UOL


São Paulo, segunda-feira, 02 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Taxas de juros, produção e emprego

LUIZ MARINHO

Um equívoco . É assim que avalio a recente decisão do Copom, que manteve a taxa de juros básica em 26,5%, mesmo com a desaceleração do aumento de preços, a redução do risco Brasil e a queda do dólar. A decisão mantém um quadro muito desfavorável para a atividade produtiva, o consumo e o emprego, provocado pelas elevadas taxas de juros, que, diga-se desde logo, é uma das heranças perversas do governo FHC.
Ninguém pode ser contra o zelo pelo cumprimento da meta de estabilização de preços. É papel do governo adotar medidas para manter a inflação em baixos patamares. Do ponto de vista sindical, o controle da inflação é fundamental para o desenvolvimento sustentado e para a preservação e o incremento dos salários reais. Mas acreditamos que a meta inflacionária deva ser acompanhada de outras metas macroeconômicas igualmente importantes para o país, como é o caso da meta de crescimento econômico e da meta de emprego.
Em nosso país, as taxas de juros têm sido muito superiores às taxas de rentabilidade média da atividade produtiva. Uma situação que somente é admissível em curtíssimo prazo -isto é, um, dois ou três meses, no máximo. Nunca pelo prazo de uma década. A tabela nesta página, elaborada pela subseção Dieese, demonstra com clareza essa realidade. Entre 1995 e 2001, a taxa média de rentabilidade anual da indústria brasileira, medida pela relação lucro líquido/receita líquida, obtida a partir dos balanços de 21 setores e 96 subsetores industriais, foi de apenas 3,7%. Já a taxa de juros média cobrada pelos bancos nos empréstimos às pessoas jurídicas (empresas), no mesmo período, foi de 71,8% ao ano, ou de 56,9% em termos reais (descontada a inflação).
Os níveis elevados de taxas de juros impedem o funcionamento da máquina de desenvolvimento de uma economia, que é a atividade produtiva, localizada na produção industrial, na agropecuária, no comércio e nos serviços. Nenhuma economia racionalmente organizada aguenta por tanto tempo um ambiente em que as taxas de juros situam-se em níveis muito acima dos da rentabilidade das atividades produtivas. Trata-se de um grave desequilíbrio quando é economicamente mais lucrativo aplicar em papéis financeiros do que enfrentar o desafio do investimento na atividade industrial, agrícola, pecuária, comercial e de serviços. Essas atividades, diferentemente da especulação financeira, envolvem as complexas tarefas de planejamento da produção, contratação de empregados, compra de insumos, pagamento de impostos diversos, disputa com concorrentes etc.
O descompasso entre taxas de juros e rentabilidade do setor produtivo foi um dos fatores que determinaram o crescimento do desemprego no país. Durante as duas gestões de Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2002, quando se aprofundou ao extremo esse descompasso, o desemprego aumentou de modo alarmante. No Estado de São Paulo, o número estimado de desempregados no período saltou de 2,2 milhões para 3,7 milhões.
A tabela mostra também que os juros encontram-se em níveis ainda mais proibitivos para o consumo. As taxas cobradas pelos bancos à pessoa física nos empréstimos pessoais chegam a ser abusivas. Nos últimos oito anos, a taxa nominal de juros no empréstimo à pessoa física foi de 114% ao ano (contra uma taxa anual de inflação de 9,2%, medida pelo IPCA). Já no cheque especial a taxa de juros nominal média do período chegou a 178,7% ao ano.
Reconhecemos os elementos técnicos relacionados à fixação da taxa de juros. Mas sabemos também que é importante apostar positivamente em relação ao futuro. Apostar que o país tem hoje todas as condições de retomar o crescimento econômico sem afetar a estabilidade de preços e a balança de pagamentos. Mais ainda: somente um governo como o do presidente Lula é, hoje, capaz de impulsionar de modo bem-sucedido essa aposta no desenvolvimento. Nesse sentido, pergunto se em fóruns como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social não seriam viáveis o diálogo e a negociação em torno de uma meta futura para a taxa de juros (por exemplo, a metade das taxas atuais). Acordada essa meta, poderíamos ver então quais as condições e medidas necessárias para alcançar esse objetivo. Essa, por exemplo, seria uma aposta positiva no futuro.
É preciso também discutir como fazer para que os bancos retomem a sua função de intermediação financeira visando à transferência de crédito para a produção e o investimento nas áreas produtivas. Além disso, é importante discutir criativamente possibilidades para a redução de cada item que influencia na composição das taxas de juros dos bancos particulares (o chamado "spread"), tais como a redução das taxas para os clientes com bom histórico de pagamentos de dívidas bancárias, a diminuição da burocracia, a redução tributária, entre outros.
Quero encerrar esse artigo com a mensagem de que estamos otimistas. Muito em breve o cenário econômico brasileiro mudará significativamente. O governo Lula, por seus próprios compromissos históricos, deverá conduzir o país à retomada do crescimento econômico, no qual a produção e o emprego voltarão a ser vigas mestras do desenvolvimento.


Luiz Marinho, 44, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.


Texto Anterior: Categorias precisam parcelar reposição e negociar abonos
Próximo Texto: DICAS/FOLHAINVEST
Bolsa: Analista opta por cautela e sugere evitar troca de ações no momento

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.