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OPINIÃO ECONÔMICA
O espetáculo de 2004
GESNER OLIVEIRA
A recuperação está em
marcha. As empresas estão
revendo seus orçamentos. Os votos para 2004 serão mais confiantes. Muita gente vai dizer "Feliz
2004" pensando em 2000, ano
pré-apagão e no qual as torres do
World Trade Center, tidas como
eternas e inexpugnáveis, ainda
faziam parte de Manhattan. E
ano em que o Brasil cresceu 4,6%.
A ata do Copom (Comitê de Política Monetária), divulgada nesta semana, decretou o fim da recessão. Segundo o documento,
"os indicadores referentes ao nível de atividade divulgados desde
a reunião do Copom em setembro confirmam o cenário de recuperação da economia com que o
Copom vinha trabalhando nos
últimos meses".
O indicador de nível de atividade da Fiesp apontou crescimento
de 6% em setembro em relação
ao mês anterior, já considerando
o ajuste sazonal. Comparativamente a setembro do ano passado, a expansão foi de 5,5%. O índice de confiança do empresário
industrial, medido pela CNI, subiu de 51,9 em julho para 55,7 em
outubro. No sentido contrário, as
intenções de gasto do consumidor, medidas pela Fecomercio, recuaram um pouco em outubro
(2,6%).
A Sondagem Conjuntural da
Indústria da Transformação, elaborada pela Fundação Getúlio
Vargas, revelou que, no terceiro
trimestre, a parcela de empresários consultados que acreditavam
que a demanda estava "forte"
cresceu de 8% em julho para 16%
em outubro; e o percentual daqueles que consideravam a demanda fraca caiu de 42% para
15% no mesmo período. A mesma sondagem mostrou que o percentual de empresas que pretendem empregar mais no futuro
cresceu de 19% em julho para
24% em outubro.
Ao Norte e ao Sul, as notícias da
economia mundial são boas. Os
EUA voltaram a surpreender favoravelmente, registrando crescimento anualizado de 7,2% do
PIB no terceiro trimestre. Embora a retomada aponte um aumento dos juros internacionais
no futuro, o impulso que a maior
economia do mundo dá à produção, ao comércio e aos investimentos internacionais é dominante.
Por sua vez, a economia argentina parece uma montanha-russa. Chegou ao fundo do poço com
uma queda de 10,9% do PIB em
2002, deve crescer algo em torno
de 7% neste ano e um pouco mais
de 5% em 2004. Na esteira dessa
retomada, crescerá o comércio
intra-Mercosul, representando
estímulo para as exportações brasileiras. Mesmo o Japão acusa recuperação, com um crescimento
esperado de 2,1% neste ano e com
melhores perspectivas para 2004.
Nessas circunstâncias, não há
chance de o Brasil não crescer um
pouco em 2004, algo em torno de
3%. Muito aquém do desejado e
necessário para gerar empregos,
mas além do mirrado 0,5% de
2003.
A fase inicial da recuperação é
a mais fácil. A produção aumenta rapidamente, ocupando a capacidade instalada. Como a ociosidade é grande, não há pressão
forte sobre custos. Embora a situação do mercado de trabalho
melhore, o emprego demora para
reagir, e as taxas de desemprego
permanecem elevadas. A produção cresce rápido, elevando a produtividade da mão-de-obra.
No entanto, depois de algum
tempo, entre 18 e 24 meses, os problemas voltam a aparecer. A rápida ocupação de capacidade de
segmentos importantes de matéria-prima coloca maior pressão
de custo. Por sua vez, as importações tendem a crescer rapidamente com o aumento da produção e parcela da produção hoje
exportada passa a ser destinada
ao mercado doméstico, diminuindo o saldo comercial e a posição, hoje confortável, do saldo
em transações correntes.
Por fim, com o reaquecimento,
começam a ser sentidos os efeitos
da precária infra-estrutura do
país, especialmente em energia
elétrica, transporte rodoviário e o
sistema portuário. Nessas condições, a economia volta a se tornar
vulnerável, e qualquer soluço no
mercado internacional representa nova crise.
Para evitar que a atual recuperação seja abortada em pouco
tempo, é preciso adotar providências agora, quando há mais margem de manobra. Antes de mais
nada, é preciso afastar a fé cega
de que tudo vai ser resolvido
quando as reformas forem aprovadas. Essas últimas são necessárias, mas não suficientes para colocar o Brasil em rota de crescimento sustentado.
O problema maior reside na falta de estímulo ao investimento.
Em relação a esse último, a mesma ata do Copom registra que a
importação de bens de capital recuou cerca de 35% até agosto de
2003, comparativamente a igual
período do ano passado. Segundo
o mesmo texto do Copom, o total
de financiamento para inversões
de médio e longo prazo, concedidos pelo BNDES, caiu 31% em
2003!
A retomada do investimento está a exigir definição de prioridades e regras claras e estáveis e não
sujeitas a interferência política.
Mas, até agora, o governo emitiu
sinais na direção oposta.
Os momentos de melhora da
atividade econômica constituem
janelas de oportunidade. Algumas mudanças se tornam mais
fáceis nesses momentos em que o
bolo está crescendo -ou pelo menos não está diminuindo. Mas é
preciso saber o que e como fazer.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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