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São Paulo, domingo, 02 de março de 2003

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LUÍS NASSIF

O rei do riso

É curioso como, mais e mais, o humorismo vai se restringindo a uma classe menos sofisticada, menos abrangente de público. Nem se pense que tenha sido um gênero "fino". Ao longo da minha infância, da adolescência, mesmo na maturidade dos anos 70, o humorismo no rádio e na televisão costumava ser óbvio, às vezes grosso, às vezes um pouco mais sofisticado, mas era um gênero de ampla aceitação em todas as classes.
Havia o humorismo popular dos rádios e das duplas caipiras, de Alvarenga e Ranchinho, Jararaca e Ratinho, Zé Fidélis, que era um executivo da Antarctica que, nas horas vagas, fazia seus shows de humor.
O humor caipira foi uma constante já no teatro de revista, antes mesmo de Cornélio Pires e do Capitão Furtado. Os programas de rádio criaram um padrão que, mais tarde, derivou para o cinema da Atlântida e, depois, ajudou a consolidar o grande padrão Globo de entretenimento.
"Balança Mas Não Cai", humorístico do rádio, era um programa ouvido em todo o país. Quadros como "o primo pobre e o primo rico", "meu marido Oscar", sobreviveram ao rádio e se tornaram sucesso em televisão. Sem contar os filmes da Atlântida, os clássicos de Oscarito, Ankito, Grande Otelo, Zeloni, Zé Trindade e o humorismo caipira de Mazzaropi.
Creio que foi nos anos 60 que começou a ressurgir o showman, o humorista capaz de, sozinho, sustentar um show, e que desapareceu com o fim dos cassinos.
O início da televisão consagrou a versatilidade de Chico Anysio e Jô Soares, o histrionismo irresistível de Golias, o mais engraçado sujeito que já conheci, de Costinha e de Colé. Quem não se lembra de Chocolate, o grande compositor, que sobrevivia de quadros humorísticos? Nos quadros -"esquetes", como se chamava na época- sempre havia o bicha, o machão, o negão desdentado, a mulher burra e outros tipos politicamente incorretos.
Meu modelo de humorista, o campeão absoluto dos anos 60, homem capaz de bater recordes de bilheteria e de venda de discos, casando histrionismo com humor inteligente foi Zé Vasconcelos. Assim como Golias, ele era engraçado até de olhar. Era e ainda é um contador de causo clássico, o sujeito que desenvolve a piada, marca as nuances, explora as pausas, cria o suspense.
Seus dois LPs lançados nos anos 60 bateram todos os recordes de vendagem. Quem não se lembra do esquete do programa de calouro conduzido por Ary Barroso, e do negão que pede para cantar um "sambinha" -a própria "Aquarela do Brasil"? Ou então a história do sujeito que teve o pneu do carro furado e vai até a primeira casa na estrada procurar um macaco. No caminho, vai imaginando o que o dono da casa vai falar, desenvolve o diálogo imaginário, supõe que o sujeito vá recusar o macaco. Quando o dono abre a porta da casa, antes que abra a boca recebe uma saraivada de impropérios.
Eram situações absolutamente banais, mas transformadas em peças clássicas de humor pela maneira como Zé Vasconcelos contava. Seu sucesso foi tão amplo que ele chegou a pensar em montar sua própria Disneylândia. Comprou terrenos enormes na beira da via Dutra, começou a montar seu parque, o dinheiro acabou e ele perdeu o rumo.
Durante anos, Zé Vasconcelos foi o padrão máximo de humorista brasileiro. O desastre financeiro acabou afetando a sua atividade. Nos anos seguintes murchou, cedendo espaço para um trio que dominou a televisão nos anos seguintes, Chico Anysio e Jô, com seus múltiplos personagens, e Golias vivendo um personagem único.
Depois, Zé Vasconcelos retomou a carreira, fazendo pontas em programas humorísticos de televisão, assim como outros que experimentaram momentos de enorme apogeu, como Ivon Cury.
Foi muito ajudado por Chico Anysio -um "coronel" nordestino capaz de casar episódios do mais abjeto machismo com uma generosidade exemplar para com os colegas humoristas.
Ainda hoje, quando consigo encontrá-lo em algum canal, de imediato me vêm à lembrança as risadas irresistíveis que provocava no seu Oscar.
Para mim, sempre será o rei do riso.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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