São Paulo, domingo, 02 de junho de 2002

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AVIAÇÃO CIVIL

Presidente da quarta maior fabricante de aeronaves do mundo critica protecionismo e anuncia fábrica na China

Lobby de pilotos dos EUA atrapalha Embraer

LÁSZLÓ VARGA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A Embraer, quarta maior fabricante de aviões do mundo, vive hoje uma situação paradoxal. As companhias aéreas de vários países estão sedentas de aeronaves regionais, que transportam até 120 passageiros. O objetivo delas é eliminar a ociosidade existente em modelos grandes -como Boeing ou Airbus-, resultante do desaquecimento da economia e também do impacto psicológico dos atentados de 11 de setembro.
A Embraer, como todos os seus concorrentes, no entanto, não conseguiu, de janeiro a abril, emplacar nenhuma venda de avião. Somente em maio teve êxito na comercialização de um Legacy, seu modelo de jato corporativo. Segundo seu diretor-presidente, Maurício Botelho, 59, essa estagnação nos negócios se deve à falta de financiamentos de aviões por parte de bancos internacionais, receosos de perderem o dinheiro nos empréstimos, e também a algumas cláusulas trabalhistas existentes em países como os Estados Unidos.
Os sindicatos dos pilotos e as companhias aéreas americanas têm um acordo que limita o número de vôos regionais, a fim de impedir a redução dos salários dos trabalhadores.
Na entrevista a seguir, concedida à Folha no Rio, na sede do grupo Bozano -um dos sócios da Embraer-, Botelho critica esse protecionismo e anuncia os novos passos da companhia, que terá uma fábrica de aviões na China.

Folha - Após os atentados de 11 de setembro a Embraer previu que haveria aumento na venda de jatos regionais. Isso não ocorreu. O que está acontecendo?
Maurício Botelho -
Dois fatores básicos são responsáveis pela situação. Depois de setembro, houve uma fuga dos passageiros nas companhias aéreas. O que causou uma queda brutal na venda de passagens e, portanto, na receita das empresas. Essas companhias decidiram então usar mais seus jatos regionais, que antes atuavam apenas em trajetos de municípios do interior para grandes cidades. Hoje realizam vôos anteriormente efetuados por aviões de grande porte. Existem aviões da Embraer fazendo o trajeto Lisboa-Hamburgo, por exemplo. Só que a crise econômica mundial contribuiu para diminuir os negócios do setor. Os bancos que financiam aquisições de aeronaves suspenderam os empréstimos, com receio de não terem o retorno do investimento. Isso começa a mudar agora. Os negócios de jatos regionais enfrentam ainda um sério problema em países como os Estados Unidos. Existe um acordo entre os pilotos e as companhias aéreas para que o uso de jatos regionais seja limitado.

Por quê?
Botelho -
Porque um piloto de jato regional ganha bem menos que um piloto de vôos de longa distância. É um acordo absurdo, que tem limitado os negócios nos Estados Unidos. É uma restrição de mercado. Existe, no entanto, um lobby das companhias aéreas para acabar com essa cláusula específica de trabalho, que em inglês se chama "scope clause". Se a restrição cair, o mercado de jatos regionais nos Estados Unidos vai explodir. Ele representa atualmente 65% das nossas vendas.

Folha - Por que as companhias aéreas dos EUA simplesmente não compram jatos de médio porte, de 70 passageiros, para fazer frente às restrições aos jatos regionais?
Botelho -
Porque elas teriam de reposicionar pilotos de vôos de longa distância para rotas mais curtas. Um piloto de longa distância ganha mais que um regional. As companhias não querem bancar esse ônus. A situação é complicada, mas acredito que a tal cláusula deixará de existir em breve. Outro fator que também tem limitado as vendas no momento é a existência de 2.000 aviões parados no mundo, por falta de passageiros. A maioria é de aviões grandes. Cerca de 1.300 dessas aeronaves não vão voltar ao mercado, porque elas estão superadas. Isso favorecerá nossas vendas. Existem, porém, 800 aeronaves que voltarão a operar. Isso atrapalha nossos planos.

