São Paulo, domingo, 02 de abril de 2000


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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
EUA crescem com fragilidade financeira



GILSON SCHWARTZ
Da Equipe de Articulistas

O crescimento de 7,3% observado na economia norte-americana no último trimestre de 1999 reacendeu as preocupações com a saúde e a durabilidade de tão extraordinária expansão. A última vez em que os EUA exibiram tamanho vigor foi há 15 anos, no primeiro trimestre de 1984.
O exame das causas desse desempenho e a formulação de prognósticos continuam longe do consenso. Num dado momento, os EUA cresciam mais, sem inflação, porque importavam mais do resto do mundo, a custos declinantes. Agora, o crescimento superou as expectativas porque o resto do mundo importou mais dos EUA, cujas importações foram menos vigorosas no final de 99. Na semana passada, os pedidos de seguro-desemprego nos EUA estavam no mais baixo nível dos últimos 26 anos. Isso depois de o Fed ter elevado os juros por cinco vezes seguidas em 10 meses.
Em meio aos conflitos de opinião, ouçamos os sábios. Um deles é Franco Modigliani, economista de 81 anos que recebeu o Prêmio Nobel em 1985. Ele declarou que a atual mania por ações de Internet e outros setores de alta tecnologia "não é irracional, mas é uma bolha -e vai estourar".
O comentário ganhou ainda mais relevância porque a Nasdaq, a Bolsa em que são negociadas ações de empresas de alta tecnologia, passou nos últimos dias por sucessivas rodadas de desvalorização. Na sexta, no entanto, a queda acumulada já era vista como suficiente para gerar novas oportunidades de compra, e a Nasdaq recobrou o fôlego. É um consolo, às vésperas de uma conferência que vai acontecer na própria Casa Branca para discutir a "nova economia".
Para Modigliani, o mínimo que se pode dizer é que há uma bolha puxando os preços de ações ligadas à Internet. Ele começou a vender seus papéis há um ano e recorda que, na crise de 29, somente os que começaram a vender mais cedo acabaram se saindo bem.
As suspeitas de Modigliani têm origem na sua convicção de que as tendências da economia dependem de fatores fundamentais ignorados pelos especuladores. No caso das ações, tudo se resume à confiança na capacidade de as empresas produzirem lucros, que serão distribuídos aos acionistas.
Há duas fontes básicas para os lucros. Uma, fundamental, é o crescimento da economia, a expansão dos mercados, o aumento da renda e do poder de compra de empresas e indivíduos. Outra, especulativa, é a mera expectativa de que os preços das ações subam. Quando acontece de eles efetivamente subirem, os investidores sentem-se confirmados em suas expectativas e compram mais. Modigliani, no entanto, reserva uma ironia para as expectativas que hoje se projetam sobre as Bolsas: se elas virassem realidade, o PIB dos EUA teria de ser constituído integralmente de lucros.
Já no plano dos fundamentos, a preocupação decorre da redução recorde nos níveis de poupança nos EUA, enquanto a renda tende a crescer menos (a economia, mais cedo ou mais tarde, desacelera, refletindo a alta dos juros).
Sem poupança, endividando-se cada vez mais com lastro em expectativas de enriquecimento financeiro e prestes a entrar numa fase de esfriamento da economia, empresas e indivíduos podem subitamente perceber-se vítimas de uma assincronia de fato fundamental. Sem poupança e com menos renda disponível, os endividados seriam metamorfoseados em inadimplentes e caloteiros.
Ninguém sabe quando soarão as 12 badaladas nem se a inversão da espiral de expectativas vai ocorrer abrupta e desabaladamente. E há quem aposte na capacidade de o Fed reduzir os juros e intervir no mercado para reduzir os riscos de uma nova crise de 29.


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