|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Reestruturando empresas e setores
PAULO RABELLO DE CASTRO
A queda de cerca de 33% no
poder de compra cambial
dos brasileiros, conjugada à compressão espantosa
do crédito interno, gerou um
"efeito tesoura" sobre o resultado
das empresas em 2001 e 2002.
Muitas delas apresentam-se hoje
em situação financeiramente crítica, embora seu negócio, numa
mirada longa, permaneça viável.
O recurso ao "funding" externo
para projetos de expansão voltados ao mercado doméstico resultou em opção não raro catastrófica, pela conjunção das desvalorizações do câmbio, que deu um
salto nominal da ordem de 50%
nos últimos 18 meses, e do encolhimento de uma demanda que se
supunha poder continuar crescendo a taxas de "Brasil grande".
A frustração veio acompanhada do perigo da concordata. A situação é particularmente difícil
naqueles setores de alguma forma
regulados pelo governo. Na distribuição de energia, o setor tenta
buscar na revisão tarifária -que
ocorre a partir deste ano, para
muitas empresas- o que perdeu
em receita pela retração voluntária dos consumidores desde o episódio do racionamento de 2001.
Acontece, porém, que esse consumidor deverá continuar retraído
não só pela elevação extraordinária das contas de energia, ante o
salário minguante, como também pelo ritmo mais lento da economia, salvo naqueles nichos felizmente estimulados pelas oportunidades de exportação.
Algo semelhante, embora com
conotações próprias, tem ocorrido
no setor de telecomunicações, embora aí seja nítida a diferença de
resultado entre as empresas com
grande densidade de tráfego e os
negócios periféricos na encarniçada concorrência por fatias do
mercado.
Na aviação civil, a antropofagia
no mercado se apresenta com fortes tonalidades de desgovernança
corporativa. Como setor muito
mal regulado pelo governo, fortemente taxado e sujeito à convivência com monopólios de serviços estatais, o transporte aéreo
brasileiro agora busca, na tentativa de fusão de suas duas maiores
empresas, uma solução de "casamento à porta da delegacia",
quando deveria, por prudência,
antes fazer um exame de sangue
detalhado dos noivos à força.
Um exame mais cuidadoso fatalmente apontaria que a superação da profunda crise da aviação
não passa por tentar "colar" operações tão distintas de empresas
aéreas sem antes dar atenção aos
vírus organizacionais e financeiros que cada uma delas carregará
para dentro do casamento.
O BNDES, como banco de fomento historicamente ligado do
desenvolvimento industrial, depara um desafio -talvez o maior
de sua carreira: como redefinir a
palavra socorro na linguagem desenvolvimentista do banco.
Recorre-se, agora, ao conceito
de política setorial, certamente
preferido pelos economistas do
banco por conotar uma abordagem despojada de preferências indevidas a certas empresas. Mas,
afinal, qual política setorial?
Existe um limite para a presunção de que o governo ou o banco
de desenvolvimento possam
equacionar sozinhos os impasses
setoriais. Nisso estão certas as declarações das autoridades.
Contudo as crises e suas possíveis soluções se dão no espaço e no
âmbito das empresas. Não existe,
propriamente, "crise do setor".
São as empresas os núcleos efetivos de produção e, como tal, merecerão ou não suporte financeiro
público mediante mudanças radicais em sua estruturas governativas.
Para exercitar esse socorro de
modo útil e eficiente, o governo
precisará de uma legislação específica para a reestruturação de
empresas em estado de crise financeira.
Não obstante o projeto da nova
Lei de Falências, ora em curso no
Congresso, a urgência e a relevância do tema estariam a exigir providências imediatas da administração Lula.
Um curso possível de ação seria
na linha da contribuição oferecida pelo professor Jorge Lobo, especialista na matéria, que sugere,
na sua obra de direito concursal,
as regras de uma interferência direta do poder público sobre as
empresas consideradas solventes,
porém ilíquidas.
Rapidez de ação pelo Judiciário,
flexibilidade no tratamento dos
passivos e atenção para o afastamento de administradores e até
de controladores responsáveis por
desmandos, além do envolvimento participativo dos empregados e
fornecedores na recuperação da
empresa em crise, são apenas alguns dos aspectos daquele excelente anteprojeto, que deveria
despertar o interesse das autoridades neste momento.
O governo vai precisar de armas
modernas para enfrentar o que
ainda está por vir.
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
paulo@rcconsultores.com.br
Texto Anterior: Risco-país caiu por causa do aperto fiscal, diz Leme Próximo Texto: Imposto de renda: Entrega supera em 35% a de 2002 Índice
|