São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009

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Crise não abala banco comunitário no CE

Na periferia de Fortaleza, 1º banco comunitário do país faz dez anos, aquece economia local e vira "franquia"

NATÁLIA PAIVA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A analista de crédito não dá a mínima para Serasa ou SPC: a ficha do requerente é levantada apenas entre os vizinhos. A "controladoria" se reúne uma vez por mês nos fundos da sede do banco -artesãos, costureiras e comerciantes discutem carteira de crédito, taxa de juros, inadimplência. Os clientes costumam usar uma moeda paralela ao real: o palma, que não sofreu com a crise global.
No Conjunto Palmeiras, bairro a 20 km do centro de Fortaleza, funciona o Banco Palmas, primeiro banco comunitário do país, criado em 1998.
Em um dos quartos da casa verde da avenida principal, funciona a análise de crédito -em outro, a capacitação profissional. Nos fundos, o salão acolhe reunião de moradores e comerciantes. Na sala de costura, produzem-se roupas da empresa comunitária Palmafashion.
O ex-seminarista Joaquim de Melo Neto Segundo -único dos criadores do banco a ter ensino superior, teologia- conta que a ideia surgiu quando "descobriram" que os moradores consumiam mensalmente quase R$ 2 milhões. Mas o dinheiro, diz, não aquecia a economia local porque as compras eram feitas em outros bairros.
Cerca de 90 assembleias depois, chegaram ao formato de um banco que emprestasse para produção (hoje, a juros mensais de 1,5% a 3%) e que estimulasse o consumo no bairro.
Um sapateiro, uma costureira, um peixeiro, um cabeleireiro, o dono de um frigorífico e uma vendedora de roupas foram os seis primeiros clientes a pedir empréstimo ao banco, que iniciou com carteira de R$ 2.000, emprestados por uma ONG. Dos seis, dois progrediram, três continuaram na mesma e um mudou-se dali.
Um dos bem-sucedidos foi Nazareno Constantino de Sousa, 34, que até então cortava cabelos em casa. Com os R$ 300 emprestados, alugou o primeiro ponto e comprou um secador. De lá para cá, houve mais dois empréstimos, duas mudanças de ponto e um Renault 1.0 de segunda mão. Ele pretende pedir mais R$ 6.000, a juros de 3% ao mês, para renovar o lavatório e a decoração do gabinete cor-de-rosa.

Aceitação
Mais de 240 negócios aceitam o palma -que, por ser aceito só ali, faz o dinheiro circular no bairro, que não tem problema de liquidez. A moeda é emitida pelo banco e tem paridade com o real. Há 25 mil em circulação. Até 2001, funcionava apenas uma espécie de cartão de crédito sem banda magnética -o Palmacard, próximo a uma caderneta de venda fiado.
Em São João do Arraial (146 km de Teresina), até 2007 os 7.000 moradores tinham de andar 38 km até o município vizinho para pagar contas. Após uma visita ao Banco Palmas, a associação de quebradeiras de coco e representantes da prefeitura, da igreja e de sindicatos resolveram criar um parecido.
Com carteira de R$ 30 mil, administrados a partir do fundo de R$ 1 milhão do Instituto Palmas (criado em 2003 para difundir a "metodologia Palmas") e outras parcerias, o Banco dos Cocais já cedeu 74 empréstimos, em reais e cocais, sua moeda social. O prefeito Francisco Limma (PT) paga até 25% do salário dos funcionários na moeda paralela, aceita em pelo menos 50 negócios.
Desde 2005, 38 bancos inspirados no Palmas foram criados no Brasil -um deles na região quilombola de Alcântara (MA); outro, por costureiras da periferia de Vitória (ES).
Todos a partir da parceria entre Senaes (Secretaria Nacional de Economia Solidária), Banco Popular do Brasil e Instituto Palmas. Desses, 33 operam com o fundo de crédito do Instituto Palmas.
O Programa Nacional de Apoio aos Bancos Comunitários, da Senaes, pretende criar 150 bancos semelhantes até 2010. Os lugares devem ser escolhidos a partir do mapa da violência do Ministério da Justiça. O BC não regulamenta bancos comunitários nem moedas sociais, já que nem um nem outro têm fins comerciais.


NATÁLIA PAIVA participou do 46º programa de treinamento da Folha , que foi patrocinado pela Odebrecht e pela Philip Morris Brasil


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