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CERVEJAS
Para conselheiro, uso de distribuição da AmBev quebra obstáculo para entrada de empresas no Brasil
Decisão do Cade abre país para múltis
DAVID FRIEDLANDER
da Reportagem Local
A criação da AmBev, fusão das
cervejarias Brahma e Antarctica,
abre uma brecha para que multinacionais do setor possam entrar
no mercado brasileiro. O segredo
está nas obrigações que as duas
cervejarias terão de assumir no
Cade (Conselho Administrativo
de Defesa Econômica) se quiserem juntar suas garrafas.
O Cade exigiu que a AmBev
venda a marca Bavaria e cinco fábricas, uma em cada região do
país. Mais: durante quatro anos, o
próximo dono da Bavaria poderá
distribuir seus engradados usando a rede da AmBev, que cobre
90% do 1 milhão de bares, restaurantes e supermercados do país.
"O grande obstáculo à entrada
das multinacionais da cerveja
sempre foi o custo de montar
uma rede de distribuição que alcance todo o Brasil", diz Marcelo
Calliari, 34, um dos conselheiros
do Cade que deram sinal verde à
fusão na última quarta-feira.
A marca Bavaria, as fábricas e a
distribuição garantida formam
um pacote avaliado em R$ 500
milhões por analistas de mercado. Quem arrematar o conjunto
terá condições de começar a operar no dia seguinte, com participação de 5% do mercado.
Com o resultado do julgamento, surgiu a especulação de que o
pacote teria sido feito sob encomenda para beneficiar a cervejaria portuguesa Cintra. Tudo porque o Cade exige que os candidatos à compra de Bavaria não tenham mais que 5% do mercado.
Isso tirou Kaiser e Schincariol
do páreo. E, entre as pequenas
cervejarias, a Cintra aparenta ser a
única com cacife suficiente para
entrar na disputa. "Essa leitura é
equivocada", afirma Calliari.
A seguir, os principais trechos
da entrevista com Calliari.
Folha - A decisão do Cade
criou a especulação de que o
conselho arredondou a bola para a portuguesa Cintra...
Marcelo Calliari - Essa é uma
leitura completamente equivocada da decisão. Como Kaiser e
Schincariol não poderão comprar
o pacote, e o senso comum diz
que a Cintra é a única das pequenas cervejarias com chances de se
candidatar, algumas pessoas aparentemente imaginaram que nosso objetivo é favorecer a Cintra.
Só que ao excluir a Kaiser e a
Schincariol nós abrimos o pacote
para o mundo inteiro.
Folha - Por que a Kaiser e a
Schincariol foram proibidas de
comprar a Bavaria e as fábricas
que a AmBev terá de vender?
Calliari - O raciocínio é o seguinte: já que a fusão de Brahma e
Antarctica elimina um concorrente, quisemos estimular o aparecimento de uma nova cervejaria, de porte nacional. A Kaiser e a
Schincariol estão aí, são eficientes
e estão crescendo. Nós queremos
é uma nova empresa, que já comece com força e possa concorrer
com a AmBev.
Folha - A impressão é que o
Cade deixou o trânsito livre para os estrangeiros. A Kaiser e a
Schincariol, que possuem tamanho para comprar o pacote da
AmBev, estão impedidas de fazê-lo. E as pequenas cervejarias,
que podem se candidatar à
compra, não têm dinheiro para
entrar nesse jogo.
Calliari - Mas não precisa ser
uma cervejaria. A Brahma, por
exemplo, foi comprada pelo Garantia anos atrás. O Garantia é um
banco de investimentos, não tinha nada a ver com cerveja até
comprar a Brahma. Mas é evidente que as multinacionais do setor
são candidatos muito fortes.
Folha - O Cade montou o pacote pensando nelas?
Calliari - Só nelas, não. Mas o
pacote tem tudo para interessá-las. Mais importante até do que as
fábricas e a marca Bavaria é a rede
de distribuição. As pessoas não
percebem a importância disso. A
dificuldade de montar uma rede
para entregar cerveja num país
enorme como o Brasil sempre foi
a grande barreira à entrada das
cervejarias multinacionais.
