São Paulo, domingo, 02 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

A morte dos pobres e as responsabilidades dos ricos

JEFFREY SACHS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em um livro chocante do ano passado, intitulado "Late Victorian Holocausts" ["Holocaustos do Período Vitoriano Tardio"], Mike Davis descrevia a atitude do império britânico com relação à fome na Índia e outros lugares. Quando as monções falhavam, milhões de indianos enfrentavam a morte iminente. Alimentos poderiam ter sido transportados por via ferroviária, dentro da Índia britânica, permitindo a salvação de muitas pessoas famintas, mas os britânicos acreditavam em uma política de não-interferência. Fome em larga escala era vista como parte da natureza.
Na verdade, as atitudes britânicas eram ainda mais chocantes. Os funcionários britânicos acreditavam que estavam sendo bravos por evitar que "emoções" os influenciassem!
Inacreditável hoje em dia? Não, pois os EUA estão fazendo algo semelhante. O país se mantém inativo enquanto milhões de africanos morrem de Aids.
Recentemente, o secretário do Tesouro e o secretário da Saúde dos EUA visitaram a África e olharam nos olhos os moribundos. Essas pessoas estão morrendo não porque uma morte prematura seja inevitável, mas porque não têm dinheiro para pagar pelos remédios que as conservariam vivas. Se cada norte-americano doasse US$ 10 ao ano para essa causa, mais de 1 milhão de africanos poderiam ser salvos de mortes provocadas pela Aids, anualmente.
Como demonstram estudos recentes, se o bilhão de pessoas dos países ricos doasse US$ 10 per capita ao ano, o total resultante de US$ 10 bilhões permitiria financiar uma batalha séria contra a Aids, a tuberculose e a malária. O novo Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária foi criado neste ano, mas os países ricos contribuíram com menos de 10% do dinheiro que ele precisa.
Toda desculpa é usada para evitar dar ao programa o que lhe é necessário. Importantes funcionários do governo norte-americano continuam a alegar que não há infra-estrutura para distribuição de medicamentos.
Vinte e dois anos após iniciada a pandemia da Aids, o governo Bush insiste em que não permitirá que a emoção dite suas ações. Precisamos de um plano, dizem os EUA, não podemos simplesmente jogar dinheiro fora com esse problema.
A verdade é mais simples. Os africanos praticamente não contam na política norte-americana. Os africanos não votam; não compram produtos dos EUA; não ameaçam com violência. São simplesmente pobres.
Poucos países ricos se saem melhor do que os EUA. A Europa e o Japão também evitaram as contribuições financeiras para o controle da Aids.
Nos próximos meses, os países ricos terão três oportunidades de corrigir seu comportamento. No começo de junho, a Organização da Agricultura e Alimentos das Nações Unidas realizará a Conferência Mundial da Alimentação.
Ainda em junho, os países ricos realizarão sua conferência anual do G-7. Prometeram fazer da África o seu tema central.
Em agosto, os líderes políticos de todo o mundo estarão reunidos em Johannesburgo para a Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável.
Os ricos talvez sintam que palavras inteligentes os absolverão da responsabilidade que portam, mas os famintos e os moribundos são testemunhas da trágica realidade.


Jeffrey D. Sachs é professor da cátedra Galen L. Stone de Economia e diretor do Centro de Desenvolvimento Internacional da Universidade Harvard.

Tradução de Paulo Migliacci

Hoje, excepcionalmente, Gilson Schwartz não escreve nesta coluna.


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