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São Paulo, quarta-feira, 02 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Reestruturando empresas e setores

PAULO RABELLO DE CASTRO

A queda de cerca de 33% no poder de compra cambial dos brasileiros, conjugada à compressão espantosa do crédito interno, gerou um "efeito tesoura" sobre o resultado das empresas em 2001 e 2002. Muitas delas apresentam-se hoje em situação financeiramente crítica, embora seu negócio, numa mirada longa, permaneça viável.
O recurso ao "funding" externo para projetos de expansão voltados ao mercado doméstico resultou em opção não raro catastrófica, pela conjunção das desvalorizações do câmbio, que deu um salto nominal da ordem de 50% nos últimos 18 meses, e do encolhimento de uma demanda que se supunha poder continuar crescendo a taxas de "Brasil grande".
A frustração veio acompanhada do perigo da concordata. A situação é particularmente difícil naqueles setores de alguma forma regulados pelo governo. Na distribuição de energia, o setor tenta buscar na revisão tarifária -que ocorre a partir deste ano, para muitas empresas- o que perdeu em receita pela retração voluntária dos consumidores desde o episódio do racionamento de 2001. Acontece, porém, que esse consumidor deverá continuar retraído não só pela elevação extraordinária das contas de energia, ante o salário minguante, como também pelo ritmo mais lento da economia, salvo naqueles nichos felizmente estimulados pelas oportunidades de exportação.
Algo semelhante, embora com conotações próprias, tem ocorrido no setor de telecomunicações, embora aí seja nítida a diferença de resultado entre as empresas com grande densidade de tráfego e os negócios periféricos na encarniçada concorrência por fatias do mercado.
Na aviação civil, a antropofagia no mercado se apresenta com fortes tonalidades de desgovernança corporativa. Como setor muito mal regulado pelo governo, fortemente taxado e sujeito à convivência com monopólios de serviços estatais, o transporte aéreo brasileiro agora busca, na tentativa de fusão de suas duas maiores empresas, uma solução de "casamento à porta da delegacia", quando deveria, por prudência, antes fazer um exame de sangue detalhado dos noivos à força.
Um exame mais cuidadoso fatalmente apontaria que a superação da profunda crise da aviação não passa por tentar "colar" operações tão distintas de empresas aéreas sem antes dar atenção aos vírus organizacionais e financeiros que cada uma delas carregará para dentro do casamento.
O BNDES, como banco de fomento historicamente ligado do desenvolvimento industrial, depara um desafio -talvez o maior de sua carreira: como redefinir a palavra socorro na linguagem desenvolvimentista do banco.
Recorre-se, agora, ao conceito de política setorial, certamente preferido pelos economistas do banco por conotar uma abordagem despojada de preferências indevidas a certas empresas. Mas, afinal, qual política setorial?
Existe um limite para a presunção de que o governo ou o banco de desenvolvimento possam equacionar sozinhos os impasses setoriais. Nisso estão certas as declarações das autoridades.
Contudo as crises e suas possíveis soluções se dão no espaço e no âmbito das empresas. Não existe, propriamente, "crise do setor". São as empresas os núcleos efetivos de produção e, como tal, merecerão ou não suporte financeiro público mediante mudanças radicais em sua estruturas governativas.
Para exercitar esse socorro de modo útil e eficiente, o governo precisará de uma legislação específica para a reestruturação de empresas em estado de crise financeira.
Não obstante o projeto da nova Lei de Falências, ora em curso no Congresso, a urgência e a relevância do tema estariam a exigir providências imediatas da administração Lula.
Um curso possível de ação seria na linha da contribuição oferecida pelo professor Jorge Lobo, especialista na matéria, que sugere, na sua obra de direito concursal, as regras de uma interferência direta do poder público sobre as empresas consideradas solventes, porém ilíquidas.
Rapidez de ação pelo Judiciário, flexibilidade no tratamento dos passivos e atenção para o afastamento de administradores e até de controladores responsáveis por desmandos, além do envolvimento participativo dos empregados e fornecedores na recuperação da empresa em crise, são apenas alguns dos aspectos daquele excelente anteprojeto, que deveria despertar o interesse das autoridades neste momento.
O governo vai precisar de armas modernas para enfrentar o que ainda está por vir.


Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

E-mail -
paulo@rcconsultores.com.br



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