São Paulo, terça-feira, 02 de agosto de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Parlamentarismo, eu era contra

BENJAMIN STEINBRUCH

Ainda ressoa entre minhas lembranças de infância um jingle irritante que dizia assim: "Parlamentarismo não/e não e não". Era o refrão da campanha do governo do então presidente João Goulart em favor da volta do presidencialismo ao país, em 1963.
A campanha foi um sucesso para o governo da época. Em 6 de janeiro de 1963, cerca de 9,5 milhões de brasileiros, em plebiscito nacional, disseram "não" ao parlamentarismo e restauraram o presidencialismo -só 2,1 milhões votaram "sim".
Acabou assim a breve e frustrante experiência parlamentarista da República brasileira. Nem poderia ser diferente: ela fora imposta de maneira casuística, em 1961, para impedir a chegada do vice João Goulart ao poder após a renúncia do presidente Jânio Quadros.
Trinta anos depois, a população foi novamente chamada a se manifestar sobre o sistema de governo, no plebiscito de 21 de abril de 1993. E outra vez o parlamentarismo foi flagrantemente derrotado: votaram 68 milhões de pessoas, 55% a favor do presidencialismo, e 25%, do parlamentarismo. Os demais 20% votaram em branco ou anularam o voto.
Em 1963, eu ainda usava calças curtas. Mas, em 1993, votei a favor do presidencialismo. Hoje, não repetiria o voto. Pesa contra o parlamentarismo a crítica genérica de que esse sistema abriria espaço para trocas seguidas de governos, o que traria instabilidade política e econômica ao país.
Na verdade, a possibilidade de troca de governo, aparentemente uma fraqueza do parlamentarismo, tende a ser sua maior virtude. Lembremos como funciona o sistema parlamentar republicano. O presidente, eleito pelo voto direto, é o chefe de Estado. O primeiro-ministro, indicado pelo presidente e referendado pelo Congresso, geralmente representante do partido majoritário, é o chefe de governo, ou seja, o Executivo. Se o primeiro-ministro vai mal, pode ser derrubado pelo Parlamento e outro nome é indicado pelo presidente. Para formar o governo, esse novo Executivo necessita de uma sólida base parlamentar, que ele tem obrigação de construir no Congresso.
O detalhe importante nesse processo é que deputados e senadores são igualmente responsáveis pela formação de uma maioria que possa ter governabilidade, por meio de alianças partidárias. Se houver um impasse nessa tarefa, os próprios parlamentares perdem seus mandados, porque o presidente pode dissolver o Congresso e convocar eleições gerais.
A crise atual seria mais facilmente resolvida no sistema parlamentar. Independentemente da apuração das responsabilidades dos que estão sendo acusados de corrupção, o presidente convocaria novas eleições. Após o pleito, caberia aos parlamentares a missão de formar um governo. Se o partido mais votado não obtivesse maioria para governar sozinho, teria de negociar alianças com outros partidos para construí-la.
Da forma como funciona hoje, nosso presidencialismo é um ninho de crises. Cabe ao governo tentar negociar uma maioria no Congresso para poder governar, mas toda a vantagem está com o Legislativo. Se o governo fracassa nessa tentativa, a responsabilidade pelo fracasso é apenas do Executivo. Os deputados e senadores permanecem em seus cargos, às vezes insuflando ainda mais a crise, porque têm mandatos garantidos de quatro e oito anos. Em circunstâncias como essas, o governo fica na mão do Congresso e precisa mendigar voto por voto, parlamentar por parlamentar, a cada votação importante. Abre-se, então, o caminho para "valeriodutos", "mensalões" e outros "propinodutos".
É bom esclarecer que não estou aqui a propor alteração constitucional casuística para criar o parlamentarismo a fórceps, como saída para a atual crise política. O povo votou duas vezes contra o parlamentarismo nos últimos 40 anos e essa vontade tem de ser respeitada.
Mas as coisas mudam. A experiência fracassada de 1961-1963 não pode ser tomada como parâmetro. Eram tempos pré-autoritários, que nem a maestria política de Tancredo Neves, que foi primeiro-ministro, conseguiu contornar. Hoje, a democracia está consolidada e já podemos voltar a pensar em formas mais eficientes de conduzi-la. O parlamentarismo é uma delas por uma razão simples: em casos de crise política, como a atual, cai o governo, mas não sofrem a economia e nem o país.


Benjamin Steinbruch, 51, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

E-mail - bvictoria@psi.com.br

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