São Paulo, sábado, 02 de abril de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Não basta sepultar a MP 232

GESNER OLIVEIRA

Adeus , MP 232; ou melhor, ao inferno a MP 232. Prevaleceu o bom senso e o governo foi obrigado, ao menos por enquanto, a fazer aquilo que tinha sido prometido em 2004: corrigir parcialmente a tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas. Mais importante do que a derrota deste ou daquele partido, deste ou daquele ministro, importa o sinal histórico da sociedade de repúdio ao apetite arrecadador do setor público.
A MP 232 constitui modelo primoroso daquilo que não deve ser feito em matéria tributária. Merece um capítulo em manual de finanças públicas. Em primeiro lugar, porque foi feita às escondidas, como pacote de final de ano embalado como presente na carona da correção da tabela do IR. Em segundo lugar, porque procurou taxar empresas de serviços que já tinham sofrido aumento recente (166,7% em setembro de 2003) de impostos e empregam muita mão-de-obra. Em terceiro, porque acarretaria ainda mais burocracia e informalidade na economia.
Mas, no passado recente, foram aceitas coisas muito piores do que a MP 232. Afinal, o confisco do Plano Collor completou apenas 15 anos. Na área de impostos, a carga tributária passou de 24% em 1991 para 37% em 2004. São 13 pontos percentuais, o equivalente ao acréscimo de um ponto percentual por ano na carga tributária. No mesmo período, o país apresentou crescimento medíocre, ligeiramente superior a 2% ao ano.
O Brasil possui carga tributária muito superior àquela de países com nível similar de PIB per capita. É o caso da Argentina (21%) e do México (16%). Tal nível de carga tributária é incompatível com a desejável aceleração do crescimento de forma sustentada. Não se trata apenas de extrair recursos em excesso da sociedade. O problema é que tais recursos não retornam sob a forma de bens e serviços públicos de forma satisfatória.
Se a carga tributária fosse de 50%, mas se traduzisse em formação de capital social básico e em aumento de produtividade, a oposição não seria tão forte, ou pelo menos tão legítima. No entanto a percepção que se tem é a de que a tributação caminha em direção a padrões escandinavos enquanto os serviços prestados pelo Estado mantêm padrões africanos.
Tamanha disparidade entre taxação e qualidade de serviços, acompanhada de enorme burocracia no recolhimento dos impostos, gera incentivos à sonegação. Por sua vez, tal fato condena setores inteiros à informalidade. A existência de grande parcela da economia na informalidade inibe o crescimento de várias formas.
Em primeiro lugar, diminui o investimento de empresas que cumprem suas obrigações tributárias, mas que enfrentam a concorrência desleal daquelas que operam à margem das regras. Em segundo lugar, gera pendências e passivos potenciais (verdadeiros esqueletos) em um número grande de empresas, diminuindo seu valor e sua capacidade de expansão. Para pequenos e médios empreendimentos, pode significar um limite claro ao crescimento, na medida em que impede seu acesso ao sistema de crédito. Por fim, ao inibir o crescimento dos empréstimos à atividade produtiva, a informalidade destrói uma das principais alavancas do crescimento econômico.
Assim, o movimento contra a MP 232 representou um marco na resistência à asfixia tributária do crescimento econômico. No entanto persiste a ameaça de novas investidas contra o contribuinte. Não existe milagre em economia. Os recursos são escassos e as pressões pelo aumento dos gastos públicos são imensas.
A elevação do déficit público não é uma solução. O descontrole das contas públicas comprometeria a estabilidade macroeconômica. Se a arrecadação não pode crescer mais do que o produto, e o déficit público como proporção do PIB não pode subir (e idealmente deveria cair), a solução deve recair na redução de despesas.
Isso parece o óbvio, mas, na prática, é muito difícil de ser implementado. Agora que as empresas de serviços saíram da mira da Receita Federal, outros setores estão ameaçados. Como é difícil cortar gastos, a propensão natural é encontrar meios de elevar a arrecadação de outras formas, isto é, taxando outros segmentos.
A solução para o impasse reside no reforço a mecanismos automáticos de corte de gastos públicos. Estabelecido um teto para a carga tributária (já atingido com folga no caso brasileiro) e uma meta para o déficit, o ajuste deve ocorrer do lado das despesas -e não dos impostos.
Há precedentes históricos nesse sentido. Lembre-se, por exemplo, do dispositivo da Lei Gramm-Rudman-Hollins, que introduziu cortes lineares de despesas em caso de violação das metas predeterminadas de redução de déficit nos anos 80, nos EUA. Tal experiência poderia ser aperfeiçoada, introduzindo critérios para o corte de despesas que privilegiassem a formação de capital humano e o investimento produtivo.
A mobilização contrária à MP 232 contribuiu para evitar os efeitos nefastos que seriam causados por tal medida provisória. Agora é preciso transformar o sentimento de indignação em propostas concretas para romper um dos maiores entraves ao crescimento do país.


Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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