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OPINIÃO ECONÔMICA
O que você deve saber sobre a pobreza
RUBENS RICUPERO
Antes tarde do que nunca: é
bom que finalmente o maior problema brasileiro entre para a
agenda nacional. Não é tão encorajador que o debate ameace resvalar para o estéril domínio pessoal e se caracterize muito mais
por confusão e recriminações que
conhecimento de causa.
Suponho que pouca gente terá a
oportunidade de ler a pesquisa do
Ipea sobre o assunto. Por isso faço
aqui a montagem das etapas do
raciocínio dos pesquisadores, com
suas próprias palavras, deixando
apenas de lado gráficos e pormenores. O que diz em essência o relatório?
Mais de 75% da população
mundial vive em países de renda
"per capita" inferior à nossa, o
que credencia o Brasil a não ser
classificado como pobre. Na verdade, o país é relativamente rico,
mas com elevado grau de desigualdade. A principal causa da
pobreza de parcela significativa
das famílias não se encontra na
escassez geral de recursos, mas na
péssima distribuição deles.
A desigualdade entre os 80%
mais pobres apresenta no Brasil
padrão relativamente semelhante ao dos Estados Unidos e da Argentina. O contraste com o padrão internacional localiza-se entre os 20% e, ainda mais, os 10%
mais ricos: a intensidade singular
e injusta da desigualdade brasileira deve-se, sobretudo, à elevadíssima renda média dos mais ricos (em relação aos mais pobres).
Apesar disso, o combate à desigualdade tem sido (entre nós)
muito pouco utilizado como instrumento de redução da pobreza.
O que torna injustificado o
(quase exclusivo) viés pró-crescimento econômico (do passado),
na medida em que maior atenção
à desigualdade provavelmente teria levado a pobreza a valores significativamente inferiores aos de
hoje.
O principal fator determinante
da desigualdade no Brasil (40%)
corresponde ao acesso (ou falta
dele) à educação. Vem a seguir o
desequilíbrio entre investimento
em capital físico e capital humano. A terceira dimensão tem a ver
com a presença no mercado de
trabalho de 20% das crianças entre 10 e 14 anos, vergonhoso desempenho mesmo na América
Latina, superior apenas ao de
Honduras!
Quais são as políticas possíveis
para combater a desigualdade e a
pobreza?
Essas políticas redistributivas
podem ser classificadas em: de
preços, estruturais e compensatórias. As políticas de preços afastam os preços do seu valor de
equilíbrio. A de maior tradição é
a do salário mínimo. Devido ao
valor extremamente baixo dessa
remuneração e ao elevado grau
de informalidade, as políticas baseadas no salário mínimo apresentam sérios limites no combate
à pobreza no Brasil.
Diante disso, o mais adequado
seria a combinação de políticas
estruturais, de resultados duradouros e de longo prazo, com políticas compensatórias de resultados imediatos. Como conceituar
umas e outras?
As políticas estruturais visam a
repartir a renda por meio da redistribuição de ativos (ou bens de
produção), garantindo aos mais
pobres a posse de volumes suficientes de terra, capital físico ou
humano capazes de fazê-los sair
da pobreza: reforma agrária, crédito a pequenos empresários e
agricultores, política educacional,
em particular voltada à capacitação profissional.
A enorme vantagem dessas fórmulas é a possibilidade de redução duradoura da pobreza, como
produto de investimento com elevada taxa de retorno social, sem
impacto negativo sobre a eficiência da economia e sem estigmatizar seus beneficiários. A desvantagem é que, por depender de demorada maturação, o resultado
ocorre apenas no longo prazo.
Sem intervir na distribuição dos
ativos (isto é, da riqueza) ou nos
preços de mercado, as políticas
compensatórias visam a corrigir
a posteriori os efeitos (não as causas) da desigualdade, de modo a
atingir os grupos carentes, recorrendo a transferências monetárias ou de benefícios, tais como a
renda mínima, o abono salarial,
o seguro-desemprego.
Suas vantagens são a transparência, o impacto distributivo
imediato, o menor efeito sobre a
eficiência do sistema produtivo.
Contudo elas não representam
solução duradoura, pois obrigam
a contínua transferência de recursos, com impactos importantes sobre o orçamento público e os
impostos, estigmatizando os beneficiários.
Devido à magnitude do déficit
social, a capacidade de eliminá-lo
com base em transferências é
questão sempre presente. Se isso
era muito difícil no início da década de 70, o crescimento econômico acumulado nos últimos 25
anos garante que hoje a meta seja
financeiramente factível. A fim de
erradicar toda a pobreza existente no Brasil, seria necessário volume de transferências anuais de
apenas 3,2% da renda das famílias brasileiras. A viabilidade dessa estratégia fica evidente quando se verifica que isso representaria apenas cerca de 15% dos gastos federais na área social (incluindo a Previdência, esses gastos são de US$ 75 bilhões por
ano).
Temos aqui, portanto, verdadeiro " vade mecum" sobre a pobreza, espécie de mapa para combatê-la. As frases foram todas retiradas do relatório, sem tirar
nem pôr, a não ser as inevitáveis
ligações para assegurar a articulação e a concatenação do pensamento.
Tudo isso e mais já constavam
da reportagem de Carlos Eduardo Lins da Silva, publicada na
Folha tempos atrás. Nada, porém, é tão velho como jornal de
ontem, exceto jornal de trasanteontem. Como o bate-boca atual
ameaça produzir mais calor,
sempre supérfluo em nosso clima,
do que a luz que nos faz desesperadoramente falta, achei por bem
lembrar aos leitores os parâmetros do assunto.
Na próxima vez, tentarei remexer com a colher torta de minhas
observações o molho que está a
cozinhar. Até lá, só me resta agradecer a contribuição involuntária
que prestaram a esta coluna os
autores da pesquisa do Ipea, Ricardo Paes de Barros, Miguel Foguel, Ricardo Henriques e Rosane
Mendonça.
Rubens Ricupero, 62, secretário-geral da
Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ex-ministro da Fazenda (governo Itamar Franco), é
autor de "O Ponto Ótimo da Crise" (editora
Revan). Escreve aos domingos nesta coluna.
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