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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
EUA: economia em marcha lenta
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Quinta feira , 30 de janeiro,
o Departamento do Comércio dos EUA informa: no quarto
trimestre de 2002 a economia norte-americana cresceu 0,7%. O dado é preliminar e vai sofre duas
revisões. Mas a nota para a imprensa sugere que a recuperação
será lenta e insegura, sujeita a um
outro mergulho recessivo.
A inversão do ciclo exuberante
dos anos 90 começou, como já foi
dito nesta coluna, de forma clássica, com a queda pronunciada dos
gastos de investimento das empresas. No último trimestre, houve
uma pequena evolução na demanda de equipamentos, mas
prosseguiu o declínio no dispêndio com estruturas não-residenciais e outros gastos de capital.
Os consumidores ainda resistem, ajudados pela redução dos
juros, que impulsionou a valorização dos imóveis residenciais e
permitiu a rolagem a custos menores das dívidas contraídas no
passado. Apesar do relativo desafogo financeiro das famílias, as taxas de expansão do consumo privado são cadentes.
O gasto público vem apresentando forte expansão, sobretudo
na área da defesa, dando uma
forte contribuição para melhorar
o desempenho da economia. As
exportações continuam em queda, apesar do dólar mais fraco.
A redução das taxas de juros dificilmente conseguirá reanimar os
gastos de capital. Antes de voltar a
investir, as empresas devem tratar
das feridas: reduzir o endividamento, cortar a folha salarial e
eliminar o excesso de capacidade.
Essas providências explicam a recuperação dos lucros observada
em algumas empresas. Mas o
ajustamento microeconômico é
danoso do ponto de vista do conjunto da economia: o corte de despesas com salários e aquisição de
capital fixo e circulante vai aprofundar as tendências recessivas.
A contradição entre o inevitável
ajustamento empresarial e seus
indesejados efeitos macroeconômicos demonstra que falta muito
para que a correção do nível de
capitalização nas Bolsas torne
compatíveis os preços das ações e
os resultados esperados das empresas. Depois do crash de 1929, o
mercado caiu durante três anos
antes de chegar ao fundo do poço
e levou 30 anos para alcançar o
mesmo nível, em termos reais, de
setembro de 1929. Naquela época,
a atuação pouco tempestiva do
Federal Reserve e as restrições impostas à política monetária pelas
algemas do padrão-ouro contribuíram para o aprofundamento
do colapso.
Hoje a ação do Fed tem sido
mais rápida. As sucessivas reduções das taxas de juros seguraram
o consumo, impulsionaram o
mercado imobiliário e, de certa
forma, impediram um ajustamento ainda mais desastroso dos
preços nas Bolsas de Valores. A
rápida inversão dos resultados fiscais (de superávit para déficit) e o
aumento dos gastos do governo
ajudaram a frear a queda da demanda agregada.
A autoridade monetária americana tenta calibrar a política para
influir sobre as expectativas baixistas dos investidores. Na conjuntura americana, atuar sobre
as expectativas significa segurar a
queda de preços nos mercados de
ativos, impedir uma retração forte do consumo e evitar a desvalorização abrupta do dólar.
É imperioso suavizar a queda
de preços e impedir situações de
iliquidez nos mercados com agentes muito alavancados. Isso implica ampliar a profundidade do
mercado monetário, ou seja,
apoiar os fundos e os bancos na
operação de rearranjo de portfólios. Na prática, trata-se de oferecer papéis de qualidade (títulos do
Tesouro) para os que pretendem
sair das posições de maior risco,
sem precipitar um "sell-off". Uma
onda descontrolada de ordens de
venda, como é óbvio, produziria
uma forte contração da liquidez e
deprimiria ainda mais os preços.
O BC tem de sinalizar para fundos e bancos que podem continuar "dando liquidez" ao mercado, sem que incorram em perdas
patrimoniais. A política monetária só funciona de forma anticíclica quando a autoridade monetária satisfaz a demanda dos "market makers" por papéis mais líquidos e seguros. Ao promover a rápida queda das taxas de overnight, o Fed tenta impedir, ademais, que a estrutura a termo das
taxas de juros fique reversa. Essa
providência mantém a rentabilidade das carteiras desses agentes
ao reduzir o custo de carregamento.
O superávit fiscal tornou-se disfuncional, quer do ponto de vista
macroeconômico, quer da composição dos patrimônios privados.
Os possuidores de riqueza, na crise, demandam papéis do governo
como forma de preservação da riqueza líquida, substituindo, na
margem, a aquisição de papéis
privados.
A redução dos juros isoladamente não será suficiente para
reanimar a economia, cujo setor
privado está afogado em dívidas e
em capacidade ociosa. E, nesse caso, têm razão os que recomendam
um aumento significativo do gasto público, elevando o valor e a
abrangência do seguro-desemprego e investindo na recuperação da
infra-estrutura do país.
Os EUA conseguiram sustentar
o crescimento elevado, em boa
medida, graças à capacidade de
seu sistema financeiro de expandir o crédito e de atrair capitais. A
desvalorização das ações, a desaceleração da economia e a redução dos juros poderiam estimular
um ajustamento das carteiras dos
possuidores de riqueza, aumentando a participação dos ativos
denominados em euro. As Bolsas
americanas andam de lado, a
produção industrial murcha, sem
que apareçam os sinais de fuga
dos ativos denominados em dólar. O mercado de ativos denominados em euro, um mercado
grande, ainda não mostrou força
suficiente para inverter a direção
dos movimentos de capitais e, assim, garantir um maior poder de
"seignorage" à moeda européia.
Este é um momento delicado
para os gestores da economia global. O crescimento recente concentrou força demasiada nos
EUA e tornou ainda mais assimétricas as relações entre os países e
regiões. Por isso a marcha lenta
da economia americana tende a
espalhar seus efeitos negativos,
não só nos emergentes, mas também na tríade desenvolvida. O Japão não consegue alçar vôo, encurralado entre a crise bancária e
a incapacidade das empresas de
se livrar do "excessivo" investimento dos anos 80. A Alemanha
-maior economia da eurolândia- escorrega ladeira abaixo,
revelando uma enorme dependência do desempenho norte-americano.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 60, é professor
titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos
do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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