São Paulo, quinta, 2 de abril de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
"Tupi or not tupi; that is the question"

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A meu pai
Neste mês de abril, nos dias 18 e 19 (Dia do Índio!), teremos a abertura oficial das negociações referentes à eventual formação de uma Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, por ocasião de uma cúpula presidencial em Santiago. Como observaram Maria da Conceição Tavares e Clóvis Rossi, em artigos publicados recentemente nesta Folha, é impressionante, realmente impressionante, que o Brasil esteja participando de entendimento sobre a Alca há vários anos, desde 1994, sem que tenha surgido até agora uma grande discussão nacional a respeito do tema.
Prevalecem a resignação, o fatalismo e a passividade. O Congresso se omite. A imprensa raramente aborda o assunto com a necessária profundidade. Poucos tratam da pergunta essencial que é, afinal, se interessa ou não ao Brasil entrar na Alca. Tudo se passa como se nos bastasse ganhar tempo e adiar o "inevitável".
A diplomacia brasileira parece satisfazer-se com pequenas vitórias formais em pontos relativos a procedimentos e cronograma de negociação. Os EUA, os iniciadores e patrocinadores da idéia, fazem concessões secundárias e vão conseguindo o essencial: colocar o processo de negociação em marcha e torná-lo, aos poucos, mais difícil de reverter.
O Brasil precisa acordar para o fato de que essa negociação, embora só venha a produzir efeitos no longo prazo, tem implicações graves para o destino do país. Agora, talvez mais do que nunca, vale a famosa frase do manifesto antropofágico, de Oswald de Andrade: "Tupi or not to tupi; that is the question".
Não está em jogo apenas uma área de livre comércio de bens, o que já seria, por si só, um objetivo muito ambicioso. A agenda que o governo e os interesses empresariais dos EUA vêm perseguindo, com grande obstinação, é bem mais ampla. Inclui a definição de regras para serviços, investimentos, compras governamentais e defesa da concorrência e da propriedade intelectual.
Como observou o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães em entrevista recente ao "Jornal dos Economistas", a Alca criará, se formada, um espaço econômico comum nas Américas. Acontece que a mais poderosa economia do mundo fará parte desse espaço. Na prática, o Brasil será anexado ao território econômico dos EUA.
Não se deve perder de vista que o governo brasileiro conserva atualmente uma liberdade considerável de manobra em matéria de política econômica externa, a despeito dos compromissos assumidos no Mercosul e na Organização Mundial do Comércio. Pode, por exemplo, lançar mão de barreiras tarifárias e não-tarifárias para fazer face a uma deterioração do balanço de pagamentos em conta corrente ou defender setores da economia gravemente atingidos pela competição externa.
Constituída a Alca, a situação seria completamente diferente. As empresas instaladas no Brasil ficariam expostas, de forma irremediável, às ventanias da competição com as corporações da maior economia do planeta. Assumiríamos a obrigação formal de não lançar mão de qualquer tipo de mecanismo, tarifário ou não-tarifário, para restringir importações oriundas dos demais países signatários da Alca. Para mudar a política de comércio exterior, alerta o embaixador Guimarães, teríamos que romper um tratado internacional.
A ninguém escapa o enorme hiato que separa as empresas nacionais das norte-americanas e o Brasil dos EUA. Quem se anima a assegurar que esse hiato poderá ser substancialmente reduzido até 2005 ou mesmo 2015?
A Alca implicaria dar condições iguais de tratamento a empresas com capacidade profundamente desigual de competição, em termos tecnológicos, organizacionais e financeiros. Seria um verdadeiro massacre para muitas empresas brasileiras. E para o país, a consagração definitiva de um estado de subdesenvolvimento e dependência.
Vamos nos pautar pelo exemplo dos EUA, cuja grandeza se forjou, como lembra Barbosa Lima Sobrinho, sob a obsessão da autonomia e da independência. Enquanto foram uma economia relativamente menos desenvolvida, os EUA sempre encararam o liberalismo econômico britânico com grande reserva. Não seguiram essa política na prática. E nunca teriam chegado aonde chegaram, escreve Lima Sobrinho, se não tivessem recusado, "como afrontas ao brio nacional, os argumentos com que se costuma enfeitar a condição dos satélites".


Paulo Nogueira Batista Jr., 43, professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net



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