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OPINIÃO ECONÔMICA
Intoxicação, alienação e escassez
DOMÉRIO NASSAR DE OLIVEIRA
É forte a convicção de que a
economia brasileira necessita
acumular poupança para poder
financiar seu crescimento. Boa
parte da mídia e dos homens públicos se apóiam na conveniência
desse mito para ir acomodando
imobilismo ante a vigilância do
establishment.
Prega-se a necessidade de poupança sem que se explique de onde virá: se dos trabalhadores, cuja
renda vem caindo continuamente, ou se das empresas, com margens cada vez mais reduzidas para disputar mercados que se estreitam. Afirma-se a disciplina do
superávit orçamentário ("poupança pública") sem que se explique de onde devem continuar
provindo os recursos num contexto de desaceleração sob juros em
alta.
Pouco se fala da necessidade de
aumento da base de arrecadação
como meio mais natural para que
a disciplina nos orçamentos públicos possa se sustentar ao longo
do tempo. Não se traz à tona
aquilo que mais interessa discutir: como superar o dilema de
uma escassez orçamentária que
tende a se acentuar se a orientação para mudá-la se resumir ao
aumento de impostos ou ao corte
de gastos que irão murchar ainda
mais a demanda por bens e serviços da iniciativa privada.
Podem ser muitas as razões que
legitimam orientações frágeis em
seu âmago. Mas o reducionismo
explicativo que submete o crescimento à preexistência de poupança pública ou privada também
tem raízes teóricas profundas.
Advém do pressuposto, obsoleto
no tempo e no espaço, de que a
economia sempre esgota o uso de
recursos escassos diante da demanda socioeconômica. De tal
forma que a sociedade precisaria
decidir se produz "mais manteiga
e menos canhões" ou "mais canhões e menos manteiga", lembrando primeiras e insossas lições
dos manuais teóricos que nos intoxicaram. Para produzir bens de
investimento, precisaríamos poupar e disponibilizar recursos físicos que se destinariam à produção de bens de consumo, e assim
por diante. Afinal, sendo escassos,
haveria sempre que se decidir por
exclusão.
Inocente na aparência, é esse
substrato que, reforçado por teses
monetaristas em sua transposição à gestão financeira do país,
acaba por fazer com que o princípio de escassez preconizado se auto-realize. Não só por desconsiderar a ociosidade de meios de produção, mas também por suprimir
a compreensão de que economia
é movimento e interdependência.
Excluir consumo para, via poupança, prover investimentos são
diretrizes estanques, que tendem
a se neutralizar. Conflitam com a
dinâmica de uma realidade interdependente: deixar de consumir,
poupar e cortar gastos públicos,
por um lado, implica deixar de
vender, perder lucros e cortar arrecadação, por outro.
Daí que promover crescimento
não pressupõe excluir ou reduzir,
mas sim avançar com segurança.
Poupar, em detrimento do consumo, não é condição prévia para se
desenvolver. A condição básica é
direcionar, sem descontrole inflacionário, fluxos de crédito para
circuitos especiais de oferta e demanda, que se tornem eixos de
competitividade, estratégicos ao
desenvolvimento brasileiro.
Nesse sentido, a principal reforma a se promover é, efetivamente,
a revisão de algumas das atuais
regras de gestão creditícia e monetária que nos extraviam quanto às reais possibilidades do Brasil, país onde a fartura de recursos
físicos, potencializada por tecnologias que revolucionam índices
de produtividade, ressalta a incongruência dos pressupostos
econômicos que nos constrangem.
Em vez de só ficar na retranca,
refém de um orçamento que paga
juros elevados às carteiras de títulos públicos, lastros para retenção
antiinflacionária da moeda eletrônica em valorização improdutiva nos computadores bancários,
o Tesouro também deveria fazer
lançamentos à frente, abrindo
condições para a iniciativa privada desenvolver mercados que têm
tudo para crescer. Por que não
emitir dívida pública para pagar
parte dos juros, equalizando taxas àquelas praticadas no exterior, nos empréstimos a se expandir ao agronegócio, à utilização
dos combustíveis de origem vegetal, à construção civil e aos demais setores que agreguem valor
ao saldo comercial externo?
Não seria uma boa maneira de
o Estado reduzir a relação dívida/PIB, emitindo valor de dívida
bem menor do que o produto a
gerar, compromissado com o total
do empréstimo a ser pago depois
de ser vendido em mercado? Não
seria uma forma de administração creditícia e monetária que
poderia contribuir para melhor
sintonia do atual regime de metas
de inflação, que pune a todos os
setores com elevações gerais de juros, sem distinção daqueles que,
não a pressionando, poderiam
acrescentar mais produto e arrecadação do que dívida ao país?
Para isso é preciso desintoxicar,
exorcizar o dogma opressivo que
atribui ao sistema financeiro a
condição de simples intermediário de recursos entre poupadores e
tomadores de empréstimos. Essa
idéia, que se amolda aos postulados de escassez e poupança, reforça a reverência a um mundo do
"faz-de-conta". Que resiste à evidência de serem os bancos os
maiores emissores ou anuladores
de moeda, inibindo a percepção
de que, dependendo da política
econômica, um desses atributos
pode vir a prevalecer sobre o outro. Um mundo fetichizado, que
impõe escassez e sofrimento ao
nos alienar da necessidade de formulações criativas que estimulem
a emissão e circulação da moeda
eletrônica bancária para mobilizar, via mercado, produção, emprego e consumo em abundância.
Domério Nassar de Oliveira, 46, é economista e diretor financeiro da Companhia de Processamento de Dados do Município de São Paulo (Prodam).
E-mail -
domerio@prodam.sp.gov.br
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Paulo Nogueira Batista
Jr., que escreve às quintas-feiras nesta
coluna.
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