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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A degradação das telecomunicações
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
O atendimento aos usuários,
depois de um ano de privatização do Sistema Telebrás, é calamitoso. É tamanho o desrespeito
aos direitos contratuais dos
usuários que a fila de reclamantes já deve estar maior que a tão
divulgada fita de espera por telefone, usada como argumento
para justificar a privatização.
O desmonte do sistema, a pretexto da "concorrência", revelou-se um desatino. Agora, tanto os usuários quanto o governo
têm de lidar com empresas diferentes com serviços diferentes
que desmontaram uma rede
operacional definida em escala
nacional e, em vez de serviços
eficientes, vendem propaganda
falaciosa.
Do ponto de vista da política
de regulação, o papel do governo
tem sido lamentável. Regras impostas pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT) -como a
não modificação do bloco de
controle acionário das holdings
antes de cinco anos a contar da
privatização- são desrespeitadas pelos sócios privados. A regulamentação para a Anatel
não é seguida pelo próprio governo. Se este não submete suas
ações à lei, não é de esperar que
as operadoras privatizadas o façam.
O compromisso com a indústria nacional de equipamentos
também não existe. Assim, à falta de encomendas das operadoras corresponde um déficit crescente da balança comercial de
telecomunicações que já alcançou um resultado negativo de
R$ 2,2 bilhões em 1998. A encomenda reduzida de centrais trópico nacionais sinaliza para a
perda da capacidade de desenvolvimento da tecnologia nacional.
A ação da Anatel tem tentado
ser no máximo corretiva. Só
após as empresas deixarem de
cumprir as metas determinadas
pelo Protocolo de Compromissos
e lesarem ostensivamente os
usuários é que a agência entra
em cena para autuar a operadora.
Telemar e Telefônica já foram
multadas dessa forma e, mesmo
assim, após manifestações do
Procon e do Ministério da Justiça. Além de não atuar de forma
preventiva, a Anatel é lenta e extremamente centralizada na esfera federal, ainda não tendo
conseguido consolidar sua presença de forma convincente fora
de Brasília. Seus escritórios regionais não têm estrutura suficiente para fiscalizar as empresas de forma adequada, já que a
ordem de funcionamento do setor mudou com a privatização.
Agora, quem possui todas as informações é exclusivamente a
empresa, e a agência reguladora
não tem como acompanhar os
procedimentos da operadora.
A própria Anatel ainda não
tem um ouvidor, como determina a lei: "O ouvidor terá acesso a
todos os assuntos e contará com
o apoio administrativo de que
necessitar, competindo-lhe produzir, semestralmente ou quando oportuno, apreciações críticas sobre a atuação da agência,
encaminhando-as ao Conselho
Diretor, ao Conselho Consultivo,
ao Ministério das Comunicações, a outros órgãos do Poder
Executivo e ao Congresso Nacional, fazendo publicá-las para conhecimento geral" (LGT, art.
45).
Até maio de 1999, nenhuma
das operadoras cumpriu todas
as metas do Protocolo de Compromissos assinado em junho de
1998, e as tentativas de ações
corretivas em fevereiro, relativamente à Telemar e à Telefônica,
não surtiram efeito. É necessário, portanto, uma reformulação
da agência, no sentido de conceder-lhe maior agilidade e eficiência nas esferas estadual e
municipal, para poder cumprir,
finalmente, o seu papel fiscalizador.
Com a privatização do Sistema Telebrás, assim como aconteceu em outros setores, os novos
controladores desempregaram
intensamente, a pretexto de
"aumentar a produtividade", e
subiram as tarifas para obter lucro imediato. O quadro funcional efetivo foi reduzido de
87.500 trabalhadores para cerca
de 69.400 (levantamento junto
aos sindicatos). Foram cerca de
18.100 demissões de pessoal qualificado, com sérios prejuízos para a operação da rede. Os malefícios mais evidentes foram a
queda da qualidade dos serviços
e a precarização das relações de
trabalho.
O Protocolo de Compromissos
determinava metas de recursos
humanos em rede externa, comutação, transmissão, atendimento telefônico e atendimento
em loja comercial, que contemplava pessoal efetivo e terceirizado, mas as grandes operadoras não cumpriram as metas.
Em maio, a Telemar deveria
ter 42.039 empregados, mas tinha apenas 38.579. Nos dados
por área, a operadora não cumpriu a meta para o número de
trabalhadores em comutação,
transmissão, atendimento telefônico e atendimento em loja comercial.
A Tele Centro Sul, em maio,
deveria ter um quadro de efetivos e terceirizados no total de
16.282, e não 14.918, como informado. Também, nos dados por
área, a Tele Centro Sul ficou
abaixo das metas de pessoal em
comutação, transmissão e atendimento em loja comercial. Já
no caso da Telefônica, foi superada a meta global de recursos
humanos, mas não foram cumpridas as metas com pessoal em
comutação e transmissão, justamente os setores mais vulneráveis à mudança de sistema.
Um problema que afetou gravemente as relações de trabalho
foi a deterioração do processo de
negociações coletivas entre as
empresas e os trabalhadores. A
partir de 1994, a política de recursos humanos na Telebrás,
com vistas à privatização, já vinha reduzindo as conquistas da
categoria ao mínimo estabelecido por lei. Em 1998, já em negociação com as operadores privatizadas, o corte de salários e benefícios foi ainda mais radical.
No caso da Telemar, a proposta da empresa é inaceitável aos
olhos dos trabalhadores. A questão não caminha mais pela via
negocial e sim pela via judicial.
A Tele Centro Sul e a Telefônica
fecharam os acordos coletivos
para o período 98/99 ainda no
primeiro trimestre de 1999. Mas
isso não significou qualquer
vantagem, já que vários cortes
de benefícios foram incluídos
nos acordos.
Assim, os trabalhadores que
permaneceram nas empresas sofrem com a crescente precarização das relações de trabalho,
com a inexistência de reajuste
salarial e com o aumento da
carga de trabalho ocasionado
pelo excesso de demissões em vários setores das operadoras.
Todos esses prejuízos -aos
usuários, aos trabalhadores e à
eficiência geral de um sistema de
tamanha importância para a
integração nacional e internacional do país- poderiam ter
sido evitados. Bastava que o governo deixasse de tomar decisões atropeladas que precederam e sucederam todo o processo de privatização, sem levar em
conta as vozes mais qualificadas
dos técnicos, dos parlamentares
da oposição e até dos mais esclarecidos da sua própria base parlamentar e da grande imprensa.
Aos usuários, aos trabalhadores e à opinião pública em geral,
cabe continuar a luta pela correção dos desatinos perpetrados
contra a cidadania e o patrimônio público e impedir o sucateamento do nosso sistema de telecomunicações.
Maria da Conceição Tavares, 69, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora associada da Universidade de Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
www.abordo.com.br/mctavares
e-mail: mctavares@cdsid.com.br
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