Folha - Como está o ritmo de entrega de aviões?
Botelho -
Depois de 11 de setembro, tivemos de rever todos os planos. Vários clientes pediram para adiar a entrega de aviões. No início de setembro, entregávamos 17 aeronaves por mês. A média mensal do último trimestre foi de 10 aviões. Antes dos atentados, pretendíamos entregar 220 aviões em 2002. Agora trabalhamos com a perspectiva de 135. O mercado de aviação regional está se aquecendo, mas o ritmo é lento. Em compensação, nossa produtividade já se recuperou. Antes dos atentados, entregávamos 4,5 aviões regionais por mês. Logo depois, o índice passou para 5 aviões mensais. No último trimestre voltamos a trabalhar com 4,5 aeronaves por mês.

Folha - No dia 11 a Embraer inaugura seu centro industrial em Gavião Peixoto, no interior de São Paulo. Ele será responsável por qual tipo de atividade?
Botelho -
A unidade de Gavião Peixoto permitirá, por exemplo, que façamos os testes dos nossos aviões de defesa no Brasil. Para isso, construímos uma pista de cinco quilômetros. Até agora éramos obrigados a levar as aeronaves para os Estados Unidos, em pistas da Boeing. O que não fazia o menor sentido. Gavião Peixoto vai concentrar também a produção de aviões de defesa e do Legacy, nosso avião corporativo. Com isso, a unidade de São José dos Campos [no interior de São Paulo", onde fica nossa sede, vai se dedicar apenas aos aviões regionais. O ritmo de produção desses modelos é muito mais rápido, de 4,5 unidades por mês. Já uma aeronave de defesa pode exigir 18 meses. O que atrapalha a produção dos aviões regionais. A médio prazo, queremos ainda atrair fábricas de componentes de aeronaves para Gavião Peixoto. Tornar a cidade um pólo industrial de aeronáutica. A indústria japonesa Kawasaki, que faz estruturas de aviões, já está com uma filial no município.

Folha - Isso diminuirá as importações da Embraer?
Botelho -
Não muito. A Embraer é a maior exportadora do Brasil. Respondeu por US$ 2,8 bilhões em 2001. É a segunda maior importadora, abaixo da Petrobras. Importou US$ 1,8 bilhão em 2001. O pólo de Gavião Peixoto vai contribuir com uma pequena redução nas importações, mas vai melhorar sobretudo nossa logística. Se ganharmos a concorrência que a Força Aérea Brasileira realiza para adquirir cerca de 12 caças de última geração, vamos fabricar o Mirage em Gavião Peixoto.

Folha - Quais as chances de a companhia ganhar a concorrência?
Botelho -
Ficarei extremamente frustado se a Embraer não for escolhida. O Brasil tem, neste momento, a chance de poder fabricar localmente esse tipo de caça, absorvendo toda a tecnologia. Os grupos franceses Dassault e Thales concordaram em abrir o código de fonte dos softwares do Mirage, que representa o coração tecnológico da aeronave. Poucas empresas fizeram isso no mundo. Para ter uma idéia, o governo do Chile fechou há alguns meses um contrato de compra de caças da Lockheed Martin, dos Estados Unidos. Só que o governo americano exigiu que o estoque de mísseis ficasse no seu território. Isso contraria a soberania de um país.

Folha - Quando a Embraer entrega ao governo os aviões militares do projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia)?
Botelho -
Os dois primeiros aviões, um de controle remoto do solo [MB 145 RS" e outro de alerta aéreo avançado [Embraer AEW&C", serão entregues no próximo dia 10. Outros seis serão entregues posteriormente.

Folha - A Embraer vai construir uma fábrica na China?
Botelho -
Sim. É um mercado com potencial enorme, e a construção da unidade pode começar ainda neste ano. No início vamos apenas montar aviões, com a produção apenas de algumas peças, mas, conforme a evolução da fábrica, iremos fabricar aeronaves na China. É um processo de evolução industrial natural.



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