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ARTIGO
Será a economia dos EUA a próxima bolha a estourar?
JEFFREY SACHS
Há uma chance razoável de
que a economia norte-americana esteja vivendo uma bolha
especulativa do mesmo tipo
das que estouraram em tantas
outras economias nos últimos
dez anos -Japão, Coréia, México, para citar apenas algumas poucas. Todas essas bolhas
financeiras foram movidas pela existência de um mito subjacente de invencibilidade econômica. Dez anos atrás, os japoneses achavam que estavam
com tudo. É difícil acreditar,
mas muitos analistas sérios
achavam que o Japão estivesse
à beira de conquistar a economia mundial naquela época
-ou seja, logo antes de o mercado acionário japonês cair
mais de 50%. Depois foi o México, que pensou que seu novo
acordo comercial com os EUA
levaria sua economia a crescer
muito -poucos meses antes de
essa economia desabar, na pior
crise de uma geração inteira.
Hoje, muitos nos EUA acham
que já é impossível parar o
trem da economia norte-americana e que a revolução da Internet que está em curso nos
Estados Unidos é a maior coisa
desde a própria Revolução Industrial. Esses exageros, somados à alta do mercado acionário norte-americano baseada
nessas perspectivas superotimistas, deveriam nos fazer parar imediatamente para pensar duas vezes. Será que existe
uma arrogância excessiva em
ação aqui, como houve nas bolhas anteriores? Se a alta do
mercado acionário norte-americano realmente terminasse
ou se invertesse, quais seriam
as consequências para o resto
do mundo?
É verdade que os EUA contam com dois pontos fortes
reais -a grande flexibilidade
de seu sistema de mercado e
sua maestria na área do desenvolvimento de novas tecnologias. O "boom" norte-americano recente se baseia em grande
medida nos enormes investimentos feitos por empresas
norte-americanas nas novas
tecnologias informatizadas.
Com seu misto especial de mercados e inovação, a economia
americana está, de fato, se remodelando com velocidade espantosa. Mas as bolhas financeiras muitas vezes se baseiam
em pontos econômicos fortes de
fato. Uma bolha ocorre quando esses pontos fortes muito
reais repentinamente se revestem de proporções exageradas,
até míticas, aos olhos dos investidores, que então se dispõem a aplicar somas imensas
no mercado acionário sem
prestar atenção às perspectivas
realistas de lucros futuros.
Considere-se meu caso favorito da semana. A Amazon,
pioneira das vendas ao varejo
na Internet -primeiro com livros e, agora, com praticamente qualquer coisa-, anunciou
que perdeu US$ 138 milhões no
segundo trimestre de 1999, apesar de sua receita de vendas ter
triplicado, chegando a US$ 314
milhões. Os investidores se deixaram hipnotizar pela alta no
volume de vendas e não prestaram atenção às perdas contínuas sofridas pela empresa,
perdas essas que refletem as
margens de lucro muito pequenas que há nos mercados varejistas americanos, altamente
competitivos. O anúncio da
empresa foi seguido por uma
alta adicional de cerca de 4%
no preço de suas ações no mercado! A Amazon ainda não
apresentou lucros, e o valor
contábil de seus ativos é de cerca de US$ 650 milhões. Apesar
disso, ela já é avaliada em US$
19 bilhões na Bolsa de Valores,
o que faz dela uma das 300
maiores empresas do mundo
em termos de valor de mercado!
O que isso sugere é que o mercado acionário norte-americano endoidou. Sim, não faltam
teorias que indicam que o
apreçamento de mercado está
correto. Talvez a Amazon finalmente consiga transformar
sua grande base de clientes em
grandes lucros, mas ela ainda
não provou ser capaz disso.
Mas, e se os mercados financeiros estiverem errados, simplesmente, como têm estado por
tanto tempo no mundo ao longo dos últimos dez anos? E se a
euforia for seguida de um colapso?
Uma coisa é certa: os consumidores americanos deixariam de lado sua orgia atual de
consumo, e isso provocaria o
desaquecimento da economia
americana. Mas será que os
EUA entrariam em recessão,
ou, pior ainda, numa depressão? Talvez por pouco tempo,
mas é pouco provável que seria
profunda. Com inflação baixa,
um setor bancário relativamente saudável e um Orçamento com superávit, o governo norte-americano provavelmente contaria com a flexibilidade de política monetária e
fiscal necessária para fazer
uma aterrissagem relativamente macia. Alguns investidores iriam à falência, com certeza, mas, a não ser que as coisas fiquem ainda mais desvairadas do que estão agora, o setor financeiro americano provavelmente sobreviveria intacto, mesmo que o mercado acionário sofresse uma correção
bastante significativa. Apesar
disso, é hora de os reguladores
bancários dos EUA vigiarem os
portfólios dos bancos de perto,
para assegurar que a euforia
atual não se transforme numa
montanha de empréstimos
bancários impensados.
Será que o resto do mundo ficaria profundamente prejudicado pela possível correção
aplicada ao mercado acionário
americano -por exemplo, ao
sofrer uma queda nas suas exportações ao mercado americano desaquecido?
Esse efeito, provavelmente,
também seria bastante modesto. Por um lado, as economias
européias, asiáticas, latino-americanas e africanas teriam
um mercado menor nos EUA,
mas, por outro, elas provavelmente encontrariam menos dificuldade em atrair capital para suas próprias economias, já
que menos capital mundial
iria fluir para a economia
americana. Assim, a queda nos
ganhos com as exportações seria contrabalançada pela alta
nos investimentos internos, especialmente se essas economias
reduzissem suas taxas de juro
no caso de um desaquecimento
norte-americano.
Resumindo: é bem possível
que a economia americana esteja vivendo uma bolha financeira. Milhões de americanos
que hoje se consideram gênios
do investimento podem acabar
decepcionados, se e quando a
bolha estourar. O orgulho
americano e os gastos dos consumidores americanos sofreriam alguns golpes, mas os prejuízos à economia mundial
provavelmente não seriam
enormes. Os governos devem
possuir os instrumentos (especialmente a política monetária) necessários para limitar os
danos, se utilizarem esses instrumentos da maneira correta.
Jeffrey Sachs é diretor do Instituto Harvard de Desenvolvimento Internacional e
professor da cadeira Gallen Stone de Comércio Internacional na Universidade
Harvard. Atuou como principal assessor
econômico estrangeiro dos governos da
Rússia, Polônia e Bolívia.
Tradução de Clara Allain
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