|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Dona Maria, a louca
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O brasileiro comum, na sua
inesgotável ingenuidade caipira, tem, volta e meia, a impressão de estar sendo governado
por estrangeiros. Trata-se de
uma ilusão. A própria distinção
nacional/estrangeiro é uma sobrevivência do passado, um resquício do caipirismo típico do
brasileiro.
Como voltou a dizer anteontem o presidente-filósofo do
Brasil, o que conta hoje em dia é
a "humanidade", o novo "universal concreto" à la Hegel resultante do processo de "globalização" da economia.
Veja, caro leitor, como se autodefine o presidente da República. Do ponto de vista espiritual,
é "cartesiano", disse ele no discurso de encerramento da Cimeira União Européia, América
Latina e Caribe. Ressalvou, contudo, que o seu cartesianismo
contém "elementos" ou "pitadas" de candomblé. "Sem esses
elementos", explicou, "não serei
propriamente brasileiro".
É curioso que a dimensão especificamente brasileira do espírito presidencial tenha ficado
reduzida à condição de "elementos" ou "pitadas", uma espécie de colorido local acrescentado à substância básica européia, consolidada (presume-se)
durante a permanência na
França nos seus tempos de professor. Mas isso não deve causar
espanto. Muito antes da "globalização", o nosso Nelson Rodrigues já avisara que brasileiro
não pode viajar, simplesmente
não pode viajar.
A fragilidade do brasileiro é
comovente. A sua auto-imagem
não tem nenhuma definição
precisa. Sai do Brasil e volta reformado e transfigurado. Pode
não pegar sotaque físico, mas
costuma pegar um tremendo sotaque espiritual.
Eis o que eu queria dizer: hoje
em dia, o estrangeiro não precisa governar diretamente. Não
tem motivos para tal. Pode ficar
tranquilamente em Nova York,
Londres ou Frankfurt, administrando os seus interesses à distância. Pode confiar no "sotaque espiritual" das lideranças
periféricas "globalizadas".
Em discurso pronunciado na
comemoração dos dez anos do
Iedi (Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial), o
empresário José Ermírio de Moraes Filho contou que, na semana passada, estava sendo leiloado o original do célebre alvará
emitido em 1785 pela rainha
portuguesa d. Maria 1ª, que restringiu severamente a instalação de indústrias no Brasil. Por
essa decisão, ficaram proibidas
todas as manufaturas de fios,
panos e bordados na colônia,
com a única exceção de fazendas grossas de algodão que serviam para vestuário dos escravos ou para empregar em sacaria.
D. Maria 1ª acabou entrando
para a história como a rainha
louca. Em 1785, contudo, ainda
estava em plena forma, defendendo a ferro e fogo a aplicação
do sistema colonial. O famoso
decreto era uma reação ao desenvolvimento incipiente de algumas fábricas no Brasil. Ao
substituir importações, essas fábricas brasileiras acarretavam
prejuízos às indústrias de Portugal e às receitas do governo metropolitano, que auferia direitos
alfandegários sobre a entrada
no Brasil de produtos têxteis da
Inglaterra e de outros países.
Ah, mas os colonizadores do final do século 20 são mais sutis,
mais indiretos e provavelmente
mais eficazes do que os do final
do século 18! "Bons tempos
aqueles em que o inimigo atacava de frente", comentou José Ermírio.
E acrescentou: "Os ataques à
nossa indústria continuam, cada vez mais fortes, só que sob diferentes roupagens e rótulos vindos de diferentes "fronts" externos e, o que é pior, muitas vezes
do nosso próprio quartel-general. Fazem-no a pretexto de um
liberalismo ingênuo (...) e, como
última novidade, a pretexto de
uma inexorável globalização".
Na semana passada, o presidente da República respondeu,
com veemência, às críticas dos
industriais paulistas. Declarou
que as oligarquias financeiras e
industriais estão chorando por
um passado de subsídios, favorecimentos estatais e lucros fáceis. "Essa época acabou", disse
ele.
Na verdade, José Ermírio foi
impreciso. Há uma outra diferença importante entre d. Maria
1ª e FHC. Esse último não é contra a instalação de indústrias no
Brasil. E nem é contra subsídios
e incentivos. Quando a indústria é estrangeira, o passado de
subsídios e incentivos renasce
com grande facilidade.
Por meio do BNDES e de incentivos fiscais variados, o governo federal acaba de mobilizar enorme apoio à instalação
de uma fábrica da Ford dos
EUA.
Na Bahia. É a pitada de candomblé.
Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e
professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
Texto Anterior: Metas de inflação são vistas como fáceis Próximo Texto: Artigo - Celso Pinto: Meta é mais "frouxa" do que imaginava o mercado Índice
|