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São Paulo, terça-feira, 01 de julho de 2003

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LUÍS NASSIF

O IGP-M e o câmbio

Antes de acabar com a indexação no IGP-M dos contratos de concessão, vamos a um pequeno exercício de relações causais para tentar chegar ao foco do problema.
Ponto 1 - O capital externo pode ser dividido em três grupos: o capital especulativo, o capital de financiamento de médio prazo e o capital de investimento. A maior fonte de lucro do capital especulativo é a volatilidade cambial; o maior fator de risco do capital de investimento é essa mesma volatilidade cambial. Portanto são bichos diferentes.
Se o valor do real cai pela metade, o lucro remetido pela multinacional que tem receita em reais (ou seja, o capital produtivo) cairá pela metade. O valor do real no momento do investimento é de somenos importância. O que importa é saber se aquele valor será mantido ou não.
Ponto 2 - A política econômica implementada pelo governo FHC valorizou o real, liquidou com os superávits comerciais e deixou o país à mercê de capitais especulativos para fechar a conta. A multinacional olhava o crescimento da dependência externa e relutava em investir no Brasil, com receio de que o câmbio não se sustentasse. Em vez de corrigir a vulnerabilidade cambial, o governo criou uma gambiarra: indexou as tarifas ao IGP-M, o índice que melhor reflete as desvalorizações do câmbio.
Ponto 3 - A indexação em IGP-M reduziu (mas não eliminou) o temor das múlti em investir, mas criou um novo problema: a indexação da economia, que explodiu agora no colo do governo Lula. A cada crise internacional há ataques especulativos contra o Brasil, o dólar sai, seu valor explode, erodindo os lucros do capital de investimento -e engordando os lucros do capital especulativo. O BC é obrigado a elevar os juros para impedir a inflação. Quando a inflação começa a ceder, a indexação dos contratos traz a inflação passada para o presente, realimentando a inflação.
Ponto 4 - Agora, se fala em acabar com a indexação em IGP-M. Mas o ponto central é outro. Sem a indexação dos contratos e sem a garantia de estabilidade cambial, quem vai investir em dólares no país? E, com volatilidade cambial e indexação, quem vai segurar a inflação?
Repare que todo desajuste da economia acaba sempre batendo no mesmo ponto: dependência de capital especulativo. Sem reconstruir a estabilidade cambial -por meio do aumento do superávit comercial- não haverá como sair dessa armadilha.
Como constatou o economista Armando Castelar Pinheiro, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) -no caderno Dinheiro deste domingo-, o período 1994/2002 foi o que registrou as mais baixas taxas de investimento de todo o período analisado pelo órgão. A política atual do BC -de valorização do real e redução do superávit comercial- fracassou em um período de abundância inédita de capital financeiro internacional. Como se pretende ainda acreditar nessa história de que o capital volátil traz o capital bom, agora com uma economia internacional em deflação e sem disponibilidade de investimento no mercado internacional?

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