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São Paulo, sábado, 01 de novembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O espetáculo de 2004

GESNER OLIVEIRA

A recuperação está em marcha. As empresas estão revendo seus orçamentos. Os votos para 2004 serão mais confiantes. Muita gente vai dizer "Feliz 2004" pensando em 2000, ano pré-apagão e no qual as torres do World Trade Center, tidas como eternas e inexpugnáveis, ainda faziam parte de Manhattan. E ano em que o Brasil cresceu 4,6%.
A ata do Copom (Comitê de Política Monetária), divulgada nesta semana, decretou o fim da recessão. Segundo o documento, "os indicadores referentes ao nível de atividade divulgados desde a reunião do Copom em setembro confirmam o cenário de recuperação da economia com que o Copom vinha trabalhando nos últimos meses".
O indicador de nível de atividade da Fiesp apontou crescimento de 6% em setembro em relação ao mês anterior, já considerando o ajuste sazonal. Comparativamente a setembro do ano passado, a expansão foi de 5,5%. O índice de confiança do empresário industrial, medido pela CNI, subiu de 51,9 em julho para 55,7 em outubro. No sentido contrário, as intenções de gasto do consumidor, medidas pela Fecomercio, recuaram um pouco em outubro (2,6%).
A Sondagem Conjuntural da Indústria da Transformação, elaborada pela Fundação Getúlio Vargas, revelou que, no terceiro trimestre, a parcela de empresários consultados que acreditavam que a demanda estava "forte" cresceu de 8% em julho para 16% em outubro; e o percentual daqueles que consideravam a demanda fraca caiu de 42% para 15% no mesmo período. A mesma sondagem mostrou que o percentual de empresas que pretendem empregar mais no futuro cresceu de 19% em julho para 24% em outubro.
Ao Norte e ao Sul, as notícias da economia mundial são boas. Os EUA voltaram a surpreender favoravelmente, registrando crescimento anualizado de 7,2% do PIB no terceiro trimestre. Embora a retomada aponte um aumento dos juros internacionais no futuro, o impulso que a maior economia do mundo dá à produção, ao comércio e aos investimentos internacionais é dominante.
Por sua vez, a economia argentina parece uma montanha-russa. Chegou ao fundo do poço com uma queda de 10,9% do PIB em 2002, deve crescer algo em torno de 7% neste ano e um pouco mais de 5% em 2004. Na esteira dessa retomada, crescerá o comércio intra-Mercosul, representando estímulo para as exportações brasileiras. Mesmo o Japão acusa recuperação, com um crescimento esperado de 2,1% neste ano e com melhores perspectivas para 2004.
Nessas circunstâncias, não há chance de o Brasil não crescer um pouco em 2004, algo em torno de 3%. Muito aquém do desejado e necessário para gerar empregos, mas além do mirrado 0,5% de 2003.
A fase inicial da recuperação é a mais fácil. A produção aumenta rapidamente, ocupando a capacidade instalada. Como a ociosidade é grande, não há pressão forte sobre custos. Embora a situação do mercado de trabalho melhore, o emprego demora para reagir, e as taxas de desemprego permanecem elevadas. A produção cresce rápido, elevando a produtividade da mão-de-obra.
No entanto, depois de algum tempo, entre 18 e 24 meses, os problemas voltam a aparecer. A rápida ocupação de capacidade de segmentos importantes de matéria-prima coloca maior pressão de custo. Por sua vez, as importações tendem a crescer rapidamente com o aumento da produção e parcela da produção hoje exportada passa a ser destinada ao mercado doméstico, diminuindo o saldo comercial e a posição, hoje confortável, do saldo em transações correntes.
Por fim, com o reaquecimento, começam a ser sentidos os efeitos da precária infra-estrutura do país, especialmente em energia elétrica, transporte rodoviário e o sistema portuário. Nessas condições, a economia volta a se tornar vulnerável, e qualquer soluço no mercado internacional representa nova crise.
Para evitar que a atual recuperação seja abortada em pouco tempo, é preciso adotar providências agora, quando há mais margem de manobra. Antes de mais nada, é preciso afastar a fé cega de que tudo vai ser resolvido quando as reformas forem aprovadas. Essas últimas são necessárias, mas não suficientes para colocar o Brasil em rota de crescimento sustentado.
O problema maior reside na falta de estímulo ao investimento. Em relação a esse último, a mesma ata do Copom registra que a importação de bens de capital recuou cerca de 35% até agosto de 2003, comparativamente a igual período do ano passado. Segundo o mesmo texto do Copom, o total de financiamento para inversões de médio e longo prazo, concedidos pelo BNDES, caiu 31% em 2003!
A retomada do investimento está a exigir definição de prioridades e regras claras e estáveis e não sujeitas a interferência política. Mas, até agora, o governo emitiu sinais na direção oposta.
Os momentos de melhora da atividade econômica constituem janelas de oportunidade. Algumas mudanças se tornam mais fáceis nesses momentos em que o bolo está crescendo -ou pelo menos não está diminuindo. Mas é preciso saber o que e como fazer.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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