São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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TRABALHO

Segundo estudo, cresceu a proporção dos setores público e rural dentro da central criada pelo presidente Lula

CUT "envelhece" e se aproxima do Estado

CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

A CUT (Central Única dos Trabalhadores), que nasceu em 1983 como a central mais aguerrida do sindicalismo brasileiro, envelheceu, aproximou-se do Estado e distanciou-se de sua base.
Estudo inédito do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), da Unicamp e da Escola Sindical São Paulo-CUT revela que, na última década, mudaram o perfil e o projeto político dos delegados da central que o presidente Lula ajudou a criar.
A pesquisa "Quem são e o que pensam os delegados da CUT" foi realizada durante o 8º Congresso Nacional da central em junho de 2003 com 1.722 dos 2.500 delegados que participaram do evento.
Os resultados do levantamento sobre quem são e o que pensam os delegados da CUT podem dar subsídios à formulação de políticas e estratégias da central. "O perfil dos dirigentes é o perfil da CUT", afirma Claudio Dedecca, pesquisador do Cesit e um dos coordenadores do trabalho.
Uma das mudanças no perfil da central é o envelhecimento dos dirigentes das entidades sindicais ligadas à CUT. Enquanto em 1994, no 5º Concut, 29% dos delegados da central tinham mais de 40 anos, em 2003, eram 58%.
"Isso sinaliza um menor grau de renovação na direção da central. É um fato novo. Até meados dos anos 90, a CUT passou por renovação intensa de quadros", diz o pesquisador da Unicamp.
Esse movimento está associado ao baixo crescimento econômico e à falta de postos de trabalho durante a década de 90. Os trabalhadores de diversas categorias ingressaram no mercado de trabalho até a década de 80.
O levantamento também mostra que, enquanto no passado a CUT lutava pela não-interferência do Estado nas relações entre patrões e empregados, hoje a central defende "uma regulação estatal combinada com negociação coletiva". Isso seria uma forma de garantir um patamar mínimo de direitos para os trabalhadores.
"Nos anos 80, a CUT defendia o fim da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], da Justiça do Trabalho e a não-interferência do Estado nas relações trabalhistas. Em 2003 defende que os direitos básicos devam ser regulados pelo Estado e que outros direitos devam ser discutidos nas negociações coletivas", diz Dedecca.
Para 69,3% dos delegados, o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) deve ser regulado exclusivamente pela lei, assim como férias (66,9%), 13º salário (63,6%) e licenças maternidade e paternidade (62%).

Distanciamento da base
Um dos pontos que mais surpreendeu os pesquisadores foi o distanciamento crescente entre os delegados e as chamadas bases. Isso porque a maioria dos delegados, segundo o levantamento, tem cargo de direção -90% dos delegados ocupavam funções no primeiro escalão. "Isso mostra que o último congresso da CUT foi marcado por reduzida participação da base. Somente 6,7% dos dirigentes eram diretamente vinculados a algum tipo de organização sindical no local de trabalho", informa o relatório da Unicamp.
No ano passado, 23% dos delegados presentes eram presidentes de suas entidades e 9% eram tesoureiros. Há dez anos, esses percentuais eram, respectivamente, 18% e 5%. "Cada vez mais a CUT é organizada pela liderança sindical. A presença de trabalhadores de base vinculados a cargos de direção é pequena. A CUT é hoje uma central de direção sindical."
O trabalho também mostra que 40% dos delegados eram ligados ao setor público em 1994. Há dez anos, eram 33,7%. Também dobrou a representação do setor rural (de 10% para 20%) no período. Não houve mudança na representação do setor industrial, que se manteve em 16% em dez anos.
O estudo revela ainda que os delegados da central têm renda média de 4,2 salários mínimos -quase o dobro da renda média do trabalhador brasileiro (2,5 salários mínimos).
Em relação à não-renovação de quadros da central e ao envelhecimento dos dirigentes, o presidente da CUT, Luiz Marinho, afirma que os mais jovens estão em "formação" nas organizações locais de trabalho. "Já passou pela CUT a geração de Meneguelli, a de Vicentinho e, atualmente, a minha. Os mais jovens estão nas Cipas e nas comissões de fábrica."
A mudança em relação à interferência desejável do Estado deve-se ao fato de o país ter passado por profundas mudanças em seu regime político, avalia o sindicalista. "Se antes tínhamos uma ditadura, hoje temos um Estado democrático. Isso certamente interfere na relação com o Estado."
Para Marinho, a central se mantém próxima aos trabalhadores porque está presente nas fábricas e nos locais de trabalho. "Os delegados que participaram do congresso podem ocupar cargos de direção, como mostra a pesquisa, mas eles foram eleitos em congressos e assembléias que reuniram os trabalhadores", diz.
Segundo ele, a CUT não mudou com o início do governo Lula. "Apenas aumentou a nossa responsabilidade de defender as lutas dos trabalhadores", diz.
Na avaliação do dirigente, a central está crescendo, se fortalecendo e reafirmando seu papel na sociedade. Há 21 anos, quando foi criada, a central reunia 362 sindicatos. Hoje, são 3.334 sindicatos filiados e 22,5 milhões de trabalhadores em sua base. Um mês antes de o governo petista chegar ao comando do país, a central reunia 3.309 sindicatos. No mês passado, eram 3.334.
"Quem dizia que a CUT iria ser o braço direito do governo se enganou. Ajudamos a eleger Lula e apoiamos os projetos a longo prazo. Mas não abrimos mão de criticar o que está errado", diz.


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