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São Paulo, quarta-feira, 02 de abril de 2003

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ARTIGO

Greenspan enfrenta as mesmas dúvidas da Guerra do Golfo

EDMUND L. ANDREWS
DO "THE NEW YORK TIMES"

Era agosto de 1990, poucas semanas após o Iraque invadir o Kuwait, e Alan Greenspan se debatia com questões assombrosamente semelhantes às que ele enfrenta hoje.
Greenspan, o presidente do Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA), temia que tropas iraquianas estivessem suficientemente perto para iniciar "ataques camicases" aos principais campos de petróleo sauditas. Na época, assim como hoje, os preços do petróleo tinham disparado e os mercados financeiros estavam em pânico. Assim como hoje, a economia dos EUA começara a enfraquecer mesmo antes de a luta começar.
Mas na época, assim como hoje, Greenspan estava convencido de que a principal tarefa do Fed era projetar estabilidade.
"Aqueles que afirmam que já estamos em uma recessão estão com razoável certeza errados", disse à Comissão Federal de Mercado Aberto, que define a política monetária. "Temos de reconhecer que existe uma probabilidade muito limitada de que a economia seja afetada de maneira significativa. Eu suspeitaria nesta altura de que o Pentágono tem mais poder de criar políticas do que nós."
Como vimos, Greenspan estava errado em um ponto importante. O Departamento Nacional de Pesquisas Econômicas, que define oficialmente os picos e baixas dos ciclos econômicos, concluiu mais tarde que uma recessão tinha começado exatamente naquele mês. O Fed logo começou a cortar as taxas de juros, mas a desaceleração persistiu e contribuiu para a derrota de Bush pai à reeleição em 1992.
Hoje Greenspan enfrenta novamente o impacto da guerra contra o Iraque e o que ele chamou de "calmaria" em casa. Ainda mais que em 1990, argumentou que a economia americana está sólida e que o crescimento começará assim que as "incertezas geopolíticas" forem solucionadas.
Mas as incertezas vêm crescendo. Um número cada vez maior de especialistas teme que a confiança das empresas possa continuar baixa por algum tempo, mesmo que a guerra termine rapidamente. E quando a guerra poderá terminar tornou-se uma pergunta cada vez mais aberta. O desemprego continua subindo, a produção industrial segue estagnada e as economias da Europa e do Japão estão declinando ainda mais que a dos EUA.
Michael Prell, consultor econômico que foi diretor de pesquisa do Fed entre 1987 e 2000, disse que Greenspan pode estar sendo exageradamente otimista.
"Minha impressão é que ele deu um grande peso à guerra e ao mercado de petróleo", disse, na semana passada. "Mas não estou convencido de que a incerteza sobre a guerra tenha alguma coisa a ver com toda a história por trás da lentidão da economia."

Parceiro silencioso
Greenspan, 77, a um ano do fim de seu quarto mandato de quatro anos na presidência do Fed, tem um relacionamento complexo com a Casa Branca. Alerta e enérgico como sempre, recentemente perturbou as autoridades ao lançar dúvidas sobre a sabedoria dos planos de cortes de impostos do presidente.
Mas em muitos sentidos Greenspan é o parceiro silencioso de Bush na guerra contra o Iraque. Se a guerra ficar pior do que se esperava ou se a economia não se recuperar quando o combate terminar, autoridades do Fed sugeriram enfaticamente que vão bombear dinheiro na economia reduzindo os juros.
Talvez igualmente importante para Bush seja o fato de Greenspan ter demonstrado pouca ansiedade sobre os custos da guerra ou os riscos de ruptura no abastecimento mundial de petróleo. Dada a extensão em que os líderes políticos e os mercados financeiros dissecam cada palavra de Greenspan, sua aparente tranquilidade é uma fonte crucial de apoio a Bush.

Culpado
Muitas pessoas que trabalharam no primeiro governo Bush ainda acusam Greenspan pela derrota na reeleição de 1992. E muitos na Casa Branca de Bush gostariam de instalar seu próprio candidato quando terminar o de Greenspan, em junho de 2004. Se ele desejará sair então, não é certo.
Mas sua credibilidade no mercado é tão forte e sua perspicácia é tão considerada que Bush não pode passar sem ele por enquanto.
Nenhum presidente do Fed teve tanta influência quanto Greenspan, e a chave dessa influência é sua credibilidade nos mercados e entre os líderes políticos. Embora sua reputação tenha sido maculada após o estouro da bolha das ações, em 2000, a maioria dos economistas ainda lhe dá crédito por identificar precocemente grandes viradas na economia e dar respostas ousadas.
Em 1994, começou a elevar suavemente os juros na tentativa de evitar o superaquecimento da economia e a elaborar uma "descida suave" sem recessão. Em 1997, estava muito à frente dos próprios economistas do Fed ao reconhecer que o aumento da produtividade tinha se acelerado muito, fazendo a economia crescer em um ritmo mais rápido sem causar inflação. Sua política de juros, muitos concordam, ajudou a promover a mais longa expansão econômica dos EUA.

Estouro da bolha
Um grande número de economistas diz que Greenspan demorou demais para reconhecer os excessos da nova economia na bolha de ações. Mas muitos dizem que Greenspan foi astuto ao reconhecer a desaceleração econômica que começou no início de 2001.
Desde então o Fed baixou os juros 12 vezes, para o nível mais baixo em 40 anos.
Greenspan expressou diversas vezes otimismo de que a confiança das empresas e dos investidores se recuperará assim que o tiroteio se acalmar no Iraque. Mas minutas da reunião de janeiro da Comissão Federal de Mercado Aberto sugerem que muitos outros oficiais do Fed, esperando a guerra, ficaram ao mesmo tempo perplexos e ansiosos.
Greenspan não deu pistas sobre se deseja continuar na presidência do Fed depois de seu mandato. Devido às peculiaridades das regras que regem os mandatos no conselho do Fed, o prazo de Greenspan como governador só expira na verdade em 2006. Isso aumenta a possibilidade surpreendente de que Greenspan continue como governador mesmo que a Casa Branca deseje um novo presidente.

Especulação
As pessoas que conhecem Greenspan dizem acreditar que ele quer continuar na presidência pelo menos até 2006. A maior parte da especulação sobre possíveis sucessores se concentra em Feldstein, professor da Harvard que foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente Ronald Reagan.
A maioria dos analistas crê que o governo Bush só vai se concentrar no assunto depois que a guerra terminar. O mais surpreendente é a recusa da Casa Branca a criticar publicamente Greenspan, mesmo quando ele a incomoda com comentários críticos sobre a tese do governo de que o país precisa de grandes cortes fiscais.
O economista David M. Jones, autor de muitos livros sobre o Fed, disse que a importância de Greenspan nos mercados mundiais significa que ele ainda controla seu futuro.
"Acho que a pessoa mais importante na decisão sobre o sucessor de Alan Greenspan será Alan Greenspan."


Tradução de Luiz Roberto Gonçalves

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