São Paulo, domingo, 02 de junho de 2002

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FINANÇAS

Para o mercado, novo modo de rolar dívida pública seria razão de perdas

Para BC, crítica do mercado é "conversa de perdedor"

Beto Barata/Folha Imagem - 02.abr.01
Luiz Fernando Figueiredo, diretor de Política Monetária do BC


LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O diretor de Política Monetária do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo, afirma que a crítica do mercado financeiro ao novo instrumento adotado pelo BC para a rolagem da dívida em dólar é "conversa de perdedor".
Segundo Figueiredo, instituições que tiveram prejuízos recentemente no mercado de títulos querem transferir o erro na avaliação de investimentos ao BC. "Dizer que o instrumento não deu certo, para mim, é uma coisa ridícula. Essa conversa para mim é coisa de perdedor", ressaltou.
Para ele, o novo instrumento para a rolagem da dívida em dólar, o chamado "swap" [troca de rentabilidade" cambial, permitiu ao Tesouro Nacional economizar, com juros da dívida interna em dólar e pós-fixada, de 2,5 pontos percentuais a 3,5 pontos ao ano.
Segundo analistas ouvidos pela Folha na semana passada, o prejuízo que teria sido causado, entre outros fatores, pela má condução do BC das operações de "swap" chegaria a US$ 3 bilhões (cerca de R$ 7 bilhões).
Uma das causas para as perdas seria, de acordo com os bancos, que o "swap" teria gerado um excesso de papéis pós-fixados (LFTs, corrigidas a juros variáveis) no mercado, provocando uma queda brusca no preço desses títulos e para os fundos e bancos.
Até o mês passado, o BC exigia dos investidores interessados no "swap" cambial a compra de LFTs, o que permitia a rolagem conjunta de dívida em dólar e dívida pós-fixada.
Figueiredo diz que o total de LFTs no mercado caiu em R$ 23 bilhões de janeiro até agora, o que desfaria a tese de excesso de papel. Ele disse também que o BC não desistiu dos "swaps", como alguns têm dito no mercado. "Pode ser que no próximo leilão seja "swap", nada impede", afirmou.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Folha na sexta-feira.

Folha - Por que o BC não fez na semana retrasada nem na semana passada o "swap cambial"?
Luiz Fernando Figueiredo
-Nós sempre fazemos uma pesquisa para saber onde tem demanda. Havia demanda para NTN [Notas do Tesouro Nacional", para essa mais curta [com vencimento em novembro", e também para janeiro e junho. Mas nós preferimos vender a de novembro.
Naquele momento, havia um aumento da volatilidade nos cupons cambiais [contratos futuros de juros em dólar", por isso o que o mercado queria para rolagem era um título mais curto, e nós achamos que era razoável, que era aquilo mesmo. Nem o BC nem o Tesouro vão querer vender um título se não houver demanda.
É como você querer vender um produto que não tem clientes. Nosso cliente é o sistema [financeiro", que compra os títulos.

Folha - Temporariamente, então, o BC abandonou o "swap"?
Figueiredo
- Não. Pode ser que no próximo leilão seja "swap", nada impede. Para nós, do ponto de vista econômico, é exatamente a mesma coisa, para o Tesouro, para o BC. Se o câmbio sobe, a gente perde. Se o câmbio cai, a gente ganha. O efeito final é o mesmo.

Folha - Hoje, o mercado não quer "swap" ou título mais longo, que vença no ano que vem, por causa das eleições, não é?
Figueiredo
- Diferentemente do título cambial, o "swap" não oferece risco de crédito, o risco é marginal. Porque diariamente a operação vai sendo ajustada. Ou seja, comprar um "swap" longo ou curto é só por uma questão se a demanda dos clientes é por operação longa ou curta. Não tem nada a ver com risco de crédito, não tem nada a ver com as eleições, zero, zero.

Folha - No mercado, se faz uma crítica ao BC de que as operações de "swap" cambial casadas teriam provocado um aumento na oferta de LFTs e derrubado o preço desses e, com isso, provocando perdas para os fundos de investimento.
Figueiredo -
Do início do ano para cá, incluindo junho, venceram R$ 30,3 bilhões de LFTs. Quantas LFTs foram vendidas nesse período? Só foram vendidas, praticamente, o saiu nas operações de "swap". O volume total disso dá R$ 7,5 bilhões. Isso quer dizer que houve resgate líquido, ao longo deste ano, da ordem de R$ 23 bilhões. Agora, dizer que tem uma abundância de LFT num período em que houve resgate líquido de R$ 23 bilhões, não tem sentido.

Folha - No dia em que houve excesso de LFT, o BC recomprou os papéis para corrigir a oferta?
Figueiredo -
Exatamente. E só não recompramos mais porque adquirimos todo o volume ofertado a preço competitivo.

Folha - O BC ofertou o "swap casado" e depois o "solteiro". Agora, volta a vender NTN-D, com vencimento em novembro. No mercado financeiro há quem diga que o BC errou, e que a venda dos cambiais é o reconhecimento do erro.
Figueiredo -
Isso, para mim, é conversa de perdedor. Em nenhum momento falamos que iríamos usar um ou outro instrumento. Como eu disse, é muito provável que usemos agora, num futuro próximo, o "swap". Nós não vamos agredir o mercado, vamos fazer as operações sempre num preço compatível com o mercado.
O nosso objetivo é ter o menor impacto possível. Dizer que isso foi uma perda... Como foi uma perda se nós tivemos um ganho nesse período entre 2,5 pontos [percentuais" e 3,5 pontos ao ano, em termos de menor custo para o Tesouro e para o BC na emissão de títulos? Dizer que o instrumento não deu certo, para mim é uma coisa ridícula.

Folha - Ou seja, quando o mercado tem esse discurso é porque quer justificar a perda, decorrente de erro na avaliação de investimento, atribuindo a culpa ao BC?
Figueiredo
-Claro. Qual o único agente do sistema que não tem ganho ou perda? Para o BC, o que interessa é a normalidade do mercado. Quanto mais normal o mercado estiver, menor é o custo de emissão, da política monetária, de todas as nossas políticas. O que nós estamos fazendo, ao longo desse tempo, é sempre vendo o que é melhor para o mercado.

Folha - Como o sr. explicaria para os cotistas dos fundos por que ele teve perdas agora?
Figueiredo
-Primeiro, com a nova regulamentação, o fundo está refletindo melhor o valor do investimento. Antes, não estava refletindo de maneira tão tão transparente, principalmente para o pequeno investidor. Agora, ele está muito mais protegido agora.
Nos fundos de renda fixa, quando a cota cai, é porque os ativos caíram de preço. Isso quer dizer que no futuro esse investidor terá rentabilidade maior.

Folha - Os fundos nos quais o senhor tem investimento tiveram queda perdas com a mudança?
Figueiredo
-Eu tenho aplicações em três fundos. Um é de renda variável, que já é a preço de mercado. Nos outros dois fundos, que são de renda fixa, um também já estava a preço de mercado. O outro eu nem sei, para ser honesto. É aquela história, a gente olha tanto para o trabalho que não conseguimos olhar para o nosso próprio investimento.



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