São Paulo, Quinta-feira, 01 de Julho de 1999
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ARTIGO

Meta é mais "frouxa" do que imaginava o mercado

CELSO PINTO
do Conselho Editorial

A meta de 8% de inflação para este ano, podendo variar de 6% a 10%, é bem mais "frouxa" do que imaginava e projetava o mercado. Até aí, todos concordam. Mas quais conclusões se podem tirar desse fato?
A primeira, óbvia, é que o governo decidiu entrar no novo sistema de metas inflacionárias de forma bastante conservadora. Há razões "estruturais" e "conjunturais" para isso.
Outra, nem sempre considerada, é uma admissão tácita do governo de que é desejável um gradualismo na estabilização. Existem duas boas razões para isso.
Uma é a necessidade premente de baixar os juros reais, a única forma de reduzir o estoque da dívida pública e afastar o temor de um calote a médio prazo.
A segunda é o reconhecimento de que a estabilização deve ser compatível com um crescimento razoável do PIB nos próximos dois anos. Muita gente esquece que o sistema de metas inflacionárias não fixa apenas um teto para o aumento dos preços. Embute, também, uma hipótese para o crescimento da economia.
A faixa de flutuação dos preços vale para os dois lados. Se furar o teto, os juros sobem para segurar os preços. Mas, se baixar além do piso, o Banco Central terá que reduzir de forma mais agressiva os juros.
Não para fazer mais inflação, mas para evitar uma perda de produto além do que se considerou razoável ao fixar as metas. O horizonte para a inflação nos próximos anos, nesse sentido, embute também o tamanho do sacrifício da estabilização, inversamente proporcional ao tempo que se vai levar para trazer a inflação para níveis internacionais.
As metas de 6% (com intervalo entre 4% e 8%) para o próximo ano e de 4% (de 2% a 6%) para 2001 são certamente cautelosas. Pressupõem um gradualismo recomendável para uma estabilização que não vai mais contar nem com o artificialismo do câmbio sobrevalorizado nem com uma estagnação econômica prolongada, as duas alavancas para a inflação próxima de zero recente.
Mesmo sem considerar esses fatores, existiam boas razões técnicas para a prudência nas metas. Algumas são "estruturais".
Para funcionar bem, um sistema de metas inflacionárias tem que contar com um bom sistema de previsão de preços, instrumentos eficazes de ação e algumas certezas sobre como esses instrumentos se transmitem para os preços. No Brasil há precariedade nas três pontas.
As previsões são precárias, por razões conhecidas. Existem três instrumentos: juros, crédito e compulsórios. Na prática, os compulsórios são tão gigantescos que só dá para reduzi-los, não aumentá-los. Na vida real, sobram apenas os juros.
Só que os mecanismos de transmissão dos juros para os preços, no Brasil, são limitados. Segundo o BC, a mudança dos juros só afetaria a demanda agregada via investimentos das empresas e consumo de bens duráveis dos indivíduos.
Em outros países, a subida dos juros gera uma perda de valor nos investimentos financeiros. Ao sofrer a perda, via "efeito riqueza", os indivíduos retraem o consumo. No Brasil, as aplicações financeiras são de curto prazo e muitas, indexadas diariamente: se os juros sobem, aumenta o rendimento financeiro dos aplicadores.
Outra razão "estrutural" é que a meta usará uma inflação sem expurgo. É bom para a credibilidade, mas é ruim para o sistema. Sem expurgo, o índice tende a ser mais volátil: daí por que a faixa tão ampla de oscilação, de 2% para cima e para baixo.
São várias as razões "conjunturais" prováveis para a cautela na meta. Do lado externo, persiste o temor com os juros americanos, a Bolsa americana, a Argentina e possíveis crises no Equador e na Colômbia.
Do lado interno, é um indício de cautela na área fiscal. Se o governo perder nas enormes pendências fiscais na Justiça, terá que compensar com ajustes que terão impacto inflacionário: de novos aumentos na gasolina até novos aumentos de impostos.
Finalmente, como foi dito, a cautela sinaliza que o governo quer viabilizar uma queda expressiva de juros reais até o fim do ano. É vital, do ponto de vista fiscal.


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