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São Paulo, sábado, 01 de novembro de 2003

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ANÁLISE

Um trimestre e tanto

PAUL KRUGMAN

O Departamento de Comércio dos EUA anuncia um crescimento muito bom no trimestre. Muitos declaram que os problemas da economia acabaram, e os defensores do governo afirmam que a virada econômica endossa suas políticas.
Isso foi o que aconteceu 18 meses atrás, quando uma estimativa preliminar situou o crescimento no primeiro trimestre de 2002 em 5,8%. Mais tarde foi revisado para 5%. Mais importante, o crescimento no trimestre seguinte despencou para 1,3%, e hoje sabemos que a economia não estava realmente saudável: depois daquele breve surto, o país perdeu mais 600 mil empregos.
A mesma história se desenrolou no terceiro trimestre de 2002, quando o crescimento subiu para 4% e a economia realmente ganhou 200 mil empregos. Mas o crescimento caiu novamente para 1,4% e o desemprego continuou.
Meu objetivo não é macular o impressionante crescimento estimado de 7,2% para o terceiro trimestre de 2003. É acentuar o óbvio: tivemos nossas esperanças frustradas no passado, e resta ver se esta é apenas mais uma maravilha isolada.
A fraqueza daquele surto 18 meses atrás era evidente. Metade do crescimento ocorreu simplesmente porque as empresas, tendo esgotado seus estoques no trimestre anterior, precisaram aumentar a produção mesmo que a demanda estivesse desacelerando. Desta vez o crescimento tem uma base muito melhor: a demanda final, que exclui alterações de estoques, realmente cresceu mais depressa que o PIB. Por isso é improvável que o crescimento caia tão acentuadamente como naquela época.
Mas -você sabia que haveria um "mas"- ainda há motivos para nos perguntarmos se a economia dobrou a esquina.
Embora tenha havido uma significativa recuperação no investimento, o grosso do crescimento foi causado por um enorme aumento dos gastos do consumidor, com uma ajuda da habitação.
Esses componentes permaneceram fortes mesmo quando a economia estava fraca, por isso não deveria ter havido uma demanda acentuada. Mas a habitação cresceu a um índice de 20%, enquanto os gastos em bens de consumo duráveis (coisas como carros e televisores) -que no ano passado cresceram três vezes mais que a economia- aumentaram a um índice incrível de 27%.
Isso não pode continuar -no longo prazo, os gastos do consumidor não podem superar o crescimento da renda. Stephen Roach, economista-chefe do banco Morgan Stanley, sugeriu, de maneira plausível, que grande parte dos gastos do consumidor foram "emprestados" do futuro: os consumidores aproveitaram o financiamento com juros baixos, o dinheiro de refinanciamento de hipotecas e os cheques de restituição do imposto de renda para acelerar as compras que teriam feito mais tarde. Se ele estiver certo, nos próximos meses veremos um crescimento mais lento.
A grande pergunta, é claro, são os empregos. Apesar de todo o crescimento no trimestre, o número de empregos realmente caiu. Os novos pedidos de seguro-desemprego, um dos principais indicadores do mercado de trabalho, ainda não dão sinais de um boom de contratações.
A menos que comece um verdadeiro aumento de empregos, um aumento dos empregos em folha de pagamento de mais de 200 mil por mês, os gastos do consumidor acabarão caindo e levando consigo o crescimento.
Ainda assim, é possível que realmente tenhamos atingido um ponto de virada. Nesse caso, o programa econômico de Bush fica legitimado? Bem... não.
Estimular a economia no curto prazo é supostamente fácil, desde que você não tenha de se preocupar muito com o volume de dívidas que contrai no processo.
Para colocar mais claramente: seria um verdadeiro truque ter o maior déficit orçamentário da história do planeta e ainda assim terminar um mandato presidencial com menos empregos do que no início. E, apesar da boa notícia de anteontem sobre o crescimento no PIB, esse é um truque que o presidente Bush ainda parece capaz de executar.


Paul Krugman, economista e professor da Universidade Princeton (EUA), é colunista do "New York Times".

Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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