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OPINIÃO ECONÔMICA
"Tupi or not tupi; that is the question"
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A meu pai
Neste mês de abril, nos dias 18
e 19 (Dia do Índio!), teremos a
abertura oficial das negociações
referentes à eventual formação
de uma Área de Livre Comércio
das Américas, a Alca, por ocasião de uma cúpula presidencial em Santiago. Como observaram Maria da Conceição Tavares e Clóvis Rossi, em artigos
publicados recentemente nesta
Folha, é impressionante, realmente impressionante, que o
Brasil esteja participando de
entendimento sobre a Alca há
vários anos, desde 1994, sem
que tenha surgido até agora
uma grande discussão nacional
a respeito do tema.
Prevalecem a resignação, o fatalismo e a passividade. O Congresso se omite. A imprensa raramente aborda o assunto com
a necessária profundidade.
Poucos tratam da pergunta essencial que é, afinal, se interessa ou não ao Brasil entrar na
Alca. Tudo se passa como se nos
bastasse ganhar tempo e adiar
o "inevitável".
A diplomacia brasileira parece satisfazer-se com pequenas
vitórias formais em pontos relativos a procedimentos e cronograma de negociação. Os EUA,
os iniciadores e patrocinadores
da idéia, fazem concessões secundárias e vão conseguindo o
essencial: colocar o processo de
negociação em marcha e torná-lo, aos poucos, mais difícil
de reverter.
O Brasil precisa acordar para
o fato de que essa negociação,
embora só venha a produzir
efeitos no longo prazo, tem implicações graves para o destino
do país. Agora, talvez mais do
que nunca, vale a famosa frase
do manifesto antropofágico, de
Oswald de Andrade: "Tupi or
not to tupi; that is the question".
Não está em jogo apenas uma
área de livre comércio de bens,
o que já seria, por si só, um
objetivo muito ambicioso. A
agenda que o governo e os interesses empresariais dos EUA
vêm perseguindo, com grande
obstinação, é bem mais ampla.
Inclui a definição de regras para serviços, investimentos, compras governamentais e defesa
da concorrência e da propriedade intelectual.
Como observou o embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães em
entrevista recente ao "Jornal
dos Economistas", a Alca criará, se formada, um espaço econômico comum nas Américas.
Acontece que a mais poderosa
economia do mundo fará parte
desse espaço. Na prática, o Brasil será anexado ao território
econômico dos EUA.
Não se deve perder de vista
que o governo brasileiro conserva atualmente uma liberdade
considerável de manobra em
matéria de política econômica
externa, a despeito dos compromissos assumidos no Mercosul e
na Organização Mundial do
Comércio. Pode, por exemplo,
lançar mão de barreiras tarifárias e não-tarifárias para fazer
face a uma deterioração do balanço de pagamentos em conta
corrente ou defender setores da
economia gravemente atingidos
pela competição externa.
Constituída a Alca, a situação
seria completamente diferente.
As empresas instaladas no Brasil ficariam expostas, de forma
irremediável, às ventanias da
competição com as corporações
da maior economia do planeta.
Assumiríamos a obrigação formal de não lançar mão de qualquer tipo de mecanismo, tarifário ou não-tarifário, para restringir importações oriundas
dos demais países signatários
da Alca. Para mudar a política
de comércio exterior, alerta o
embaixador Guimarães, teríamos que romper um tratado internacional.
A ninguém escapa o enorme
hiato que separa as empresas
nacionais das norte-americanas e o Brasil dos EUA. Quem se
anima a assegurar que esse hiato poderá ser substancialmente
reduzido até 2005 ou mesmo
2015?
A Alca implicaria dar condições iguais de tratamento a empresas com capacidade profundamente desigual de competição, em termos tecnológicos, organizacionais e financeiros. Seria um verdadeiro massacre para muitas empresas brasileiras.
E para o país, a consagração
definitiva de um estado de subdesenvolvimento e dependência.
Vamos nos pautar pelo exemplo dos EUA, cuja grandeza se
forjou, como lembra Barbosa
Lima Sobrinho, sob a obsessão
da autonomia e da independência. Enquanto foram uma
economia relativamente menos
desenvolvida, os EUA sempre
encararam o liberalismo econômico britânico com grande reserva. Não seguiram essa política na prática. E nunca teriam
chegado aonde chegaram, escreve Lima Sobrinho, se não tivessem recusado, "como afrontas ao brio nacional, os argumentos com que se costuma enfeitar a condição dos satélites".
Paulo Nogueira Batista Jr., 43, professor da
Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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