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OPINIÃO ECONÔMICA
Não basta sepultar a MP 232
GESNER OLIVEIRA
Adeus , MP 232; ou melhor,
ao inferno a MP 232. Prevaleceu o bom senso e o governo foi
obrigado, ao menos por enquanto, a fazer aquilo que tinha sido
prometido em 2004: corrigir parcialmente a tabela do Imposto de
Renda das pessoas físicas. Mais
importante do que a derrota deste
ou daquele partido, deste ou daquele ministro, importa o sinal
histórico da sociedade de repúdio
ao apetite arrecadador do setor
público.
A MP 232 constitui modelo primoroso daquilo que não deve ser
feito em matéria tributária. Merece um capítulo em manual de
finanças públicas. Em primeiro
lugar, porque foi feita às escondidas, como pacote de final de ano
embalado como presente na carona da correção da tabela do IR.
Em segundo lugar, porque procurou taxar empresas de serviços
que já tinham sofrido aumento
recente (166,7% em setembro de
2003) de impostos e empregam
muita mão-de-obra. Em terceiro,
porque acarretaria ainda mais
burocracia e informalidade na
economia.
Mas, no passado recente, foram
aceitas coisas muito piores do que
a MP 232. Afinal, o confisco do
Plano Collor completou apenas 15
anos. Na área de impostos, a carga tributária passou de 24% em
1991 para 37% em 2004. São 13
pontos percentuais, o equivalente
ao acréscimo de um ponto percentual por ano na carga tributária. No mesmo período, o país
apresentou crescimento medíocre, ligeiramente superior a 2%
ao ano.
O Brasil possui carga tributária
muito superior àquela de países
com nível similar de PIB per capita. É o caso da Argentina (21%) e
do México (16%). Tal nível de
carga tributária é incompatível
com a desejável aceleração do
crescimento de forma sustentada.
Não se trata apenas de extrair recursos em excesso da sociedade. O
problema é que tais recursos não
retornam sob a forma de bens e
serviços públicos de forma satisfatória.
Se a carga tributária fosse de
50%, mas se traduzisse em formação de capital social básico e em
aumento de produtividade, a
oposição não seria tão forte, ou
pelo menos tão legítima. No entanto a percepção que se tem é a
de que a tributação caminha em
direção a padrões escandinavos
enquanto os serviços prestados
pelo Estado mantêm padrões africanos.
Tamanha disparidade entre taxação e qualidade de serviços,
acompanhada de enorme burocracia no recolhimento dos impostos, gera incentivos à sonegação. Por sua vez, tal fato condena
setores inteiros à informalidade.
A existência de grande parcela da
economia na informalidade inibe
o crescimento de várias formas.
Em primeiro lugar, diminui o
investimento de empresas que
cumprem suas obrigações tributárias, mas que enfrentam a concorrência desleal daquelas que
operam à margem das regras. Em
segundo lugar, gera pendências e
passivos potenciais (verdadeiros
esqueletos) em um número grande de empresas, diminuindo seu
valor e sua capacidade de expansão. Para pequenos e médios empreendimentos, pode significar
um limite claro ao crescimento,
na medida em que impede seu
acesso ao sistema de crédito. Por
fim, ao inibir o crescimento dos
empréstimos à atividade produtiva, a informalidade destrói uma
das principais alavancas do crescimento econômico.
Assim, o movimento contra a
MP 232 representou um marco na
resistência à asfixia tributária do
crescimento econômico. No entanto persiste a ameaça de novas
investidas contra o contribuinte.
Não existe milagre em economia.
Os recursos são escassos e as pressões pelo aumento dos gastos públicos são imensas.
A elevação do déficit público
não é uma solução. O descontrole
das contas públicas comprometeria a estabilidade macroeconômica. Se a arrecadação não pode
crescer mais do que o produto, e o
déficit público como proporção do
PIB não pode subir (e idealmente
deveria cair), a solução deve recair na redução de despesas.
Isso parece o óbvio, mas, na
prática, é muito difícil de ser implementado. Agora que as empresas de serviços saíram da mira da
Receita Federal, outros setores estão ameaçados. Como é difícil
cortar gastos, a propensão natural é encontrar meios de elevar a
arrecadação de outras formas, isto é, taxando outros segmentos.
A solução para o impasse reside
no reforço a mecanismos automáticos de corte de gastos públicos. Estabelecido um teto para a
carga tributária (já atingido com
folga no caso brasileiro) e uma
meta para o déficit, o ajuste deve
ocorrer do lado das despesas -e
não dos impostos.
Há precedentes históricos nesse
sentido. Lembre-se, por exemplo,
do dispositivo da Lei Gramm-Rudman-Hollins, que introduziu
cortes lineares de despesas em caso de violação das metas predeterminadas de redução de déficit
nos anos 80, nos EUA. Tal experiência poderia ser aperfeiçoada,
introduzindo critérios para o corte de despesas que privilegiassem
a formação de capital humano e o
investimento produtivo.
A mobilização contrária à MP
232 contribuiu para evitar os efeitos nefastos que seriam causados
por tal medida provisória. Agora
é preciso transformar o sentimento de indignação em propostas
concretas para romper um dos
maiores entraves ao crescimento
do país.
Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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