São Paulo, quinta-feira, 02 de agosto de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

Oposição de fachada?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

"O globo" estampou em primeira página: Lula admite FHC em seu palanque. E o presidente da República devolveu a gentileza, declarando que também gostaria de ter Lula no seu.
O Brasil é realmente um país "sui generis". Sabemos que um dos traços típicos do brasileiro é a aversão a rupturas e descontinuidades. Ao longo da nossa história, as transições políticas têm sido basicamente negociadas. Somos a pátria do gradualismo. A abolição da escravidão, por exemplo, foi um processo que se arrastou por décadas e décadas.
Mas há limites. A essa altura, não há esforço de "marketing", por mais genial, capaz de esconder o óbvio: o fracasso retumbante não só do governo FHC como do modelo econômico implantado no Brasil desde os tempos de Collor.
Nos últimos 11 anos, fizeram de tudo. Confiscaram a poupança, desnacionalizaram a economia, endividaram o país no exterior, arrombaram as contas públicas, aumentaram a vulnerabilidade externa, destruíram empresas e postos de trabalho e produziram uma tremenda crise energética. Implantaram, como escreveu recentemente aqui na Folha o ex-ministro Adib Jatene, o "entreguismo da modernidade".
Entretanto, dizia Nelson Rodrigues, o óbvio tem inimigos ferozes e poderosos. Como é natural, os interesses externos e internos que se beneficiaram do modelo desejam preservá-lo. Está em curso uma manobra para envolver as oposições na defesa de políticas econômicas "responsáveis", sintonizadas com as demandas e preconceitos do eixo Wall Street-Washington e suas ramificações tupiniquins. E nos diferentes partidos de oposição não faltam figuras dispostas a participar da jogada.
Fernando Henrique Cardoso também tem interesse em colaborar. Em entrevista ao jornal britânico "Financial Times", publicada no dia 12 de junho, o presidente do Brasil afirmou que "a oposição, especialmente o Partido dos Trabalhadores, é menos radical do que a sua imagem nos mercados financeiros". Chegou a afirmar que as suas diferenças com o PT são mais uma questão de "disputa pelo poder" do que de "ideologia".
Desconte-se o exagero. FHC está fazendo o seu "hedge". Sabe que terá grande dificuldade de fazer o seu sucessor. Teme, provavelmente, o destino de Fujimori e Menem. Quer ficar bem com os adversários.
Sabe, além disso, que o quadro internacional é adverso e que a economia brasileira continua muito vulnerável. Não gostaria de ter o seu final de governo excessivamente tumultuado pelo nervosismo dos mercados financeiros em relação às políticas que seriam adotadas por um eventual governo de oposição.
Repare, leitor, como funciona o círculo vicioso da dependência. A fragilidade das contas públicas e das contas externas, decorrente das políticas de abertura, liberalização e endividamento, é usada para intimidar as oposições e pressioná-las a comprometer-se, em nome da "modernidade" e do "pragmatismo", com a continuação dessas mesmas políticas. No limite, um eventual governo da oposição teria que entregar o comando da economia à equipe do seu antecessor, como fez o governo De la Rúa na Argentina.
Mas a oposição que se cuide. A insatisfação dos brasileiros é generalizada. O eleitorado não vai querer perder o direito de escolha.
Oposição de fachada não serve.


Paulo Nogueira Batista Jr., 46, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 2ª edição: 2001).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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