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Crise não abala banco comunitário no CE
Na periferia de Fortaleza, 1º banco comunitário do país faz dez anos, aquece economia local e vira "franquia"
NATÁLIA PAIVA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A analista de crédito não dá a
mínima para Serasa ou SPC: a
ficha do requerente é levantada
apenas entre os vizinhos. A
"controladoria" se reúne uma
vez por mês nos fundos da sede
do banco -artesãos, costureiras e comerciantes discutem
carteira de crédito, taxa de juros, inadimplência. Os clientes
costumam usar uma moeda paralela ao real: o palma, que não
sofreu com a crise global.
No Conjunto Palmeiras,
bairro a 20 km do centro de
Fortaleza, funciona o Banco
Palmas, primeiro banco comunitário do país, criado em 1998.
Em um dos quartos da casa
verde da avenida principal, funciona a análise de crédito -em
outro, a capacitação profissional. Nos fundos, o salão acolhe
reunião de moradores e comerciantes. Na sala de costura, produzem-se roupas da empresa
comunitária Palmafashion.
O ex-seminarista Joaquim de
Melo Neto Segundo -único
dos criadores do banco a ter ensino superior, teologia- conta
que a ideia surgiu quando "descobriram" que os moradores
consumiam mensalmente quase R$ 2 milhões. Mas o dinheiro, diz, não aquecia a economia
local porque as compras eram
feitas em outros bairros.
Cerca de 90 assembleias depois, chegaram ao formato de
um banco que emprestasse para produção (hoje, a juros mensais de 1,5% a 3%) e que estimulasse o consumo no bairro.
Um sapateiro, uma costureira, um peixeiro, um cabeleireiro, o dono de um frigorífico e
uma vendedora de roupas foram os seis primeiros clientes a
pedir empréstimo ao banco,
que iniciou com carteira de R$
2.000, emprestados por uma
ONG. Dos seis, dois progrediram, três continuaram na mesma e um mudou-se dali.
Um dos bem-sucedidos foi
Nazareno Constantino de Sousa, 34, que até então cortava cabelos em casa. Com os R$ 300
emprestados, alugou o primeiro ponto e comprou um secador. De lá para cá, houve mais
dois empréstimos, duas mudanças de ponto e um Renault
1.0 de segunda mão. Ele pretende pedir mais R$ 6.000, a juros
de 3% ao mês, para renovar o
lavatório e a decoração do gabinete cor-de-rosa.
Aceitação
Mais de 240 negócios aceitam o palma -que, por ser aceito só ali, faz o dinheiro circular
no bairro, que não tem problema de liquidez. A moeda é emitida pelo banco e tem paridade
com o real. Há 25 mil em circulação. Até 2001, funcionava
apenas uma espécie de cartão
de crédito sem banda magnética -o Palmacard, próximo a
uma caderneta de venda fiado.
Em São João do Arraial (146
km de Teresina), até 2007 os
7.000 moradores tinham de
andar 38 km até o município vizinho para pagar contas. Após
uma visita ao Banco Palmas, a
associação de quebradeiras de
coco e representantes da prefeitura, da igreja e de sindicatos
resolveram criar um parecido.
Com carteira de R$ 30 mil,
administrados a partir do fundo de R$ 1 milhão do Instituto
Palmas (criado em 2003 para
difundir a "metodologia Palmas") e outras parcerias, o Banco dos Cocais já cedeu 74 empréstimos, em reais e cocais,
sua moeda social. O prefeito
Francisco Limma (PT) paga até
25% do salário dos funcionários na moeda paralela, aceita
em pelo menos 50 negócios.
Desde 2005, 38 bancos inspirados no Palmas foram criados
no Brasil -um deles na região
quilombola de Alcântara (MA);
outro, por costureiras da periferia de Vitória (ES).
Todos a partir da parceria entre Senaes (Secretaria Nacional
de Economia Solidária), Banco
Popular do Brasil e Instituto
Palmas. Desses, 33 operam
com o fundo de crédito do Instituto Palmas.
O Programa Nacional de
Apoio aos Bancos Comunitários, da Senaes, pretende criar
150 bancos semelhantes até
2010. Os lugares devem ser escolhidos a partir do mapa da
violência do Ministério da Justiça. O BC não regulamenta
bancos comunitários nem
moedas sociais, já que nem um
nem outro têm fins comerciais.
NATÁLIA PAIVA participou do 46º programa de
treinamento da Folha , que foi patrocinado pela
Odebrecht e pela Philip Morris Brasil
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