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OPINIÃO ECONÔMICA
Os mercados financeiros e o PT
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Os mercados estão dando
sinais inequívocos de uma
grande surpresa com esses primeiros dias do novo governo eleito. Muitos esperavam que um
bando de malucos esquerdistas
emergisse das urnas como o novo
governo do Brasil. As declarações
sensatas de algumas de suas lideranças mais expressivas, ao longo
da campanha eleitoral sobre os
problemas da economia do país,
foram consideradas apenas parte
de uma grande manobra para
tornar Lula mais confiável ao
eleitor. O que contava eram os
compromissos assumidos pelo
candidato com o crescimento,
com a distribuição de renda, com
o combate à fome e outros itens
de um discurso visto como padrão
de um partido populista e esquerdista.
Com essa leitura, grande parte
dos investidores resolveu apostar
no colapso de nossa economia,
ainda no restante desse complexo
ano de 2002. O Brasil foi dado como morto por muitos, e os urubus
de plantão prepararam-se para
cair com violência ainda maior
sobre os restos mortais de nossa
economia. A Argentina era considerada o nosso caminho inexorável, e a moratória externa, questão de semanas.
Com esse espírito negativo sobre
nosso futuro, resultado de uma
análise superficial de nossa economia e uma desinformação
muito grande sobre o novo PT
versão poder, não conseguiram
perceber o que estava realmente
acontecendo. Como escrevi na semana passada, apesar da crise financeira, nosso setor produtivo
está muito vivo e reagindo com
eficiência à brutal desvalorização
de nossa moeda, nos últimos meses. Ao custo de muito sacrifício e
da volta inexorável da inflação,
reduzimos de uma maneira brutal nosso déficit externo, nos últimos meses.
As previsões sobre o saldo comercial em 2002, feitas pelos melhores especialistas no acompanhamento de nossa economia, foram superadas de uma maneira
nunca vista. Dou o exemplo de
um dos maiores bancos brasileiros, conhecido por suas previsões
sempre tão corretas, que ainda
em agosto falava em um saldo comercial de US$ 3 bilhões para o
ano fechado.
Mas tudo isso foi deixado de lado, à medida que se esperava que
o PT, uma vez no poder, destruiria esse processo autônomo de
ajuste com medidas econômicas
insensatas. As previsões continuaram a ser pessimistas, e a
maioria do mercado financeiro,
aqui e no exterior, continuou
apostando no caos. Entretanto,
nos dias que antecederam o segundo turno, algumas análises
mais positivas sobre o real estado
de nossa economia começaram a
aparecer. Nada de otimismo exagerado, mas palavras de bom senso sobre as melhoras sensíveis em
nossa balança de pagamentos e os
caminhos dolorosos que poderiam ser trilhados pelo novo governo a fim de estabilizar novamente nossa situação cambial.
Merece ser citada aqui uma
análise feita pelo economista Alexandre Schwartsman, do banco
BBA. Pelo título de seu trabalho
-"J'accuse"-, percebe-se que se
trata de uma pessoa com cultura
acima da média dos economistas
de mercado. Alexandre mostrava
de maneira inquestionável a fragilidade da posição dos urubus da
moratória inevitável e estabelecia
em que condições o Brasil poderia
voltar a uma situação de normalidade. Outros técnicos brasileiros
juntaram-se ao economista do
BBA, na tarefa de mostrar saídas
factíveis de nosso imbróglio externo.
Com essas análises, uma parcela do mercado passou a moderar
seu pessimismo, e os preços de alguns dos mais importantes ativos
financeiros começaram a mostrar
uma discreta melhora. A cotação
do dólar interrompeu sua alta
monotônica, os preços das ações
negociadas no Brasil e no exterior
tiveram uma melhora expressiva,
e o chamado risco Brasil recuou
bastante.
A questão passou a ser vista então sob uma outra ótica. Havia
uma saída clara, mas ela dependeria de um amadurecimento do
presidente Lula e do abandono do
discurso populista de sua campanha. Em outras palavras, era preciso que o grupo de lideranças que
vinha tendo um contato informal
com o mercado no período anterior à eleição prevalecesse na
montagem do governo Lula. Para
tanto, precisariam de cobertura
política forte, para isolar o grupo
principal de economistas do partido, e montar uma equipe econômica com condições de continuar
com o ajuste em curso e enfrentar
o choque inflacionário que está
atingindo a economia. Crescimento da economia, diminuição
das taxas de desemprego, recuperação dos salários e outras promessas de campanha deveriam
ser colocados de lado, e a política
recessiva deveria prevalecer.
O principal interlocutor do PT
nessas conversas era o prefeito licenciado de Ribeirão Preto e
coordenador do programa de governo de Lula, Antonio Palocci.
Apesar de médico, essa liderança
emergente do partido tinha dado
amostras inequívocas para o
mercado de que havia compreendido a gravidade da situação e a
necessidade de uma política econômica que privilegiasse a estabilização macroeconômica no primeiro período do governo Lula.
Nos dias seguintes à vitória eleitoral, um novo membro importante do PT, seu presidente e deputado eleito por São Paulo, José
Dirceu, deu claras amostras de
que o grupo de Palocci não estava
isolado em sua busca de uma política econômica responsável.
Suas entrevistas mostraram um
entendimento muito claro da situação econômica e da necessidade de enfrentá-la, logo no início
do governo Lula. A terrível palavra recessão, tão satanizada pelo
partido durante os anos FHC, foi
pronunciada de maneira clara e
sem qualificações por José Dirceu
em entrevista à Rede Globo. Segundo ele, o novo governo entende que terá de administrar uma
recessão, que pode durar de seis
meses a um ano.
Essa postura corajosa do partido, depois de uma campanha
eleitoral em que foi prometido aos
brasileiros o Céu na Terra, consolidou a posição do segmento mais
otimista do mercado e levou o difícil sentimento de erro para o
segmento dos urubus. A rolagem
da dívida mobiliária do governo
está ficando mais fácil, apesar dos
juros extremamente elevados dessas operações. Na última quarta-feira, o Banco Central aceitou
uma taxa de juros anual de 45%
mais a variação da taxa de câmbio para rolar um vencimento de
mais de US$ 2 bilhões pelo prazo
de um mês. Mas conseguiu rolar
todo o valor que vencia! O chamado risco Brasil caiu bastante e
chegou a 1.700 pontos, contra os
mais de 2.500 que prevaleciam
antes dessa aragem de otimismo.
O real iniciou um movimento de
valorização, passando de quase
R$ 4 por dólar, no momento de
maior pessimismo, para R$ 3,70,
no momento em que escrevo esta
coluna.
O próximo evento importante
nessa batalha pela volta da credibilidade do país será o anúncio
da nova equipe econômica. O PT
terá de encontrar pessoas confiáveis, certamente fora dos quadros
do partido, para comandar o Ministério da Fazenda e o Banco
Central. Qualquer erro nessas indicações poderá destruir esse respiro de otimismo que estamos vivendo e conduzir a economia para um novo mergulho em direção
ao caos. Não podemos esquecer
que os urubus estão perdendo dinheiro e esse pessoal não gosta
disso. Vão tentar a qualquer custo
colocar o Brasil na direção de
suas previsões. Não tenho dúvida
de que vamos viver dias decisivos
para o futuro de todos nós.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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