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São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Recrutas

BENJAMIN STEINBRUCH

Bons tempos aqueles em que o Exército era uma opção apenas para os que se interessavam pela carreira militar. Hoje, centenas de milhares de jovens procuram os quartéis anualmente em busca de um emprego, ainda que temporário.
Neste ano, cerca de 1,5 milhão de adolescentes fizeram o alistamento militar em todo o país e 90 mil foram convocados. Estima-se que 90% desse contingente seja de voluntários, atraídos pela oportunidade de ganhar de 9 a 12 meses um soldo de R$ 240 mensais, além de refeições, ajuda para transporte e uniformes.
Um pequeno número desses recrutas seguirá a carreira militar. Encerrado o serviço temporário, a maior parte deles voltará ao mercado em busca de trabalho. Felizmente, as Forças Armadas e o Ministério do Trabalho criaram neste ano o programa Soldado Cidadão, que vai oferecer, além do treinamento militar, cursos profissionalizantes a recrutas convocados.
As filas para o alistamento militar são um retrato de quanto a vida ficou difícil para os jovens que tentam ingressar no mercado de trabalho. Um estudo feito pela Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do Município de São Paulo revelou que a crise do desemprego atingiu de maneira cruel os jovens brasileiros.
Na década de 80, apenas um em cada dez jovens entre 15 e 24 anos estava desempregado, sete tinham ocupação e dois não procuravam emprego. Nos anos 1990, a situação se inverteu. Em cada dez jovens, só um estava empregado, quatro eram desempregados e cinco permaneciam fora do mercado, ou seja, não buscavam emprego.
Segundo o estudo, o Brasil conta com 33 milhões de jovens entre 15 e 24 anos (dados de 2001, do IBGE). Só metade deles tem algum vínculo empregatício, sendo 69% sem carteira assinada. Cerca de 17 milhões não estão estudando e -o número mais preocupante- 4,5 milhões não estudam, não trabalham nem procuram emprego.
O que fazem então esses 4,5 milhões de jovens? A pergunta é embaraçosa, e a resposta, preocupante. Eles são recrutas potenciais não do serviço militar, que não tem como atender a todos, mas do crime organizado, e estão em situação de alto risco. Sem remuneração, sem formação e sem emprego, viram presas fáceis das organizações criminosas.
O programa Primeiro Emprego foi aprovado na Câmara há duas semanas. É uma boa idéia. Mas, se funcionar perfeitamente, vai abrir vagas para apenas 55 mil jovens neste ano, 100 mil em 2004 e 200 mil em 2005.
Programas como o Soldado Cidadão e Primeiro Emprego são muito importantes para situações emergenciais e merecem aplausos. Mas o problema do desemprego precisa de algo mais para ser enfrentado seriamente: medidas que promovam o crescimento da economia.
Na semana passada, esteve em São Paulo o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz. Ele observou que os bons bancos centrais são aqueles que sabem adaptar suas políticas às circunstâncias econômicas. E deu um puxão de orelhas no BC brasileiro, que continua a olhar com prioridade para a meta de inflação: "Os problemas do Brasil não estão mais na inflação, e sim no crescimento e na criação de empregos".


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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