É por isso que gigantes como as
norte-americanas Miller e Budweiser procuraram parceiros nacionais para entrar no país: precisavam de sua distribuição. Quem
ficar com o pacote terá à disposição a rede da AmBev, que cobre
90% do cerca de 1 milhão de pontos-de-venda que existem no país.
Isso significa acesso a todo mundo que toma cerveja no Brasil.
Folha - O que acontece se não
aparecer nenhum comprador?
Calliari - Isso irá depender muito do preço que a AmBev vai pedir. Se chutarem muito alto, não
aparece ninguém mesmo. Só que
o Cade criou punições para forçá-los a efetivamente realizar a venda. Se o negócio não for fechado
em oito meses, o conselho vai colocar um interventor na empresa.
E esse interventor não estará
preocupado com o lucro da AmBev. Sua missão será criar condições para o negócio. Portanto, se a
AmBev não se esforçar, pode sair
perdendo.
Folha - E se mesmo com um
preço razoável ninguém se interessar pela marca Bavaria e pelas fábricas?
Calliari - Acho isso muito improvável. O Brasil tem o quinto
maior consumo de cerveja do
mundo e ainda há muito espaço
para crescer. Além disso, há vários grupos internacionais que
têm crescido muito à base de
aquisições.
Por exemplo, a SAB sul-africana, quinta do mundo, tem seguido uma política agressiva de compra de fábricas já instaladas. A Interbrew, da Bélgica, está fazendo a
mesma coisa. Não estou dizendo
que são esses dois, mas há muitos
compradores potenciais.
Folha - O pacote poderá ser
desmembrado? O candidato,
por exemplo, poderá comprar
apenas a marca Bavaria ou a
marca e só duas das cinco fabricas...
Calliari - Ao montar esse pacote
a intenção do Cade foi permitir a
entrada de um competidor de
porte nacional. Ele terá uma fábrica em cada região do país, uma
marca como a Bavaria, que já é
conhecida no Brasil inteiro, e a rede de distribuição, que é o que
mais importa nesse tipo de negócio. Poderemos discutir uma ou
outra alteração, mas o objetivo é
vender o pacote fechado.
Folha - E as cervejarias regionais, que são minúsculas perto
da AmBev, Kaiser e companhia?
Elas não serão prejudicadas?
Calliari- Não necessariamente.
Se a AmBev quiser aumentar
muito os preços, por exemplo,
elas serão beneficiadas. O consumidor muda para uma marca
mais barata. Se, por outro lado, a
AmBev diminuir seus preços para
eliminar a concorrência, ela será
julgada e punida pelo Cade.
Folha - O sr. ficou satisfeito
com a decisão do conselho?
Calliari - Na verdade, eu tinha
uma posição um pouco mais rigorosa. Minha proposta era que,
além da Bavaria, fossem incluídas
no pacote outras duas marcas, a
Bohemia e a Polar. São marcas
com pouca participação de mercado, mas dariam ao comprador
mais força para se expandir. Com
acesso à rede de distribuição da
AmBev, elas poderiam ser oferecidas em todo o país. Fui voto
vencido, mas, se não estivesse,
não teria votado a favor.
Folha - Em algum momento ficou em dúvida?
Calliari - Considerei essa fusão
prejudicial ao mercado, mas procurei maneiras de corrigir os efeitos anticompetitivos da operação
e permitir que ela passasse. As fusões tornam as empresas mais eficientes e isso é bom para a economia. O importante é permitir que
as empresas se associem para melhor, mas coibir os abusos.
Folha - As acusações de tentativas de subornar membros do
Cade não podem prejudicar a
legitimidade da decisão?
Calliari - Não. Não existem informações que coloquem nenhum membro do conselho sob
suspeita.
Folha - O sr. já chegou a ser
procurado por alguém com uma
conversa suspeita?
Calliari - Nunca aconteceu. Não
há espaço para isso. Eu nunca recebo ninguém sozinho na minha
sala. Minha agenda é pública, as
pessoas sabem com quem eu me
encontro.
Folha - O sr. gosta de cerveja?
Calliari - Gosto.
Folha - Qual é sua marca predileta?
Calliari - Prefiro não contar.
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