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LUÍS NASSIF
Planejamento, slogan e método
É curiosa a discussão sobre
planejamento estratégico,
quando eivada de viés ideológico. Na edição de ontem da Folha, o sociólogo e ex-ministro da
Cultura Francisco Weffort escreveu um artigo imperdível, "Democracia e Conservadorismo".
Nele, traça um roteiro competente de como as esquerdas mudaram e mudaram o Brasil, a
partir do governo Fernando
Henrique Cardoso e da eleição
de Lula.
No entanto, ironiza as críticas
dos que apontam em FHC a falta de visão estratégica. Weffort
usa a expressão "apagão estratégico" para definir o estilo de
FHC de "governar sem mobilizar", ou mobilizando o mínimo.
Anos atrás, quando Vicente
Fox foi eleito presidente do México, tentei identificar diferenças entre ele e FHC. Para mim,
Fox é o modelo de estadista do
terceiro milênio; FHC o estadista esclarecido, mas do século 19.
Não é pouco, mas não é tudo.
FHC sempre esteve mais para
um dom Pedro 2º ou, mais precisamente, para um José Bonifácio do que para um estadista do
século 21, com realidades muito
mais complexas e exigindo ação
muito mais dinâmica.
O "governar sem mobilizar"
de FHC equivalia aos princípios
de José Bonifácio, de que um
projeto de país deveria derivar
de uma cabeça iluminada apenas, para depois ser discutida
por outras, evitando impasses
políticos e dispersões. Só que o
país de José Bonifácio era pré-Independência, um país com todas as instituições por fazer e
poucos cérebros para pensar. E o
de FHC é uma potência industrial emergente, em um cenário
de ampla competição comercial
global.
A maneira como Weffort -e
os acadêmicos ideológicos em
geral- vê o planejamento estratégico é meramente como
instrumento de mobilização popular, uma bandeira política,
não como ferramenta de gestão
visando coordenar ações de desenvolvimento. Ou seja, ao abrir
mão de modernas ferramentas
de gestão, FHC estaria fazendo
uma opção política.
Não é por aí. Já se vão longe os
dias em que o papel do estadista
era meramente definir um modelo político-institucional para
o país, ou uma estratégia geopolítica. Um Estado moderno é
imensamente mais complexo do
que foi a Inglaterra de Churchill
ou a França de De Gaulle. Não
se trata mais de meramente definir alianças ou modelos políticos, mas vocações econômicas,
vantagens comparativas, correção de vulnerabilidades etc.
Essa é a diferença básica entre
as velhas repúblicas européias e
as economias emergentes asiáticas. E essa é a diferença básica
de FHC para Vicente Fox.
Desde sua gestão como governador de um Estado pobre do
México, Fox utilizou todo o ferramental de planejamento estratégico. Definiu que o objetivo
de sua gestão seria reduzir a miséria e melhorar a vida em geral
de seus cidadãos. E que o meio
para isso seria inserir a economia local na economia global. A
partir daí, definiu metas, objetivos, planos de ação.
Se, como o último dos iluministas, FHC jamais recorreu ou
entendeu esse processo (passou a
prestar mais atenção no final do
seu governo, quando percebeu
os resultados do PPA), não há
ainda sinais concretos de que os
ideólogos do governo Lula dominem o conceito. É cedíssimo
para avaliações mais precisas,
mas por enquanto o conceito de
"planejamento estratégico" tem
sido usado do mesmo modo que
foi entendido por Weffort em
seu artigo: como bandeira política, da mesma maneira que, em
outros tempos, fechamento de
mercado, estatização, lei de informática se transformaram em
bandeiras com vida própria, independentes dos objetivos a que
deveriam estar ligadas.
O planejamento estratégico
não consiste apenas em definir
um objetivo (por exemplo, integração continental). Trata-se de
definir os grandes objetivos nacionais em toda a sua complexidade. É instrumento para tratar
e organizar realidades complexas. Se se voltar à velha cantilena de que um país se faz apenas
com fechamento ou abertura da
economia, com "livre mercadismo" ou protecionismo, não se
irá a lugar nenhum.
Que a retórica dos intelectuais
do partido não comprometa a
idéia.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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