São Paulo, Domingo, 01 de Agosto de 1999
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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

A degradação das telecomunicações

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

O atendimento aos usuários, depois de um ano de privatização do Sistema Telebrás, é calamitoso. É tamanho o desrespeito aos direitos contratuais dos usuários que a fila de reclamantes já deve estar maior que a tão divulgada fita de espera por telefone, usada como argumento para justificar a privatização.
O desmonte do sistema, a pretexto da "concorrência", revelou-se um desatino. Agora, tanto os usuários quanto o governo têm de lidar com empresas diferentes com serviços diferentes que desmontaram uma rede operacional definida em escala nacional e, em vez de serviços eficientes, vendem propaganda falaciosa.
Do ponto de vista da política de regulação, o papel do governo tem sido lamentável. Regras impostas pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT) -como a não modificação do bloco de controle acionário das holdings antes de cinco anos a contar da privatização- são desrespeitadas pelos sócios privados. A regulamentação para a Anatel não é seguida pelo próprio governo. Se este não submete suas ações à lei, não é de esperar que as operadoras privatizadas o façam.
O compromisso com a indústria nacional de equipamentos também não existe. Assim, à falta de encomendas das operadoras corresponde um déficit crescente da balança comercial de telecomunicações que já alcançou um resultado negativo de R$ 2,2 bilhões em 1998. A encomenda reduzida de centrais trópico nacionais sinaliza para a perda da capacidade de desenvolvimento da tecnologia nacional.
A ação da Anatel tem tentado ser no máximo corretiva. Só após as empresas deixarem de cumprir as metas determinadas pelo Protocolo de Compromissos e lesarem ostensivamente os usuários é que a agência entra em cena para autuar a operadora.
Telemar e Telefônica já foram multadas dessa forma e, mesmo assim, após manifestações do Procon e do Ministério da Justiça. Além de não atuar de forma preventiva, a Anatel é lenta e extremamente centralizada na esfera federal, ainda não tendo conseguido consolidar sua presença de forma convincente fora de Brasília. Seus escritórios regionais não têm estrutura suficiente para fiscalizar as empresas de forma adequada, já que a ordem de funcionamento do setor mudou com a privatização. Agora, quem possui todas as informações é exclusivamente a empresa, e a agência reguladora não tem como acompanhar os procedimentos da operadora.
A própria Anatel ainda não tem um ouvidor, como determina a lei: "O ouvidor terá acesso a todos os assuntos e contará com o apoio administrativo de que necessitar, competindo-lhe produzir, semestralmente ou quando oportuno, apreciações críticas sobre a atuação da agência, encaminhando-as ao Conselho Diretor, ao Conselho Consultivo, ao Ministério das Comunicações, a outros órgãos do Poder Executivo e ao Congresso Nacional, fazendo publicá-las para conhecimento geral" (LGT, art. 45).
Até maio de 1999, nenhuma das operadoras cumpriu todas as metas do Protocolo de Compromissos assinado em junho de 1998, e as tentativas de ações corretivas em fevereiro, relativamente à Telemar e à Telefônica, não surtiram efeito. É necessário, portanto, uma reformulação da agência, no sentido de conceder-lhe maior agilidade e eficiência nas esferas estadual e municipal, para poder cumprir, finalmente, o seu papel fiscalizador.
Com a privatização do Sistema Telebrás, assim como aconteceu em outros setores, os novos controladores desempregaram intensamente, a pretexto de "aumentar a produtividade", e subiram as tarifas para obter lucro imediato. O quadro funcional efetivo foi reduzido de 87.500 trabalhadores para cerca de 69.400 (levantamento junto aos sindicatos). Foram cerca de 18.100 demissões de pessoal qualificado, com sérios prejuízos para a operação da rede. Os malefícios mais evidentes foram a queda da qualidade dos serviços e a precarização das relações de trabalho.
O Protocolo de Compromissos determinava metas de recursos humanos em rede externa, comutação, transmissão, atendimento telefônico e atendimento em loja comercial, que contemplava pessoal efetivo e terceirizado, mas as grandes operadoras não cumpriram as metas.
Em maio, a Telemar deveria ter 42.039 empregados, mas tinha apenas 38.579. Nos dados por área, a operadora não cumpriu a meta para o número de trabalhadores em comutação, transmissão, atendimento telefônico e atendimento em loja comercial.
A Tele Centro Sul, em maio, deveria ter um quadro de efetivos e terceirizados no total de 16.282, e não 14.918, como informado. Também, nos dados por área, a Tele Centro Sul ficou abaixo das metas de pessoal em comutação, transmissão e atendimento em loja comercial. Já no caso da Telefônica, foi superada a meta global de recursos humanos, mas não foram cumpridas as metas com pessoal em comutação e transmissão, justamente os setores mais vulneráveis à mudança de sistema.
Um problema que afetou gravemente as relações de trabalho foi a deterioração do processo de negociações coletivas entre as empresas e os trabalhadores. A partir de 1994, a política de recursos humanos na Telebrás, com vistas à privatização, já vinha reduzindo as conquistas da categoria ao mínimo estabelecido por lei. Em 1998, já em negociação com as operadores privatizadas, o corte de salários e benefícios foi ainda mais radical.
No caso da Telemar, a proposta da empresa é inaceitável aos olhos dos trabalhadores. A questão não caminha mais pela via negocial e sim pela via judicial. A Tele Centro Sul e a Telefônica fecharam os acordos coletivos para o período 98/99 ainda no primeiro trimestre de 1999. Mas isso não significou qualquer vantagem, já que vários cortes de benefícios foram incluídos nos acordos.
Assim, os trabalhadores que permaneceram nas empresas sofrem com a crescente precarização das relações de trabalho, com a inexistência de reajuste salarial e com o aumento da carga de trabalho ocasionado pelo excesso de demissões em vários setores das operadoras.
Todos esses prejuízos -aos usuários, aos trabalhadores e à eficiência geral de um sistema de tamanha importância para a integração nacional e internacional do país- poderiam ter sido evitados. Bastava que o governo deixasse de tomar decisões atropeladas que precederam e sucederam todo o processo de privatização, sem levar em conta as vozes mais qualificadas dos técnicos, dos parlamentares da oposição e até dos mais esclarecidos da sua própria base parlamentar e da grande imprensa.
Aos usuários, aos trabalhadores e à opinião pública em geral, cabe continuar a luta pela correção dos desatinos perpetrados contra a cidadania e o patrimônio público e impedir o sucateamento do nosso sistema de telecomunicações.


Maria da Conceição Tavares, 69, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora associada da Universidade de Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
www.abordo.com.br/mctavares
e-mail: mctavares@cdsid.com.br


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