São Paulo, segunda, 1 de fevereiro de 1999

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MERCADO TENSO
Para o economista, país deve pegar o dinheiro emprestado e desprezar as recomendações feitas pelo Fundo
Sachs prevê colapso se Brasil seguir FMI

CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Davos


A economia brasileira entrará em colapso se o país continuar a seguir a orientação do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Palavra de Jeffrey Sachs, diretor do Instituto para o Desenvolvimento Internacional da Universidade norte-americana de Harvard, que a revista "Time" já batizou de o economista mais importante do mundo.
Sachs dá um conselho maroto ao governo brasileiro sobre o FMI: "Peguem o dinheiro deles, mas desprezem as recomendações".
Sachs não é o único a temer colapso.
A Folha ouviu do vice-presidente mundial de uma gigantesca multinacional de 225 mil empregados a tese de que Fernando Henrique Cardoso tem três dias para baixar o que ele chama de Real-2 e restabelecer a confiança.
Sem isso, a perspectiva de colapso é real, diz o executivo, que pede para não ter o nome citado.
O roteiro para o colapso, segundo Sachs, funciona assim:
1 - O FMI tem recomendado a elevação da taxa de juros, o que o governo vem fazendo.
2 - A elevação dos juros aumenta o custo da dívida interna, que já tem monumental incidência no déficit público (o pagamento dos juros da dívida representa praticamente a totalidade do rombo, posto que há virtual equilíbrio entre receitas e despesas do governo, excluídos os juros).
3 - Os investidores começam a desconfiar que o governo não terá como honrar seus compromissos e passam, preventivamente, a retirar dinheiro do país (um processo, a rigor, já em andamento).
4 - Com isso, fecha-se o círculo, pois o governo é, de fato, obrigado a declarar moratória.
Mas, à margem do conselho maroto, Sachs não vê muito o que fazer na presente situação.
É uma opinião compartilhada por quase todos os economistas com os quais a Folha conversou, durante o 29º encontro anual do Fórum Econômico Mundial.
As exceções mais ruidosas são o ex-ministro argentino da Economia, Domingo Cavallo, e Rudiger Dornbusch, professor de Economia do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusets).
Ambos recomendam a adoção da "currency board" (caixa da moeda), sistema pelo qual a moeda local é atada irreversivelmente ao dólar.
O país fica sem possibilidade de emitir reais, a não ser que entrem dólares na mesma quantidade da emissão pretendida.
Fred Bergsten, diretor do Instituto para a Economia Internacional (EUA), afasta a idéia.
"O sistema pode servir ou para economias pequenas e muito abertas, como Hong-Kong, ou para países que passaram pela hiperinflação e estão dispostos a qualquer coisa para não repetir o trauma, como a Argentina", diz.
Sachs vai além: acha que, pelo efeito da crise brasileira, o modelo argentino estará sob tremenda pressão, talvez irresistível, dentro de mais ou menos seis meses.
Bergsten, em todo caso, acredita que a cotação do dólar acabará retrocedendo.
"Mas pode levar meses, como ocorreu nos países asiáticos vítimas da crise", diz o economista.
Entre os empresários brasileiros presentes ao encontro de Davos, o recuo também é dado como certo, até porque a desvalorização do real ultrapassou de muito a sobrevalorização que havia até a mudança da polícia cambial, dia 13.
Um deles, que prefere reserva sobre seu nome, estava até pensando em fechar uma de suas fábricas, voltada para a exportação, enquanto a cotação do dólar estava em R$ 1,23.
Mas, com o dólar a R$ 1,40, a fábrica voltou a ser plenamente competitiva. Seria esse, portanto, o limite máximo de desvalorização. Com o dólar perto de R$ 2,00, como sexta-feira, está claro o que os economistas chamam de "overshooting" (chutar para cima, na tradução mais adequada).
O problema é que, mesmo que haja recuo, dificilmente o dólar ficará em um suposto ponto de equilíbrio.
Alain Belda, brasileiro que preside a multinacional norte-americana Alcoa, calculava em entre 10% e 15% a desvalorização necessária. Agora, diz que dificilmente ela acabará sendo inferior a 30%. Conseqüência inevitável, também consensual entre economistas: continuará havendo muito "nervosismo", afirma Fred Bergsten.



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