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LUÍS NASSIF
O galo de briga de Oswaldo Aranha
Houve tempos em que a briga
de galo era hobby da alta sociedade de Poços de Caldas e do
país. Nos anos 30, os galistas de
Poços costumavam disputar
campeonatos no Jockey Club,
em São Paulo.
O primeiro galista de Poços de
Caldas foi Cacá, filho de Pedro
Sanches de Lemos -uma das
figuras reverenciais da cidade-, que costumava enfrentar
os galos de Pinheiro Machado, o
ACM da Primeira República,
entre outros figurões que frequentavam o balneário. Adalberto, irmão de Oswaldo Aranha, também era galista contumaz.
Nos tempos de Assis Figueiredo, prefeito de Poços no início
dos anos 30, a melhor cocheira
de galos de briga da região era a
de Haroldo Junqueira, fazendeiro e chefe político local, e de
Januarinho Paschulli, massagista. A fama da dupla Cai-Cai
e Submarino -seus campeões- era reconhecida nacionalmente.
Conheci Januarinho com
mais de 90 anos, perto da morte,
morando de graça no Palace
Hotel de Poços e andando amparado por uma bengala. Lembrou-se dos bons tempos, falou
com carinho do meu pai
-"grande namorador, que
nem os "almofadinhas" (grupo
de dândis poços-caldenses que
namoravam todas as banhistas
que vinham passar temporada
na cidade), mas, ao contrário
deles, muito trabalhador".
Nos tempos do jogo, Januarinho era o massagista preferido
das banhistas e mantinha com
os poderosos uma intimidade
invejável, da qual apenas massagistas e barbeiros podem desfrutar. Ali, no Palace mesmo, ele
me dizia: "Aquele menino veio
para cá cuidar da blenorragia
de um governador de Minas.
Quando eu o vi com o ministro
Mário Mattos, falei cá comigo:
"Esse menino ainda vai longe'".
O "menino" era o futuro presidente Juscelino Kubitschek.
As demais cocheiras tinham
que se juntar para enfrentá-los,
pois o predomínio de sua dupla
de campeões era tão massacrante que às vezes pintavam o
campeão Cai-Cai de preto, fazendo-o passar por galo paulista, para encontrar adversário.
Naqueles tempos, as regras do
jogo eram diferentes. Os galos
usavam espora natural, mas
com medida certa, para manter
a igualdade de condições. Com
o tempo, as esporas passaram a
ser serradas e nelas adaptada
uma espora de metal de um
centímetro e um bico de prata.
As lutas chegavam a durar quatro horas. A cada 15 minutos os
galos eram separados para o rebolo, lugar para onde se levam
os galos para descansar, quando a briga dura muito.
Januarinho e Haroldo não
respeitavam galo nem dono de
galo. Cada luta era precedida
de fanfarronarias indescritíveis.
"Meu galo vai fazer uma avenida na cabeça do seu galo e vai
chamar a galinha para beber o
sangue!", urrava Haroldo, fazendo gelar o sangue do galo, do
dono do galo e da galinha.
O empresário carioca Lineu
de Paula Machado era cliente
das massagens de Januarinho,
tinha uma boa galaria e gostava de apostar alto. Um dia apareceu por lá com Oswaldo Aranha e uma porção de galos de
raça. Aranha havia sido o grande comandante da Revolução
de 30. Depois, tornara-se homem forte de Vargas.
"Aposto 30 contos!", desafiou
Paula Machado.
Como faziam costumeiramente, quando se tratava de cevar o pato, Haroldo e Januarinho confabularam entre si. Demonstraram preocupação, reclamaram do alto valor da
aposta, enquanto olhavam de
soslaio, com temor reverencial,
a equipe carioca.
"Deixe eu ver se nosso grupo
consegue juntar esse dinheiro
numa vaquinha", respondeu
Haroldo. E foi simular a vaquinha com o público local -que
já conhecia suas manhas.
Lineu perdeu todas as brigas e
a aposta de 30 mil. Restou apenas seu campeão. Irritado, quis
encontrar um álibi para parar:
"Meu campeão só luta por 50
mil."
E Haroldo:
"Deixa ver se eu arrumo com
os amigos."
Arrumou, é claro.
A luta começou com o galo de
Lineu muito rápido, demonstrando ter canelas elétricas, desviando-se de todas as esporadas
e bicadas de Cai-Cai. Januarinho estava preocupado:
"O galo é bom!"
Haroldo, com olhos experimentados, não perdia a calma:
"O galo, quando é muito rápido e pouco esperto, vai desviando, desviando e ganhando confiança. Quando ganha confiança, diminui o passo e leva."
E levou. Lá pelas tantas, o galo
de Lineu bicou o de Haroldo,
ganhou confiança e abriu a
guarda. Levou uma bicada no
meio da testa que lhe abriu uma
avenida expressa. Atarantado,
o galo carioca pôs-se a correr
com toda a força que lhe permitiam as canelas elétricas. E o galo mineiro correndo atrás e cobrindo-o de bicadas. Indignado
com a covardia de seu campeão,
Lineu interrompeu a luta e deu
o galo de presente para os vencedores.
O público aplaudiu de pé, mas
sem entender o segredo que fazia o galo correr tão rápido. O
segredo era uma pista que Januarinho fez na cocheira, onde
obrigava o galo a correr todo
dia 1.500 metros. Foi o primeiro
galo "sprinter" da história.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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