro de 1995, o embaixador dos EUA em Brasília enviou para Washington uma avaliação da situação brasileira, que trazia as seguintes observações sobre a relação bilateral entre os EUA e o Brasil: "A nossa relação bilateral melhorou acentuadamente na presidência de Cardoso. (...) As autoridades governamentais brasileiras agora solicitam ativamente os conselhos e a cooperação técnica dos EUA em uma série de temas, incluindo reforma administrativa, regulação de empresas de serviço público e relações trabalhistas. Nossa capacidade de manter o diálogo e oferecer assistência técnica nos trará dividendos de longo prazo por meio da construção de um quadro qualificado de tecnocratas pró-EUA". Transcorridos pouco mais de cinco anos, podemos afirmar que o governo dos EUA tem sido muito bem-sucedido nesse objetivo estratégico. Como disse Celso Furtado, em entrevista ao Conselho Federal de Economia, "o governo brasileiro se deixou domesticar e serve a outros interesses, que não são os do Brasil. O pessoal que manda hoje em nossa economia -no ministério, no Banco Central, no BNDES- veio diretamente dos Estados Unidos para cá e parece ter maior solidariedade com eles do que conosco". Evidentemente, a formação de uma tecnocracia pró-EUA -ou apátrida, para usar uma expressão de Charles de Gaulle- é um processo mais amplo do que sugere o documento do embaixador dos EUA. Começa no âmbito educacional. Estudantes promissores de países subdesenvolvidos, como o Brasil, são levados para universidades nos EUA. Lá são submetidos a rigoroso adestramento. Voltam imbuídos dos valores, conceitos e preconceitos norte-americanos. E de um desprezo mal disfarçado pelo próprio país. A ligação primordial com o estrangeiro é cultivada pelo resto da vida. Muitos desses indivíduos são contratados pelas entidades multilaterais de crédito sediadas em Washington (FMI, Banco Mundial e BID). Outros se empregam em firmas financeiras em Wall Street. Depois voltam ao país para ocupar cargos no governo. Cacifados pela sua experiência governamental, são então chamados a ocupar postos de destaque, bem remunerados, no exterior ou no mercado financeiro local. Dessa maneira, vai se consolidando o controle da área econômica dos governos pelo eixo Wall Street-Washington e suas sucursais locais. A passagem por postos governamentais na área econômica passa a ser vista, em muitos casos, como parte de um plano de carreira de longo prazo. Uma espécie de estágio intermediário para vôos mais altos ou funções mais permanentes. Desde que, é claro, o tecnocrata dance conforme a música. Durante a permanência no governo, a regra dominante é a seguinte: nada fazer que possa desagradar aos mercados financeiros e ao governo dos EUA. Nesse ambiente, o interesse público desaparece ou fica em plano secundário. Repare, leitor, que não se trata necessariamente, ou mesmo primordialmente, de corrupção pura e simples. Em geral, é um processo mais sutil -e mais perigoso para o país. É claro que essa tecnocracia pró-EUA nem sempre consegue fazer o que quer. Num país do porte do Brasil, os contrapesos nacionais são consideráveis. Há uma estrutura empresarial doméstica, sindicatos operários, opinião pública, meios de comunicação. E é preciso disputar eleições periodicamente. Assim, a rendição à "Pax Americana", mesmo nos momentos de auge da tecnocracia pró-EUA, nunca é completa ou totalmente descarada. De qualquer maneira, o ideal é devolver toda essa turma, o mais rápido possível, a sua "pátria espiritual". Paulo Nogueira Batista Jr., 45, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas - SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como ela é ..." (Boitempo Editorial, 2000. E-mail: boitempo@ensino.net. E-mail - pnbjr@attglobal.net Texto Anterior: Análise: Poluição não é culpada pela crise de energia na Califórnia Próximo Texto: Teles: Regra da banda C continua incerta Índice |
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