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São Paulo, domingo, 02 de março de 2003

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Reservas asiáticas elevam a incerteza econômica global

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Os países asiáticos, que praticamente inauguraram o ciclo de crises financeiras que seria afinal apenas o primeiro capítulo de uma crise em escala global, estão cheios de reservas em dólar.
Os efeitos sobre a economia internacional dessa massa de dólares em mãos de governos asiáticos preocupam. Tanto no "Financial Times" quanto no "The Wall Street Journal" o assunto mereceu destaque nos últimos dias. Lideranças do G-7 também fizeram críticas.
A acumulação de dólares reflete uma política deliberada de desvalorização das moedas locais. Essa desvalorização torna os produtos asiáticos mais competitivos, o que é bom para as empresas da região. Mas há dúvidas sobre os efeitos de longo prazo dessa opção estratégica.
A moeda chinesa já acumularia uma desvalorização real de 25% e seria um dos fatores responsáveis pela desvalorização do dólar com relação ao euro.
Gerando superávits no comércio exterior e acumulando reservas, a China consegue manter a sua moeda estável com relação ao dólar. Se o governo chinês permitisse a flutuação do yuan, a tendência seria a uma valorização com relação ao dólar.
Segurando o câmbio, na prática a China vai ganhando competitividade e acumula ainda mais reservas. O déficit comercial dos Estados Unidos com a China foi de US$ 103 bilhões no ano passado (é o maior entre todos os parceiros comerciais dos EUA).
A pressão ocidental em favor de uma liberalização cambial que produziria a valorização do yuan cresce ainda mais com o aumento no déficit público esperado nos EUA, também um fator de desvalorização do dólar.
O BC chinês acumulou US$ 74 bilhões em reservas no ano passado (equivale a quase todo o volume de reservas dos EUA), colocando seu estoque total em US$ 286 bilhões, inferior só às reservas do Japão (US$ 460 bilhões). Com esse poder financeiro em mãos, o governo chinês consegue controlar sua moeda e dosa a liberalização econômica a seu critério, apesar das pressões ocidentais para abrir o mercado, deixar o câmbio flutuar e liberar as taxas de juro.
O Japão também opera nos mercados para evitar a valorização do iene. A estratégia é manter a forte inserção do país no comércio internacional, hoje uma das poucas fontes de dinamismo da economia do país.
O conjunto das economias asiáticas (excluída a japonesa) acumulou US$ 153 bilhões em reservas no ano passado, atingindo US$ 927 bilhões.
O contraste com as receitas de política econômica seguidas ao sul do Equador é gritante. No Brasil, os defensores de uma política de acumulação de reservas internacionais são considerados "jurássicos" protecionistas. Na prática, o poder do BC do Brasil sobre o mercado cambial depende da disponibilidade de crédito externo.
Nessas condições, a capacidade de formular e implementar políticas econômicas diferentes do figurino desenhado pelo FMI obviamente são mínimas.
Para queimar suas reservas e ocupar uma posição menos agressiva no comércio internacional, as economias asiáticas teriam de aceitar a valorização de suas moedas. Isso levaria a uma retração dos setores exportadores, com ampliação dos setores de serviços e do consumo doméstico, beneficiando exportadoras de países ocidentais.
Num momento em que os atritos e a falta de coordenação política e econômica entre EUA e UE estão em primeiro plano, o "bloco" asiático representa mais uma fonte de incerteza sobre a divisão de poder no sistema econômico internacional.


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