São Paulo, quinta-feira, 02 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

Planejamento, slogan e método

É curiosa a discussão sobre planejamento estratégico, quando eivada de viés ideológico. Na edição de ontem da Folha, o sociólogo e ex-ministro da Cultura Francisco Weffort escreveu um artigo imperdível, "Democracia e Conservadorismo". Nele, traça um roteiro competente de como as esquerdas mudaram e mudaram o Brasil, a partir do governo Fernando Henrique Cardoso e da eleição de Lula.
No entanto, ironiza as críticas dos que apontam em FHC a falta de visão estratégica. Weffort usa a expressão "apagão estratégico" para definir o estilo de FHC de "governar sem mobilizar", ou mobilizando o mínimo.
Anos atrás, quando Vicente Fox foi eleito presidente do México, tentei identificar diferenças entre ele e FHC. Para mim, Fox é o modelo de estadista do terceiro milênio; FHC o estadista esclarecido, mas do século 19. Não é pouco, mas não é tudo.
FHC sempre esteve mais para um dom Pedro 2º ou, mais precisamente, para um José Bonifácio do que para um estadista do século 21, com realidades muito mais complexas e exigindo ação muito mais dinâmica.
O "governar sem mobilizar" de FHC equivalia aos princípios de José Bonifácio, de que um projeto de país deveria derivar de uma cabeça iluminada apenas, para depois ser discutida por outras, evitando impasses políticos e dispersões. Só que o país de José Bonifácio era pré-Independência, um país com todas as instituições por fazer e poucos cérebros para pensar. E o de FHC é uma potência industrial emergente, em um cenário de ampla competição comercial global.
A maneira como Weffort -e os acadêmicos ideológicos em geral- vê o planejamento estratégico é meramente como instrumento de mobilização popular, uma bandeira política, não como ferramenta de gestão visando coordenar ações de desenvolvimento. Ou seja, ao abrir mão de modernas ferramentas de gestão, FHC estaria fazendo uma opção política.
Não é por aí. Já se vão longe os dias em que o papel do estadista era meramente definir um modelo político-institucional para o país, ou uma estratégia geopolítica. Um Estado moderno é imensamente mais complexo do que foi a Inglaterra de Churchill ou a França de De Gaulle. Não se trata mais de meramente definir alianças ou modelos políticos, mas vocações econômicas, vantagens comparativas, correção de vulnerabilidades etc.
Essa é a diferença básica entre as velhas repúblicas européias e as economias emergentes asiáticas. E essa é a diferença básica de FHC para Vicente Fox.
Desde sua gestão como governador de um Estado pobre do México, Fox utilizou todo o ferramental de planejamento estratégico. Definiu que o objetivo de sua gestão seria reduzir a miséria e melhorar a vida em geral de seus cidadãos. E que o meio para isso seria inserir a economia local na economia global. A partir daí, definiu metas, objetivos, planos de ação.
Se, como o último dos iluministas, FHC jamais recorreu ou entendeu esse processo (passou a prestar mais atenção no final do seu governo, quando percebeu os resultados do PPA), não há ainda sinais concretos de que os ideólogos do governo Lula dominem o conceito. É cedíssimo para avaliações mais precisas, mas por enquanto o conceito de "planejamento estratégico" tem sido usado do mesmo modo que foi entendido por Weffort em seu artigo: como bandeira política, da mesma maneira que, em outros tempos, fechamento de mercado, estatização, lei de informática se transformaram em bandeiras com vida própria, independentes dos objetivos a que deveriam estar ligadas.
O planejamento estratégico não consiste apenas em definir um objetivo (por exemplo, integração continental). Trata-se de definir os grandes objetivos nacionais em toda a sua complexidade. É instrumento para tratar e organizar realidades complexas. Se se voltar à velha cantilena de que um país se faz apenas com fechamento ou abertura da economia, com "livre mercadismo" ou protecionismo, não se irá a lugar nenhum.
Que a retórica dos intelectuais do partido não comprometa a idéia.

E-mail - lnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Telefonia: Novo celular tem falha de segurança
Próximo Texto: Eurolândia: Euro faz aniversário com valorização diante do dólar
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.