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OPINIÃO ECONÔMICA
Parlamentarismo, eu era contra
BENJAMIN STEINBRUCH
Ainda ressoa entre minhas
lembranças de infância um
jingle irritante que dizia assim:
"Parlamentarismo não/e não e
não". Era o refrão da campanha
do governo do então presidente
João Goulart em favor da volta do
presidencialismo ao país, em 1963.
A campanha foi um sucesso para o governo da época. Em 6 de janeiro de 1963, cerca de 9,5 milhões
de brasileiros, em plebiscito nacional, disseram "não" ao parlamentarismo e restauraram o presidencialismo -só 2,1 milhões votaram
"sim".
Acabou assim a breve e frustrante experiência parlamentarista da
República brasileira. Nem poderia
ser diferente: ela fora imposta de
maneira casuística, em 1961, para
impedir a chegada do vice João
Goulart ao poder após a renúncia
do presidente Jânio Quadros.
Trinta anos depois, a população
foi novamente chamada a se manifestar sobre o sistema de governo, no plebiscito de 21 de abril de
1993. E outra vez o parlamentarismo foi flagrantemente derrotado:
votaram 68 milhões de pessoas,
55% a favor do presidencialismo, e
25%, do parlamentarismo. Os demais 20% votaram em branco ou
anularam o voto.
Em 1963, eu ainda usava calças
curtas. Mas, em 1993, votei a favor
do presidencialismo. Hoje, não repetiria o voto. Pesa contra o parlamentarismo a crítica genérica de
que esse sistema abriria espaço para trocas seguidas de governos, o
que traria instabilidade política e
econômica ao país.
Na verdade, a possibilidade de
troca de governo, aparentemente
uma fraqueza do parlamentarismo, tende a ser sua maior virtude.
Lembremos como funciona o sistema parlamentar republicano. O
presidente, eleito pelo voto direto,
é o chefe de Estado. O primeiro-ministro, indicado pelo presidente
e referendado pelo Congresso, geralmente representante do partido
majoritário, é o chefe de governo,
ou seja, o Executivo. Se o primeiro-ministro vai mal, pode ser derrubado pelo Parlamento e outro nome é indicado pelo presidente. Para formar o governo, esse novo
Executivo necessita de uma sólida
base parlamentar, que ele tem
obrigação de construir no Congresso.
O detalhe importante nesse processo é que deputados e senadores
são igualmente responsáveis pela
formação de uma maioria que
possa ter governabilidade, por
meio de alianças partidárias. Se
houver um impasse nessa tarefa,
os próprios parlamentares perdem
seus mandados, porque o presidente pode dissolver o Congresso e
convocar eleições gerais.
A crise atual seria mais facilmente resolvida no sistema parlamentar. Independentemente da
apuração das responsabilidades
dos que estão sendo acusados de
corrupção, o presidente convocaria novas eleições. Após o pleito,
caberia aos parlamentares a missão de formar um governo. Se o
partido mais votado não obtivesse
maioria para governar sozinho,
teria de negociar alianças com outros partidos para construí-la.
Da forma como funciona hoje,
nosso presidencialismo é um ninho de crises. Cabe ao governo
tentar negociar uma maioria no
Congresso para poder governar,
mas toda a vantagem está com o
Legislativo. Se o governo fracassa
nessa tentativa, a responsabilidade pelo fracasso é apenas do Executivo. Os deputados e senadores
permanecem em seus cargos, às
vezes insuflando ainda mais a crise, porque têm mandatos garantidos de quatro e oito anos. Em circunstâncias como essas, o governo
fica na mão do Congresso e precisa
mendigar voto por voto, parlamentar por parlamentar, a cada
votação importante. Abre-se, então, o caminho para "valeriodutos", "mensalões" e outros "propinodutos".
É bom esclarecer que não estou
aqui a propor alteração constitucional casuística para criar o parlamentarismo a fórceps, como saída para a atual crise política. O
povo votou duas vezes contra o
parlamentarismo nos últimos 40
anos e essa vontade tem de ser respeitada.
Mas as coisas mudam. A experiência fracassada de 1961-1963
não pode ser tomada como parâmetro. Eram tempos pré-autoritários, que nem a maestria política
de Tancredo Neves, que foi primeiro-ministro, conseguiu contornar.
Hoje, a democracia está consolidada e já podemos voltar a pensar
em formas mais eficientes de conduzi-la. O parlamentarismo é
uma delas por uma razão simples:
em casos de crise política, como a
atual, cai o governo, mas não sofrem a economia e nem o país.
Benjamin Steinbruch, 51, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho
de administração da empresa e primeiro
vice-presidente da Fiesp (Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo).
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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