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OPINIÃO ECONÔMICA
Democratização do capital
PAULO RABELLO DE CASTRO
A aversão das elites ao povo
compartilhando algum poder econômico ainda é predominante. O curioso é que as instituições políticas emanadas do povo
tampouco se sintam pressionadas a mudar o padrão arcaico-patrimonialista e, portanto, de
direita, como recentemente diagnosticou o senador Jefferson Peres (PDT-AM) em magistral texto para esta Folha ("Tendências/
Debates", 24/02/05, pág. A3). Como tão bem apontou o senador
do Amazonas, a luta que se trava
no Brasil é sobre quem -e de que
modo- apropriará o maná que
brota das articulações entre o
aparelho estatal e os atores privados, postados em setores-chave.
Ao elevar a carga tributária e
insanamente refugar o protesto
sobre a inabsorvível MP 232, o o
governo conduz nova articulação
público-privada que, pela frente,
diz tentar fechar o déficit público
de 2005: e, por trás, fecha a porta
do acesso econômico e da acumulação legítima a centenas de milhares de pequenos empresários
brasileiros, que se propõem a trabalhar, em vez de viver de juros,
como usufrutuários da máquina
financeira do Estado. Esse é o
verdadeiro debate sobre a exclusão econômica. Quem financiou
o governo na rolagem de sua dívida interna, durante os 11 anos
do Plano Real, conseguiu apropriar-se de bolada equivalente a
quase metade do valor líquido
dessa dívida hoje, algo próximo
de R$ 350 bilhões, tão somente
como excesso de juros pagos, ano
após ano, aos detentores de papéis públicos.
A política dos juros altos produz outras tantas dimensões da
exclusão, como principalmente a
dificuldade de valorizar o fator
trabalho pelas remunerações assalariadas. O Partido dos Trabalhadores tinha várias propostas
redistributivas. No poder, entretanto, o PT parece encabulado de
enfrentar esta grande questão republicana: o acesso ao capital.
Há mais de dez anos, na crítica
do processo de privatização que,
então, mal se iniciava pela venda
da Usiminas, dois jovens quadros
do PT -Mauricio Borges e Fernando Pimentel, este último hoje
prefeito de BH, eleito em 1º turno- apresentaram ao partido
proposta de democratização do
capital estatal, pela ampliação
da base de participação no capital, não só aos empregados da
empresa privatizável mas a todos
os brasileiros que quisessem dele
participar. Foi proposta derrotada dentro do PT, com voto vencido do próprio Lula.
Hoje, no poder, o PT tem uma
chance mais clara de mostrar que
não foi cooptado pelo magneto
patrimonialista. O senador Tasso
Jereissati (PSDB-CE) é relator de
um projeto, acessório à lei de recuperação judicial de empresas,
que, se bem elaborado, poderá
atribuir aos trabalhadores certos
incentivos de natureza fiscal na
conversão de seus créditos -especialmente os previdenciários e
do FGTS- em capital societário
da empresa reestruturada. Esse é
o caso dos empregados da Varig,
cuja crise se arrasta há três anos e
só agora apresenta contornos de
uma solução possível.
Os empregados da Varig são o
seu maior credor coletivo, representado por créditos de R$ 2,2 bilhões que a empresa simplesmente deixou de depositar no fundo
de pensão dos seus mais de 15 mil
colaboradores. O interesse coletivo desses aeronautas e aeroviários é agora comprar a empresa
com esses créditos e operar sua
reestruturação com a participação de novos investidores, inclusive de pequenos aplicadores pulverizados no mercado de capitais. É, ou seria, a verdadeira democratização do capital, realizada, na prática, como solução de
mercado em benefício do interesse de consumidores (mais concorrência) e contribuintes (nenhum
subsídio público), enfim, em prol
de uma filosofia de inclusão econômica já despertada na sociedade brasileira.
O grande desafio do PT continua sendo não permitir que seu
distributivismo utópico o impeça
de enxergar as oportunidades
práticas de transformar a realidade social, democratizando o
capital empresarial com as ferramentas do próprio mercado.
Paulo Rabello de Castro, 56, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também o
conselho da consultoria GRC Visão. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
E-mail -
@ - rabellodecastro@uol.com.br
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