São Paulo, terça-feira, 02 de março de 2004

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LUÍS NASSIF

A cerveja e a Cofins

No dia 29 de janeiro à noite, saiu uma edição extra do "Diário Oficial" com alterações na forma de cobrança do PIS-Cofins. Há indícios de que as mudanças ocorridas visaram beneficiar a AmBev.
Há alguns anos a Receita mudou a forma de tributação do PIS e da Cofins na cerveja e em refrigerantes. Em vez de alíquotas sobre o faturamento, passou a cobrar um valor fixo sobre cada hectolitro vendido, independentemente da classificação -se é premium, cerveja clara ou escura, de primeira ou segunda linha. Essa modalidade de cobrança é chamada de "pauta fiscal".
O argumento da Receita é que inibiria a sonegação. Desde que a medida saiu, os concorrentes denunciaram que beneficiava a AmBev. Como o valor é o mesmo para cada litro produzido, quanto mais cara a cerveja, menor a alíquota cobrada. E a AmBev era a cervejaria com a maior quantidade de produtos mais caros.
Na mudança da Cofins, a lei 10.933, de 29 de dezembro de 2003, permitiu duas formas de cobrança para a indústria de cervejas, ambas monofásicas (cobradas uma vez apenas, na hora da venda). Poderia ser por alíquota de 8% sobre o faturamento ou por "pauta fiscal", à escolha do freguês. Essa possibilidade estava prevista nos artigos 51 e 52 da lei. Mas o artigo 53 autorizava o Poder Executivo a "fixar coeficiente para redução das alíquotas previstas nos artigos 51 ou 52 (...) a qualquer tempo", podendo até extingui-las.
Pelos cálculos da Schincariol, se optasse pela pauta fiscal, pagaria R$ 2,97 por caixa de cerveja; se pela alíquota de 8%, o valor cairia para R$ 1,04. Não havia dúvidas de que a alíquota "ad valorem" (que incidia sobre o valor) era mais vantajosa do que a "pauta".
A Schincariol se preparava para aderir à alíquota quando -segundo seus dirigentes- se ficou sabendo que a AmBev optaria pela "pauta fiscal". Refizeram as contas e não entenderam a razão da opção. Pelo sim, pelo não, protocolou em todos o escritórios da Receita a possibilidade de mudar de posição, caso houvesse alteração no valor da "pauta fiscal".
Na quinta-feira, 29 de janeiro, à noite, saiu a edição extra do "DO". Nele, a instrução normativa 388, da Receita Federal, permitia optar ou pela alíquota ou pelo valor fixo. Já a instrução normativa 389 elevou de 8% para 14,5% a alíquota para a venda de bebidas e embalagens. A mesma edição extra trazia o decreto 4.965, cuja única finalidade foi reduzir em 45% o valor da "pauta fiscal".
Inverteu-se completamente o quadro. Sobre cada caixa, o valor do imposto caiu de R$ 2,97 para R$ 1,63 pelo critério da "pauta fiscal", enquanto subiu de R$ 1,04 para R$ 1,87 pelo critério da alíquota.
O "DO" foi distribuído no dia 30 de manhã. Quem quisesse optar poderia fazer até o final do dia, porque o prazo fatal -31 de janeiro- cairia em um sábado.
Gerente de tributos da AmBev, Ricardo Mello explica que a intenção da Receita -ao definir uma alíquota extremamente alta para a "pauta fiscal" e depois dar desconto no último dia de opção- visou dar flexibilidade para poder mexer no valor sem a necessidade de uma nova lei, enquanto avaliava seus efeitos. Não entende a razão de ter sido publicado no último dia de opção, mas sustenta que desde o dia 28 a informação já constava no site da Receita. Já a Schincariol sustenta que, no máximo, acenaram com a possibilidade vaga de uma redução na "pauta fiscal" e que, se não tivesse sido alertada pelos movimentos da concorrente, poderia ter sido alijada do mercado. Haveria um aumento de 15% no pagamento de PIS-Cofins em relação à concorrente.
No mesmo dia 30 em que saiu o "DO", duas instituições já tinham prontas avaliações sobre os resultados positivos que as mudanças traziam para a AmBev, o Morgan Stanley e o Credit Suisse First Boston. O relatório do Credit Suisse dizia: "Ontem a Receita brasileira fez um ajuste na proposta original (do PIS-Cofins). As empresas que escolherem a primeira opção (alíquota) terão um novo aumento na tributação do PIS-Cofins -grande aumento de carga tributária. As empresas que escolherem tal opção deverão faze-lo até o final do dia de hoje e não poderão abrir mão da escolha do sistema de tributação até maio de 2005. Assim, o incentivo econômico é para as empresas que escolherem a segunda opção".
A conclusão do relatório é clara: o banco decidiu manter o rating da AmBev graças: "1) a essa saída (do pagamento pelo montante fixo); 2) ao potencial de melhora do valor relativo da marca AmBev versus as marcas B e 3) à recente melhora do "market share".
O relatório do Morgan dizia que "as mudanças são mais favoráveis para a AmBev do que pensávamos. Apenas aumentarão a tributação para a AmBev na sua contribuição marginal, enquanto para os concorrentes o aumento de tributação será maior".

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