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ANÁLISE
Um trimestre e tanto
PAUL KRUGMAN
O Departamento de Comércio dos EUA anuncia
um crescimento muito bom no
trimestre. Muitos declaram que
os problemas da economia acabaram, e os defensores do governo
afirmam que a virada econômica
endossa suas políticas.
Isso foi o que aconteceu 18 meses atrás, quando uma estimativa
preliminar situou o crescimento
no primeiro trimestre de 2002 em
5,8%. Mais tarde foi revisado para
5%. Mais importante, o crescimento no trimestre seguinte despencou para 1,3%, e hoje sabemos
que a economia não estava realmente saudável: depois daquele
breve surto, o país perdeu mais
600 mil empregos.
A mesma história se desenrolou
no terceiro trimestre de 2002,
quando o crescimento subiu para
4% e a economia realmente ganhou 200 mil empregos. Mas o
crescimento caiu novamente para
1,4% e o desemprego continuou.
Meu objetivo não é macular o
impressionante crescimento estimado de 7,2% para o terceiro trimestre de 2003. É acentuar o óbvio: tivemos nossas esperanças
frustradas no passado, e resta ver
se esta é apenas mais uma maravilha isolada.
A fraqueza daquele surto 18 meses atrás era evidente. Metade do
crescimento ocorreu simplesmente porque as empresas, tendo
esgotado seus estoques no trimestre anterior, precisaram aumentar
a produção mesmo que a demanda estivesse desacelerando. Desta
vez o crescimento tem uma base
muito melhor: a demanda final,
que exclui alterações de estoques,
realmente cresceu mais depressa
que o PIB. Por isso é improvável
que o crescimento caia tão acentuadamente como naquela época.
Mas -você sabia que haveria
um "mas"- ainda há motivos
para nos perguntarmos se a economia dobrou a esquina.
Embora tenha havido uma significativa recuperação no investimento, o grosso do crescimento
foi causado por um enorme aumento dos gastos do consumidor,
com uma ajuda da habitação.
Esses componentes permaneceram fortes mesmo quando a economia estava fraca, por isso não
deveria ter havido uma demanda
acentuada. Mas a habitação cresceu a um índice de 20%, enquanto
os gastos em bens de consumo
duráveis (coisas como carros e televisores) -que no ano passado
cresceram três vezes mais que a
economia- aumentaram a um
índice incrível de 27%.
Isso não pode continuar -no
longo prazo, os gastos do consumidor não podem superar o crescimento da renda. Stephen
Roach, economista-chefe do banco Morgan Stanley, sugeriu, de
maneira plausível, que grande
parte dos gastos do consumidor
foram "emprestados" do futuro:
os consumidores aproveitaram o
financiamento com juros baixos,
o dinheiro de refinanciamento de
hipotecas e os cheques de restituição do imposto de renda para acelerar as compras que teriam feito
mais tarde. Se ele estiver certo,
nos próximos meses veremos um
crescimento mais lento.
A grande pergunta, é claro, são
os empregos. Apesar de todo o
crescimento no trimestre, o número de empregos realmente
caiu. Os novos pedidos de seguro-desemprego, um dos principais
indicadores do mercado de trabalho, ainda não dão sinais de um
boom de contratações.
A menos que comece um verdadeiro aumento de empregos, um
aumento dos empregos em folha
de pagamento de mais de 200 mil
por mês, os gastos do consumidor
acabarão caindo e levando consigo o crescimento.
Ainda assim, é possível que realmente tenhamos atingido um
ponto de virada. Nesse caso, o
programa econômico de Bush fica legitimado? Bem... não.
Estimular a economia no curto
prazo é supostamente fácil, desde
que você não tenha de se preocupar muito com o volume de dívidas que contrai no processo.
Para colocar mais claramente:
seria um verdadeiro truque ter o
maior déficit orçamentário da
história do planeta e ainda assim
terminar um mandato presidencial com menos empregos do que
no início. E, apesar da boa notícia
de anteontem sobre o crescimento no PIB, esse é um truque que o
presidente Bush ainda parece capaz de executar.
Paul Krugman, economista e professor da Universidade Princeton (EUA), é colunista do "New York Times".
Tradução de Luiz Roberto Gonçalves
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