São Paulo, sexta-feira, 01 de novembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os mercados financeiros e o PT

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Os mercados estão dando sinais inequívocos de uma grande surpresa com esses primeiros dias do novo governo eleito. Muitos esperavam que um bando de malucos esquerdistas emergisse das urnas como o novo governo do Brasil. As declarações sensatas de algumas de suas lideranças mais expressivas, ao longo da campanha eleitoral sobre os problemas da economia do país, foram consideradas apenas parte de uma grande manobra para tornar Lula mais confiável ao eleitor. O que contava eram os compromissos assumidos pelo candidato com o crescimento, com a distribuição de renda, com o combate à fome e outros itens de um discurso visto como padrão de um partido populista e esquerdista.
Com essa leitura, grande parte dos investidores resolveu apostar no colapso de nossa economia, ainda no restante desse complexo ano de 2002. O Brasil foi dado como morto por muitos, e os urubus de plantão prepararam-se para cair com violência ainda maior sobre os restos mortais de nossa economia. A Argentina era considerada o nosso caminho inexorável, e a moratória externa, questão de semanas.
Com esse espírito negativo sobre nosso futuro, resultado de uma análise superficial de nossa economia e uma desinformação muito grande sobre o novo PT versão poder, não conseguiram perceber o que estava realmente acontecendo. Como escrevi na semana passada, apesar da crise financeira, nosso setor produtivo está muito vivo e reagindo com eficiência à brutal desvalorização de nossa moeda, nos últimos meses. Ao custo de muito sacrifício e da volta inexorável da inflação, reduzimos de uma maneira brutal nosso déficit externo, nos últimos meses.
As previsões sobre o saldo comercial em 2002, feitas pelos melhores especialistas no acompanhamento de nossa economia, foram superadas de uma maneira nunca vista. Dou o exemplo de um dos maiores bancos brasileiros, conhecido por suas previsões sempre tão corretas, que ainda em agosto falava em um saldo comercial de US$ 3 bilhões para o ano fechado.
Mas tudo isso foi deixado de lado, à medida que se esperava que o PT, uma vez no poder, destruiria esse processo autônomo de ajuste com medidas econômicas insensatas. As previsões continuaram a ser pessimistas, e a maioria do mercado financeiro, aqui e no exterior, continuou apostando no caos. Entretanto, nos dias que antecederam o segundo turno, algumas análises mais positivas sobre o real estado de nossa economia começaram a aparecer. Nada de otimismo exagerado, mas palavras de bom senso sobre as melhoras sensíveis em nossa balança de pagamentos e os caminhos dolorosos que poderiam ser trilhados pelo novo governo a fim de estabilizar novamente nossa situação cambial.
Merece ser citada aqui uma análise feita pelo economista Alexandre Schwartsman, do banco BBA. Pelo título de seu trabalho -"J'accuse"-, percebe-se que se trata de uma pessoa com cultura acima da média dos economistas de mercado. Alexandre mostrava de maneira inquestionável a fragilidade da posição dos urubus da moratória inevitável e estabelecia em que condições o Brasil poderia voltar a uma situação de normalidade. Outros técnicos brasileiros juntaram-se ao economista do BBA, na tarefa de mostrar saídas factíveis de nosso imbróglio externo.
Com essas análises, uma parcela do mercado passou a moderar seu pessimismo, e os preços de alguns dos mais importantes ativos financeiros começaram a mostrar uma discreta melhora. A cotação do dólar interrompeu sua alta monotônica, os preços das ações negociadas no Brasil e no exterior tiveram uma melhora expressiva, e o chamado risco Brasil recuou bastante.
A questão passou a ser vista então sob uma outra ótica. Havia uma saída clara, mas ela dependeria de um amadurecimento do presidente Lula e do abandono do discurso populista de sua campanha. Em outras palavras, era preciso que o grupo de lideranças que vinha tendo um contato informal com o mercado no período anterior à eleição prevalecesse na montagem do governo Lula. Para tanto, precisariam de cobertura política forte, para isolar o grupo principal de economistas do partido, e montar uma equipe econômica com condições de continuar com o ajuste em curso e enfrentar o choque inflacionário que está atingindo a economia. Crescimento da economia, diminuição das taxas de desemprego, recuperação dos salários e outras promessas de campanha deveriam ser colocados de lado, e a política recessiva deveria prevalecer.
O principal interlocutor do PT nessas conversas era o prefeito licenciado de Ribeirão Preto e coordenador do programa de governo de Lula, Antonio Palocci. Apesar de médico, essa liderança emergente do partido tinha dado amostras inequívocas para o mercado de que havia compreendido a gravidade da situação e a necessidade de uma política econômica que privilegiasse a estabilização macroeconômica no primeiro período do governo Lula.
Nos dias seguintes à vitória eleitoral, um novo membro importante do PT, seu presidente e deputado eleito por São Paulo, José Dirceu, deu claras amostras de que o grupo de Palocci não estava isolado em sua busca de uma política econômica responsável. Suas entrevistas mostraram um entendimento muito claro da situação econômica e da necessidade de enfrentá-la, logo no início do governo Lula. A terrível palavra recessão, tão satanizada pelo partido durante os anos FHC, foi pronunciada de maneira clara e sem qualificações por José Dirceu em entrevista à Rede Globo. Segundo ele, o novo governo entende que terá de administrar uma recessão, que pode durar de seis meses a um ano.
Essa postura corajosa do partido, depois de uma campanha eleitoral em que foi prometido aos brasileiros o Céu na Terra, consolidou a posição do segmento mais otimista do mercado e levou o difícil sentimento de erro para o segmento dos urubus. A rolagem da dívida mobiliária do governo está ficando mais fácil, apesar dos juros extremamente elevados dessas operações. Na última quarta-feira, o Banco Central aceitou uma taxa de juros anual de 45% mais a variação da taxa de câmbio para rolar um vencimento de mais de US$ 2 bilhões pelo prazo de um mês. Mas conseguiu rolar todo o valor que vencia! O chamado risco Brasil caiu bastante e chegou a 1.700 pontos, contra os mais de 2.500 que prevaleciam antes dessa aragem de otimismo. O real iniciou um movimento de valorização, passando de quase R$ 4 por dólar, no momento de maior pessimismo, para R$ 3,70, no momento em que escrevo esta coluna.
O próximo evento importante nessa batalha pela volta da credibilidade do país será o anúncio da nova equipe econômica. O PT terá de encontrar pessoas confiáveis, certamente fora dos quadros do partido, para comandar o Ministério da Fazenda e o Banco Central. Qualquer erro nessas indicações poderá destruir esse respiro de otimismo que estamos vivendo e conduzir a economia para um novo mergulho em direção ao caos. Não podemos esquecer que os urubus estão perdendo dinheiro e esse pessoal não gosta disso. Vão tentar a qualquer custo colocar o Brasil na direção de suas previsões. Não tenho dúvida de que vamos viver dias decisivos para o futuro de todos nós.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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