|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Beleza americana
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
As previsões que antecipam
uma severa "correção de preços"
nos mercados de valores do
mundo inteiro, sobretudo nas
exuberantes Bolsas americanas,
vêm sofrendo derrotas consecutivas. Nas crises da Ásia e da
Rússia e em outros episódios
menos votados, os índices Dow
Jones e Nasdaq ameaçaram
cumprir as profecias dos baixistas. Dobraram várias vezes os
joelhos mas não desabaram. Logo depois encetavam outra escalada, atingindo os festejados 10
mil pontos para depois romper a
barreira dos 11 mil.
As hipóteses sobre a "Nova
Era" ou a "Nova Economia"
-ganhos fantásticos de produtividade decorrentes de inovações tecnológicas e organizacionais- recuperaram o prestígio
e passaram a frequentar as análises dos eufóricos "altistas". Os
baixistas tiveram que recolher
as trombetas que pretendiam
anunciar o Juízo Final para os
especuladores.
Muitos observadores entendem que, diferentemente do que
ocorreu em 1987, uma reversão
do atual ciclo de "inflação de
ativos" deverá acarretar efeitos
reais. Entre eles está a violenta
contração do investimento e do
consumo e o aparecimento de
desequilíbrios patrimoniais,
tanto para as empresas quanto
para as famílias. Esses desequilíbrios permanecem encobertos
na etapa altista do ciclo, quando
ocorre a rápida valorização das
ações das empresas e de seu
portfólio de ativos, bem como do
patrimônio financeiro (e agora
imobiliário) das famílias. Essa
sensação de riqueza contamina
as empresas e as famílias, incitando a inclinação ao endividamento, impulsionando o consumo, o investimento produtivo e
a própria valorização fictícia da
riqueza financeira.
A expectativa de valorização
de ativos é exacerbada pelo descompasso entre a evolução da
oferta, que vem sendo restringida pela retirada de ações do
mercado e a crescente atração
dos fluxos de crédito para a circulação financeira. A confirmação dos ganhos de capital antecipados reforça a febre especulativa e estimula as famílias, as
empresas, os bancos e demais intermediários, com posições próprias, a aumentar o seu grau de
"alavancagem" nos mercados financeiros (as margens de endividamento se ampliam), favorecendo a progressão do surto "inflacionário".
A economia começa, portanto,
a se "aquecer", impulsionada
pela ampliação do consumo e do
investimento das empresas. Intensifica-se a pressão sobre o crédito, aumentam os níveis de endividamento e isso, por sua vez,
acelera a escalada de valorização da riqueza financeira e produtiva. A isso o economista
francês André Orléan chamou
de "dinâmica auto-referencial"
em seu livro "Le Pouvoir de la
Finance".
A rápida ampliação do déficit
em transações correntes vem impedindo que a força da demanda interna impulsionada pela
valorização da riqueza possa se
materializar numa aceleração
inflacionária, ainda que os salários reais estejam mostrando
uma sensível inclinação para
subir. A recuperação européia
vem sendo contrabalançada pela longa recessão japonesa e pelas desvalorizações ocorridas
nos países emergentes. Essa conjuntura vem permitindo um
comportamento favorável dos
preços das commodities agrícolas e industriais -à exceção do
petróleo.
Os Estados Unidos, por causa
da sua capacidade de atrair capitais para os seus mercados de
ações em alta, têm conseguido
combinar um dólar forte com
taxas de juros moderadas, apesar da rápida ampliação do déficit em transações correntes e do
passivo externo. Os capitais especulativos contavam (e ainda
contam) com um mercado amplo e profundo que tem funcionado como porto seguro nos momentos de grande instabilidade
ou quando a confiança fraqueja
em outros mercados. A existência de um volume ainda respeitável de papéis do governo e das
empresas americanas -uns reputados por seu baixo risco e excelente liquidez, outros pelas expectativas de valorização- tem
permitido que a reversão dos
episódios de desvalorização de
ativos estrangeiros seja absorvida por movimentos compensatórios no preço dos papéis americanos.
Esses movimentos de capitais
vêm sustentando o dólar, reforçando a exuberante valorização
das ações e ampliando o poder
de "seignoriage" dos Estados
Unidos. Essa é uma das razões
pelas quais vem sendo possível
prolongar o crescimento norte-americano sem inflação. O país
dominante, mesmo com déficits
crescentes, pode se beneficiar de
uma moeda forte, por conta da
atração exercida pelos ativos denominados em dólares.
Na eventualidade da proclamada "correção de preços" nas
Bolsas de Valores o Fed estará
diante de um dilema: 1) reduzir
os juros e ampliar a liquidez para conter a deflação de ativos e
facilitar a rolagem das dívidas;
ou 2) usar a política monetária
para defender o dólar de uma
provável desvalorização, ampliando os riscos de deslocamentos entre os estoques de riqueza
denominados em moedas distintas. As antecipações quanto
aos movimentos dos diferenciais
de juros e seus efeitos sobre alterações nas taxas de câmbio podem provocar mudanças nos
preços dos ativos, da mesma forma que as mudanças "autônomas" nos preços dos ativos podem afetar as taxas de câmbio e
as relações entre taxas de juros
nas diferentes moedas.
Neste sistema de taxas de câmbio flutuantes, ampla mobilidade de capitais as taxas de juros e
de câmbio se tornam "endógenas" e ficam mais sensíveis às
bruscas mudanças de expectativa dos possuidores de riqueza.
Não é de espantar que nesse sistema seja mais frequente a ocorrência de graves problemas de liquidez, "resolvidos" por meio de
violentas quedas de preços dos
ativos e desvalorização das moedas.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 57, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria
Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de
São Paulo (governo Quércia).
Texto Anterior: TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS: EUA crescem com fragilidade financeira Próximo Texto: e@NEGÓCIOS: Netnegócio cresce como bolha no país Índice
|