São Paulo, terça-feira, 01 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

Os presidenciáveis e a crise

Não será tarefa fácil para nenhum presidente superar a crise atual. No caso de Lula, o desafio será redobrado, devido às desconfianças que ainda provoca no mercado internacional.
Há razões consistentes para dúvida, e a alta do dólar reflete isso, sim. Não adiantam "boutades", como a do deputado federal Antonio Delfim Netto (PPB-SP), de que Lula não compra nem vende dólares, e por isso a eleição nada tem a ver com a especulação internacional. É evidente que tem a ver, mesmo Lula não sendo o responsável pela fragilização das contas externas.
Seis meses atrás, quando a campanha ainda não se iniciara, Lula declarou apoio a Hugo Chávez e Fidel Castro. Meses depois, com a campanha em curso, Lula amenizou as declarações. Sustentou que o processo eleitoral é o mais adequado para conseguir conquistar o poder e as transformações de que o país necessita.
Há várias leituras possíveis. A mais assustada é que a mudança de discurso de Lula é meramente tática, visando as eleições. A mais positiva é que a primeira declaração de Lula foi como presidente-de-partido-fora-de-período-eleitoral. A segunda teria sido já sentindo o peso da responsabilidade do cargo.
Caso Lula seja eleito, o teste de são Tomé será a composição de seu ministério. Na minha opinião, pesando contatos, declarações e o jogo de forças interno do PT, a possibilidade maior é que o jogo de alianças seja para valer. Ou seja, Lula mudou. Mas há todo um trabalho a ser feito de convencimento do mercado, embora a resposta final -repito- esteja na composição do próximo ministério.
O desafio maior do próximo governo será fazer a travessia do quadro atual de crise de financiamento para um porto seguro, uma situação relativamente sob controle, para aí, então, ter condições de chegar a uma reestruturação das contas externas. É desafio em que não apenas o diagnóstico precisa estar correto como também o prazo de implantação e a administração de expectativas no período.
Há muitas dificuldades em jogo. A primeira é o futuro presidente dispor do diagnóstico correto. Não se desarma uma bomba desse teor com rompantes, mas com técnica e cuidado. Terão que ser tomadas medidas que necessariamente desagradarão ao mercado. E aí a desconfiança atrapalha. O impacto da mesma medida será diferente se adotada por um presidente recebido com desconfiança e outro com confiança pelo mercado. Esse é o lado frágil da candidatura Lula.
Em contrapartida, o PT e o país, como um todo, têm trabalhado de maneira responsável para debelar a crise. Há o jogo de oportunismo de sempre, de empresários e políticos que da noite para o dia viram petistas desde criancinhas e aderem para ficar no barco vencedor. Mas há também um contingente expressivo de empresários e analistas pesos-pesados empenhados em desmistificar o fantasma do PT na comunidade financeira internacional, pela relevante razão de que estamos todos no mesmo barco.
Outro fato positivo nessa história é que, caso eleito, Lula não assume em posição de confronto com a classe empresarial nem em clima de revanchismo em relação aos adversários.
A montagem de um ministério que reflita essa disposição do PT terá rápido efeito sobre o dólar -apesar de Lula não comprar nem vender a moeda.

Substituição de importação
Os últimos dados da balança comercial mostram o efeito do câmbio flutuante. Historicamente sempre houve uma correlação entre importação de bens intermediários e produção industrial.
No primeiro semestre deste ano a produção industrial cresceu 0,6%, e a importação de matérias-primas e de bens intermediários caiu 20%. O fato denota um rápido movimento de substituição de importações, fruto da mudança de preços relativos, afirma Octavio de Barros, economista do BBV. O que mostra o importante papel da flutuação do câmbio na decisão das empresas em direção aos produtos "tradeables" (que têm como parâmetro os preços internacionais).

E-mail - LNassif@uol.com.br


Texto Anterior: Montadoras: DaimlerChrysler demite 206 no ABC
Próximo Texto: Em transe: Negócios com dólar cotado a R$ 3,96 dão lucro ao mercado
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.