São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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REVIRAVOLTA

Para Claudio Loser, alta do risco-país de emergentes indica menor euforia

Ex-FMI enxerga fim de "minibolha"

CÍNTIA CARDOSO
DE NOVA YORK

A turbulência que tem causado a elevação do risco-país dos emergentes nos últimos dias é o sintoma do fim da "minibolha" que se formava no mercado.
Inflada principalmente pela baixa taxa básica de juros da economia americana (1%), a bolha começou a murchar diante da possibilidade de aperto da política monetária sinalizada pelo Fed (o banco central dos EUA).
O diagnóstico é oferecido por Claudio Loser, 60, ex-diretor do Fundo Monetário Internacional para o Departamento do Hemisfério Ocidental (1994-2002).
A seguir, a entrevista concedida à Folha por telefone.
 
Folha - A que poderíamos atribuir a turbulência nos mercados emergentes nos últimos dias?
Claudio Loser -
Fundamentalmente, ela tem a ver com o comunicado de Alan Greenspan [presidente do Fed] na última quarta-feira. Ao dar a impressão de que a taxa deve ser elevada, o mercado de ações nos EUA sofreu, o dólar ficou mais forte e houve uma perda de interesse generalizada em ativos dos mercados emergentes. Mas não acredito que nada disso tenha a ver com mudanças nas economias dos emergentes. A análise dos indicadores da América Latina, por exemplo, é muito positiva. Nada mudou. Essas turbulências são causadas por problemas na percepção dos investidores. Eles estão preocupados e em dúvida a respeito da política do Fed. Por isso, se movimentam em direção a ativos americanos.

Folha - Alguns economistas apontavam que essa euforia dos investidores com os emergentes era uma bolha. A interrupção desse entusiasmo poderia ser um sinal de que essa bolha está murchando?
Loser -
Eu não gosto da palavra bolha, mas eu diria que houve uma minibolha. Vimos um aumento forte de movimentos no mercado de ações nos EUA e uma queda sistemática do risco-país. O sintoma principal do encolhimento dessa bolha é a alta do risco-país dos emergentes. Agora, estamos passando por um período de auto-ajuste, mas nada que cause grande preocupação. Não há semelhança entre a situação atual e os eventos de 2002 [grande retração da liquidez mundial] ou de 1998 [após a crise da Rússia].

Folha - Quanto tempo a instabilidade deve durar? O que acontecerá com os emergentes quando o Fed decidir de fato elevar os juros?
Loser -
A médio e longo prazos, vamos ver a melhoria nos mercados emergentes. Hoje [anteontem], vimos indicadores que mostram que a recuperação da economia americana não é tão forte, por isso acho que uma elevação [do Fed] não deve acontecer antes de seis meses. Os mercados já reagiram à possibilidade de o Fed aumentar os juros, por isso as coisas não devem piorar. Quando subirem os juros, deve haver um impacto positivo porque a incerteza a respeito do patamar da nova taxa vai terminar. Mas há outra questão em aberto.

Folha - Qual questão?
Loser -
O problema é se houver uma corrida contra o dólar. O enfraquecimento do dólar e essa situação de déficits fiscal e orçamentário dos EUA poderiam levar a um clima acentuado de desconfiança entre europeus, japoneses e chineses. Eles, então, poderiam começar a retirar os seus investimentos dos EUA de forma mais acelerada, mas ainda não vejo esse cenário. [Uma corrida] levaria a dois movimentos nos emergentes. O primeiro é positivo. Quando o dólar declina, os mercados que estão diretamente vinculados à moeda americana, como Brasil, Argentina e México, ganham mais competitividade na produção. O segundo é negativo. Uma fuga de investidores levaria o Fed a aumentar a taxa de juros nos EUA. Isso tornaria a obtenção de recursos e capitais para essas economias mais cara.

Folha - O sr. acredita no perigo de uma crise mais grave nos emergentes com a interrupção brusca de fluxos de capital para a região?
Loser -
Isso é sempre uma possibilidade, mas é muito pequena. Acredito mais numa diminuição de fluxos para esses mercados, mas nada muito dramático.

Folha - Quais os emergentes que teriam maior blindagem diante de uma situação de menor liquidez?
Loser -
Estou muito otimista com o Brasil, que está claramente numa posição muito boa. Tem uma situação fiscal muito boa e tem uma política monetária que conta com credibilidade. A taxa básica de juros deve cair gradualmente e a economia se mostra muito competitiva. Na Argentina, as coisas devem ir bem se conseguirem resolver o problema das negociações da dívida externa.

Folha - Mas a Ásia ainda continua melhor do que a América Latina...
Loser -
Sim. Os asiáticos, como China, Coréia do Sul e Índia, estão muito bem. A China está crescendo e tentando melhorar o seu sistema financeiro. Em linhas gerais, a América Latina ainda tem que trabalhar muito duro para fazer avançar as reformas estruturais.



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